POEMA AUTOBIOGRÁFICO

ana,
como também escrevo pra teatro - que é a minha paixão maior, tanto que dos meus quatro casamentos duas eram atrizes -, de propósito, usei a linguagem mais coloquial possível. o brasil só não deu até hoje, a minha irmã e a mim, satisfação do que fizeram do meu pai, um diplomata concursado. há outros desaparecidos também, aliás.

carinho

j.

ps: seu nome já é um poema.

Muito grata pelo carinho. É coloquial sim, talvez por isso tenha tocado-me tanto. Tem um pouco a ver com meu jeito de escrever, como quem fala. Mas é meu jeito e a poesia para mim é algo que sai assim, como um respirar da alma. Talvez eu tenha sentido isso. Uma certa identificação pela simplicidade do poema, tanto é que disse, "é o que mais gostei", não o melhor. Pois tem a ver com meu gosto e não com técnica poética, pois enfim, como não sou da literatura erudita, apenas limito-me a gostar e sentir o que escreves, não sou ninguém para avaliar um poema, apenas digo o que sinto. Se me perguntares de anestesia, bom, aí é outra história...( mas para quem é meio burrinha para a língua, até que "mando" bem.)

Grande beijo, tu inteiro és um poema.

P.S.

Fiquei curiosa para ver o que escreves para teatro. Tens uma vivência densa e profunda. Isso se reflete em tua criação com certeza.

aninha,

há uma peça minha, na época foi proibida pela ditadura. chamava-se Pelos Séculos dos Séculos. a ditadura a proibiu. foi encenada uma vez só. minha mãe disse que eu estava louco, porque coloquei a atriz anna gullar, com quem fui casado, se masturbando - e ela fez mesmo, chegou a gozar -, diante de um crucifixo.

Homem de coragem! Ainda bem que foi só diante do crucifixo e, melhor ainda, que estás vivo para contar essa história. Pessoas como tu que fazem com que mesmo após o tempo negro da ditadura o "continum" de nossa cultura tenha sido mantido.

Grande abraço, admiro-te muito, desculpe-me pela ignorância de anteriormente não ter tido contato com tua obra. Mas tenho lido um tanto a teu respeito.

sabe, este poema é quase um vômito. por isso eu o escrevi da forma mais coloquial possível, sempre perguntando o que fizeram do meu pai, porque minha irmã e eu não sabemos até hoje, sempre lembrando que há outros e outras desaparecidos.

j.

pois é, o engenheiro e deputado rubens paiva nunca apareceu. outros e outras também sumiram. veio a anistia. mas nunca o governo brasileiro nos deu satisfação desses sumiços.

axé bahia de todos os santos!

j.

este meu poema, quase um vômito, era ou é para ser dedicado ao meu amigo pubicitário carlito maia, que já não existe mais. um gênio. pai da irreverência. não me preocupei - e fiz de propósito - com a forma de escrever. quis fazê-lo, abilio, como se estivesse falando. cada vez menos me preocupo com a linguagem culta. quero o mais coloquial possível. quebrando as regras eu existo. só lamento o meu país nunca ter dado a mim e à minha irmã o direito de pelo menos ver o corpo do meu pai ou explicação do que fizeram dele, afinal era um diplomata concursado. e a aposentadoria que recebemos, depois da anistia, mesmo com os atrasados, não vale uma vida.

abração amigo.
j.

fui também da convergência socialista. e depois da libelu. liberdade e luta. ingressei no partido comunista, onde estou até hoje. e não saio.

j.