Prosas Poéticas : 

Se essa rua fosse minha, eu...

 
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Vejo uma rua ampla, dessas com arredores de postes de energia elétrica, de modelo bem romântico e de material bom. Bem sincronizados entre si, uma grande equipe de postes, em boas condições e uniformes; eles mesmos, célebres empregados da companhia de luz. Mas na rua em questão, a luz é tanta, vasta e amarela. Sai da própria rua. A rua é um todo de um asfalto que nunca vi, nem aqui, que é real, mas não real igual, como de outras ruas de outras cores. Rua amarela que ainda não caminho sobre ela. Contemplo-a, destacado da paisagem de postes e rua brilhante. Estou em local pairando ao longe, mas vejo o que parece o início dessa rua, que se é rua, é de se caminhar. A rua leva certamente a algum lugar, e ao começo ou ao final dela – não faz diferença – desde que se caminhe. Mesmo sem ter tentado a sorte, sei que quem se aventurar a andar nessa rua, pouco saberá do destino dela enquanto caminha. É o tipo de jornada cega da qual somos tão familiares, dada a vida tal como ela é, e nem por isso deixamos de temer. Caminha-se. Nessa estrada amarela da minha contemplação, ninguém caminha, nem mesmo eu. Ainda não desci do espaço-tempo que me prende entre onde estou a escrever, e onde a rua-estrada-amarela espera a percorrer-se. Percebo o material da rua, como tijolos, cuidadosamente forjados para emular o ouro. Reluz, que é luz duas vezes, e por isso tão amarelo, e o tornar postes desnecessários. Deve ser que, como tudo que vicia em ciclo, o amarelo-luz da rua vai-se em algum tempo, apaga-se. E então, os majestosos e sentinelas postes, podem encarnar o farol que nasceram pra ser, e emprestar luz, ao caminhante e à própria rua, que talvez se aborreça de escurecer. Ou talvez escureça de cansaço. Porque o cansaço está em tudo também, como em ciclo, vem e vai, e pinta as mesmas coisas com cores diferentes. Eu amo isto, porque não estou cansado. O mesmo isto, com cansaço, vai para a prateleira de tédio, redecorado de miasma. Não sinto vontade de iniciar a caminhada, e não faço esforço para sair desse estado pêndulo que me encontro, pois adivinho não ser possível sair voluntariamente desse vôo contemplativo. E a paisagem é imutável. O amarelo sangrando luz, os tijolos, ouro de tolo, e os postes, “irmãos postes!” – quero chamá-los. A minha afeição repentina pelos postes segue-se por um relâmpago certeiro de coisa-já. Apaga-se rua. Acendo-me.

 
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thiagodebarros
 
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