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Na calçada

 
Tags:  pobreza    desamparo  
 
É tão grande a distância que separa de mim,
este homem miserável caído na calçada,
que dorme, boca entreaberta,
no canto escorre uma baba nojenta,
que desce pela barba esbranquiçada,
que, a anos, não conhece os cuidados de um barbeiro.
É tão grande, e ao mesmo tempo tão pequena,
a distância que separa a sua vida da minha
que, olhando-o assim caído,
chego a pensar que este homem sou eu.
Que é minha a sua vida desmantelada,
o seu cheiro azedo, que mistura urina e suor,
descaso, abandono e falta de dó.
Que são meus os seus sonhos desfeitos,
a sua desesperança exposta e quem sabe,
a sua decepção de amor.
É tão grande, e tão pequena,
essa distância imensa,
que me separa dele e me protege de mim mesmo:
do meu ímpeto suicida, de minha vontade intensa,
desejo de abandonar tudo e me deixar ficar por aí,
pelas ruas, pelas calçadas,
com uma barba suja e mal cuidada,
coração decepcionado, falta de vontade
e o projeto de não ser senão um homem velho,
pobre, abandonado e sujo,
que dorme em uma calçada qualquer.
É tão grande e tão pequena essa distância
que me separa do homem deitado na calçada,
que em seu sono, ele sonha - quem sabe -
que um certo homem em vigília,
parado e perplexo, se deteve
e lhe olha na rua, querendo saber quem é.
Pensando que é ele - o homem - quem dorme,
no sem sentido de sua vida
que lhe reserva, nessa noite,
casa, conforto, lençóis limpos,
um banho quente, toalhas
e uma boa xícara de chá.

 
Autor
marcusmatraga
 
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