Poemas : 

[A Flor Violada]

 
[Sobre o meu Cavalo: Jornadas]
Jornada II - A Flor Violada

Um quase-nada de aperto do colhão na sela...
O cavaleiro retroage... retrocede...
A sua mente se incendeia na memoração
dos lúbricos enlaces de noites e noites atrás:
a doce rubra flor cultivada em asperezas,
no calor do entrelaço da íntima carne,
em que, o primeiro, não foi ele não!

Essa dor é fina e funda—, ele côa,
em seus ouvidos, de longe, do ar,
a música da casa da Maria Beira-Mar,
aquela Maria que é de todos
mas a ninguém de fato pertencida.
Pelas estradas de Minas,
toda a gente vê, toda a gente sabe
das vulgares da Maria Beira-Mar.

E a rubra-flor, essa que aprendeu
as artes de marcar bem fundo —,
é dela a história que conta o cavaleiro:


"Na aspereza do terreiro coberto pela neblina,
a branca flor, alegre viço de orvalhadas primícias,
ainda ontem desabrochada, túrgida de esperanças,
sonhava um futuro de mesa farta
e finos bordados de puríssimo linho.
Porém, vendida pela má paga da Necessidade,
agora, é mais uma branca flor despetalada
pela rubra tempestade da madrugada!

Cabelos despenteados,
pés descalços na terra nua,
caminha, nesta manhã fria, perdida,
sem saber para onde rumar seus passos —,
traz na camisola de cetim vermelho,
que de seu gosto nunca teria escolhido,
as marcas da primeira batalha.

Nas pernas, a dor de abrir à força,
no seu corpo, o cheiro do corpo estranho,
no rosto, a viva brasa dos tapas,
e na alma, a ferida-flor vermelha,
a dor inaugurada todo santo dia,
pelo sangue da sua pureza arrancada
e o amargo fel da esperança perdida."


De olhos perdidos como se olhasse o mar,
a rubra-flor a ainda sonha ser resgatada,
levada na garupa do cavalo dele
para um ninho de amor e trabalho.
Ela bem sabe — o vazio que lhe ficou no corpo
tem memória bem guardada no corpo dele;
fecha os olhos, e morde os lábios: ele voltará!
Tantas têm saído da casa da Beira-Mar...
O cavaleiro virá buscá-la... um dia, ele virá!

Longe dali, o cavaleiro solitário percorre
a vereda do Sítio da Forja da Esperança.
Dividido, ele tenta um descompromisso;
seu corpo lhe pede aquela flor rubra
dos lúbricos enlaces de noites passadas.
A sua mente lhe diz que não;
dura batalha entre o desejo que atiça,
e o remoer infernal em seus ouvidos
dos gemidos dela com outros.

Insuporta-se... entoja-se; revolta-se —,
não, por hora, não vai voltar não!
O leve tapa que o cavaleiro dá
na tábua do pescoço do cavalo
é o aprumo de decisão feita;
firme na sua certeza provisória,
retoma a marcha estradeira.

Mas, pensamento é trela de pensamento,
é daquela ferida aberta no peito
que inda geme o cavaleiro.
Repisado do arrocho de amargura,
diminui a marcha, incerteia o caminho,
mãos frouxas nas rédeas: sua firmeza bambeia!
com pouco, o seu cavalo, a trote lento,
ruma para a casa da Maria Beira-Mar...

_________
Da minha coletânea "Sobre o meu Cavalo"

 
Autor
crstopa
Autor
 
Texto
Data
Leituras
783
Favoritos
0
Licença
Esta obra está protegida pela licença Creative Commons
1 pontos
1
0
0
Os comentários são de propriedade de seus respectivos autores. Não somos responsáveis pelo seu conteúdo.

Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 21/08/2011 19:48  Atualizado: 21/08/2011 19:48
 Re: [A Flor Violada]
UM POEMA ENCANTADOR, UM BELO ALAZÃO.

MARTISNS