Poemas : 

Ciclico

 
Era uma tarde de Outono, deviam ser cerca de quatro horas, o vento arrastava as folhas amarelas e vermelhas de um lado para o outro da avenida. Parecia uma cena tirada de um filme, uma grande avenida com arvores despidas de um e do outro lado, e lá estava eu, no inicio da avenida a olhar para a frente, não havia mais ninguém lá, ou se havia, eu não reparei, apenas olhava para uma criança que estava mais a frente, de olhos no chão, era uma criança baixa e com um cabelo liso e loiro, estava a olhar para o chão a criança, parecia tão frágil ela.
Andava a passos largos em direcção a criança, não sei porque fazia isso, apenas o fiz. Quando cheguei perto dela estendi o braço para lhe tocar, ao dar o meu ultimo passo a criança começou a cair, batendo com os joelhos no chão e de seguida caindo inanimada no chão, como se lhe tivessem sugado a vida. A minha mão passou-lhe tão perto, quase que posso jurar que lhe toquei, numa questão de eternos segundos enumeras pessoas se juntaram a nossa volta a perguntar o que se passou, mas eu nada dizia, estava em choque, a criança morreu naquele mesmo lugar.
Nesse mesmo dia a noite deparei-me comigo deitado na cama, a olhar para o tecto e a pensar. Porque é que me deu vontade de ir ter com aquela criança? Parecia que ela já sabia que ia morrer, parecia uma espécie de transe. Passei varias e varias horas a pensar, até que adormeci. Levou-me vários meses para esquecer aquele dia, quer dizer… a esquecer não, a deixar de pensar nele. Mas os sonhos estranhos não paravam de acontecer, sim, porque depois desse dia passei a ter sonhos bastante estranhos, quase todas as noites, ainda na última noite sonhei que estava numa planície, repleta de ervas um pouco grande, não havia nada lá, a não ser, eu e um espelho. Eu estava a frente do espelho, no centro da planície sem fim, mas o espelho não mostrava o meu reflexo, fiquei imóvel lá a frente uns 30 segundos, depois estendi a mão e toquei-lhe, quando lhe toquei comecei a aparecer no espelho, mas estava de costas, retirei logo a mão assustado. O meu reflexo estava de costas e um pouco inclinado para a frente, a medida que se foi virando reparei que tinha sangue no tronco, fui seguindo o sangue com o olhar, a medida que ele se virava. O sangue vinha dos meus (seus) olhos, o meu reflexo estava com as unhas a coça-los, ou o pouco que já restava deles. Subitamente parou, endireitou-se, e “olhou” para mim, era assustador, enquanto me olhava o sangue continuava a correr-lhe pelos olhos e pelo tronco a baixo, reparei que ele sussurrou algo, mas não percebi bem o que, quando ele tentou falar mais alto começou-lhe a sair sangue pela boca também, ai ele tentou gritar, mas o sangue espirrava da sua boca contra o espelho, ele debatia-se para me dizer algo, mas o sangue não o deixava. Eu estava imóvel a ver-me ali do outro lado do espelho, enquanto ele serrou o punho e socou-o, partindo-o e acordando-me ao mesmo tempo. Acordei aos sobressaltos, este sonho tinha sido de longe o mais macabro de todos, e também o mais real.
Algo se estava a passar comigo, mas eu não sabia o que.
Passado um ano com os sonhos estranhos, umas vezes piores outras melhores, começou a acontecer algo ainda mais estranho. Uma noite ia-me a deitar, entrei no quarto, deitei-me na cama, mas tinha medo de dormir, estive deitado cerca de meia hora, olhei para o lado e vi que eram 4h42, levantei-me e fui a casa de banho passar a cara por agua, já estava decidido a não dormir, ao voltar para a cama passei pela janela do meu quarto, parecia que tinha visto algo lá fora, dei um ou dois passos atrás para voltar a janela e vi o que era, fiquei incrédulo, era eu, eu estava a olhar para a minha casa do outro lado da rua. Sai disparado a correr para a porta de entrada, quando a abri… nada, não estava lá ninguém. Voltei a subir as escadas, e fui a janela do meu quarto, já não estava lá nada. Estaria a ficar maluco? Esperando que não, fui para a cama, e fiquei lá deitado a noite toda sem dormir.
No dia seguinte fiz a minha vida normalmente, como sempre fiz, escondendo tudo que se tem vindo a passar comigo. Nessa noite estava apavorado, mal entrei no quarto a primeira coisa que fiz foi ir a janela, não estava lá nada, suspirei de alívio, mas mal acabei de o fazer bateram a porta do meu quarto, os meus pais não podiam ser, eles não costumam bater a porta, fiquei assustadíssimo, aquelas três pancadas secas na porta congelaram-me a alma. Fiquei parado, passado uns segundos eu ainda não me tinha mexido e voltaram a bater a porta, mais três pancadas secas, dei um passo em frente e respirei fundo. Fui-me dirigindo para a porta, quando lá cheguei meti a mão na maçaneta da porta, estava gelada, rodei a maçaneta e puxei-a lentamente. Não estava lá nada, dei mais um passo em frente, ficando entre a porta e o corredor, olhei para a direita e nada, olhei para a esquerda e nada também, foi ai que senti algo a respirar a beira da minha orelha direita, quando me ia virar algo me tocou com um só dedo na cabeça, e é só isso que me lembro dessa noite. No dia seguinte acordei na cama deitado (hoje), fiquei a pensar no que se tinha passado, será que tinha desmaiado?
Isto tudo levou-me a escrever este diário, para não me esquecer de nada, pois não sei se ontem desmaiei, ou apenas não me lembro do que se passou.
O rapaz não reparou que enquanto escrevia o seu diário estava a ser observado, observado pelas mesmas entidades que o tem vindo a assombrar. A porta estava entreaberta, de repente fechou-se, fazendo um estrondo pela casa toda, o rapaz largou o diário e correu para tentar abrir a porta, mas não conseguia, enquanto ele se debatia para abrir a porta os pais do rapaz correram a subir as escadas para ver o que se passava, chegaram a porta e ouviram o rapaz a bater e a gritar por socorro. De repente todo o barulho parou, os pais abriram a porta e viram o filho no quarto sentado na cama a olhar para o chão, perguntaram se estava tudo bem, mas ele nada disse, após muita insistência sem resposta os pais saíram do quarto e sentaram-se na sala a discutir o que se passou.
Enquanto discutiam o filho passou e saiu, dirigiu-se para o meio de uma praça, estava repleta de gente, chegou ao meio da praça e ficou a olhar para o chão, enquanto isso alguém na multidão o fitou, e começou a andar em sua direcção. Quando lá chegou estendeu o braço tentando tocar no rapaz, mas ele caiu no chão, morto como o menino loiro. Mais uma vez o ciclo continua.

 
Autor
Anthichriste
 
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