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O Código da Testemunha

 
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O Código da Testemunha
(Ficção. Com excepção de alguns topónimos, todos os componentes são fictícios.)


“Há alturas em que os mortos falam…”


Domingo, 9 horas de uma bela manhã de Setembro. O detective AlfaZero acordou por volta das 8 horas e estava nesse momento na varanda do seu apartamento-escritório, na Avenida Marginal, em Luanda, a contemplar a baía, quando o seu telefone fixo assinalou uma chamada.

-- Alô, detective AlfaZero ao telefone – disse ele depois de encostar o auscultador ao ouvido.
-- Bom-dia, detective AlfaZero – disse alguém do outro lado da linha – preciso da sua ajuda. Se puder, venha, por favor, à minha casa. Eu moro na Samba, Rua dos Comerciantes, nº 18AB. Chamo-me Augusto Narciso.
-- Okay, estou a caminho – disse AlfaZero desligando o telefone.

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“Estava a pensar em convidar a minha amiga Briana para irmos à praia, mas estou a ver que este domingo não vai ser calmo, não – pensava AlfaZero enquanto descia as escadas do prédio. O que será desta vez? – interrogava-se ele enquanto abria a porta da sua viatura.

Minutos depois já ele rolava pela Avenida Marginal em direcção à Mutamba e, dali, em direcção à Samba. Ao chegar a este bairro, entrou na Rua dos Comerciantes e tocou à campainha da casa nº 18AB. Foi o próprio Augusto Narciso que o veio atender.
-- Ah, o Sr. Detective AlfaZero?
-- O próprio – respondeu AlfaZero.
-- Obrigado por ter vindo. Entre e sente-se. Toma alguma coisa?
-- Se tiver aí uma coca-cola fresca, tomo-a de boa vontade.
Augusto Narciso foi à geleira, tirou duas coca-colas e pô-las em cima da pequena mesa à volta da qual estavam sentados. Abriu as coca-colas, serviu dois copos, deu uma golada no seu copo e, por fim, disse:
-- Desculpe tê-lo incomodado tão cedo numa manhã de domingo tão bela e convidativa para uma ida à praia.
-- Ah, isso faz parte da minha profissão -- disse, sorrindo, AlfaZero.
-- Sr. Detective AlfaZero, o meu caso é o seguinte: ontem, por volta das 11 horas da manhã, recebi um telefonema de uma senhora minha conhecida, de nome Suzana Vihemba a dizer-me que tinha visto na Ilha, numa das ruas secundárias, a viatura do meu filho, estacionada. Disse ela que, a porta do lado do condutor se encontrava aberta mas que o meu filho não se encontrava dentro da viatura. Quem estava dentro da viatura era a Vanda, a namorada dele. Pois disse a Dona Suzana que, ao passar pela viatura do meu filho, viu um homem encostado à porta da mesma, do lado onde a namorada dele se encontrava e que ela parecia estar com a cabeça inclinada para trás, tanto que a Dona Suzana, ao passar, abrandou a marcha da sua viatura para cumprimentá-la mas nem sequer pôde fazê-lo. Entretanto, ela tentou ver quem era o homem que estava encostado à porta da viatura, olhou para ele, os seus olhares cruzaram-se mas ela não o reconheceu como sendo alguma pessoa conhecida. A Dona Suzana pensou que eles estavam a conversar. Porém, ela notou que o homem, passados dois ou três minutos, se afastou da viatura do meu filho em passo muito apressado. Ela achou aquilo estranho e então decidiu telefonar-me para me dar a conhecer o facto.
Entretanto, ontem mesmo, de manhã, e pouco depois de ter recebido o telefonema da Dona Suzana Vihemba, o meu filho telefonou-me do seu telemóvel dizendo que havia estacionado a sua viatura para ir comprar um maço de cigarros e um jornal numa tabacaria próxima e que, minutos depois quando regressou à viatura, encontrou a sua namorada morta no banco onde estava sentada.
Neste momento ele é o principal suspeito no caso da morte da namorada e está detido na AngoCrime (Agência de Investigação e Notificação de Crimes) para interrogatórios.

Entretanto, a Dona Suzana, que era a única testemunha e que poderia identificar o homem que ela viu junto ao carro do meu filho, desapareceu mesmo ontem, não se sabendo do seu paradeiro. Diz o marido que ela ontem saiu para ir visitar uma prima e que já não regressou a casa pelo que se presume que tenha sido raptada. O que eu queria então solicitar ao Sr. Detective AlfaZero era que tentasse localizar a Dona Suzana Vihemba que é a única testemunha que poderá ilibar o meu filho do crime de que é suspeito, ou que identificasse o próprio assassino da Vanda, a namorada do meu filho. Só assim o meu filho poderia, efectivamente, ser posto em liberdade.
-- Vou ver o que posso fazer – disse AlfaZero. E acrescentou: -- fale-me um pouco da Vanda, a jovem assassinada e namorada do seu filho. Era estudante? Trabalhadora? Que idade tinha? Onde morava? Quem são os pais?
-- A Vanda (o nome dela de família é Carmelo) – disse Augusto Narciso – tinha 23 anos e trabalhava na “SóConservas”, um grande armazém de importação de alimentos enlatados em conserva como sardinha, atum, carnes, etc. O referido armazém situa-se na zona industrial de Viana. Ela era a Contabilista da empresa e trabalhava ali há já dois anos. Quanto aos pais não sei quem são, o meu filho nunca me falou deles e também não sei onde moram. Esses dados o Sr. Detective poderá, provavelmente, obtê-los no armazém onde ela trabalhava.
-- E o seu filho? – Perguntou AlfaZero.
-- O meu filho trabalha numa empresa petrolífera estrangeira, como Chefe de Relações Públicas. Tem 26 anos e tinha planos de se casar com a Vanda dentro de seis meses. Coitado, deve ter sido um choque terrível para ele – concluiu, com voz dolorosa, Augusto Narciso.
-- Imagino -- disse AlfaZero com comiseração, acrescentando:
-- Sabe se ele tinha outras namoradas, ou alguma apaixonada secreta que, por ciúmes, pudesse ter assassinado a Vanda?
-- Senhor AlfaZero, isso é que é sempre difícil saber-se. Mas que seja do meu conhecimento, não – respondeu Augusto Narciso.
-- Pronto, Sr. Augusto, eu vou iniciar as investigações, aliás acho até que já as iniciei, ao fazer-lhe as perguntas que lhe fiz. Logo que haja novidades, saberá – disse AlfaZero.
-- O Sr. Detective não quererá levar algum dinheiro adiantado, pode ser que venha a ser preciso… -- sugeriu Augusto Narciso.
-- Não, quando precisar eu passarei por aqui. Pronto, então até à próxima.

Enquanto rolava a sua viatura na Rua da Samba em direcção à Mutamba, AlfaZero coordenava as ideias. Teria de ir ao armazém “SóConservas” onde trabalhou a Vanda Carmelo, a jovem assassinada. Porém, como era domingo, só lá iria no dia seguinte. Entretanto, passaria pela AngoCrime (Agência de Investigação e Notificação de Crimes) para se informar dos resultados da autópsia ao cadáver de Vanda Carmelo. Assim, ao chegar à Mutamba, AlfaZero virou para os Coqueiros (pois é ali que se situa a Sede da AngoCrime) e depois de alguns minutos parava a sua viatura defronte de um bonito edifício de quatro andares, cor de tijolo, onde se lia o seguinte numa tabuleta colocada na parte frontal do edifício:

AngoCrime
(Agência de Investigação e Notificação de Crimes)

AlfaZero entrou, tendo sido recebido pelo Inspector Juvenal e por outros dois Sub-Inspectores.
-- Já sabe do assassinato que houve ontem na Ilha, detective AlfaZero? – perguntou o Inspector Juvenal substituindo, assim, pela pergunta o tradicional, “como está?”.
-- Sim, fui informado do assunto pelo pai do namorado da moça, esta manhã, tendo-me solicitado que investigue o caso.
-- O rapaz está aí para interrogatórios e vai ficar aí até que se prove que não foi ele próprio que matou a namorada. Diz ele que a namorada foi morta quando ele saiu da viatura para ir comprar um jornal e cigarros. O problema agora vai ser ele provar que não foi ele próprio que a asfixiou. Ah, e sabe? – prosseguiu o Inspector Juvenal – ontem mesmo, por volta das 20 horas, foi-nos notificado um caso de desaparecimento. Uma senhora de nome Suzana Vihemba saiu de casa de manhã para ir à Ilha visitar uma prima e até às 20 horas não havia regressado a casa. A mesma saiu da casa da tal prima por volta das 10h30m pelo que, por volta das 11h30m já devia estar em casa. Eram 20 horas e ainda não tinha regressado.
-- Sim, tenho conhecimento disso – disse AlfaZero – soube-o igualmente por intermédio do pai do namorado da Vanda.

E AlfaZero contou ao Inspector Juvenal o que Augusto Narciso lhe havia dito relativamente ao telefonema que havia recebido de Suzana Vihemba.
-- Ah -- exclamou o Inspector Juvenal ao ouvir a explicação de AlfaZero – então as coisas começam a deslindar-se.
-- Ou a enredar-se – disse, pensativamente, AlfaZero.

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Entretanto, um outro desenvolvimento veio ao de cima. Com efeito, no momento em que AlfaZero conversava com o Inspector Juvenal, um dos Sub-Inspectores levantou o auscultador do telefone que tocava em cima de uma das secretárias e, depois de atender a chamada, virou-se para o Inspector Juvenal e disse:
-- Inspector, era uma informação anónima. Foi visto numa cabana abandonada localizada no lado direito da estrada Luanda-Uíge, depois do Km25, o corpo de uma mulher que se presume ter sido assassinada. A mesma encontra-se amarrada de pés e mãos.
-- Vamos imediatamente para lá – disse o Inspector Juvenal. Pode ser que seja a Dona Suzana Vihemba.
-- Sim, não podemos perder tempo. Temos de ir e já – reforçou o detective AlfaZero.
-- Mas antes – tornou o Inspector Juvenal – vamos passar pela casa dela, na Samba, para levarmos o marido connosco a fim de identificar o corpo, caso seja ela.
-- Ah, boa ideia – apoiou o detective AlfaZero.

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Partiram. Estavam agora no Km25, na estrada que liga Luanda ao Uíge. No carro que seguia à frente, iam o Inspector Juvenal, dois investigadores e quatro agentes. No carro do detective AlfaZero, que seguia atrás, ia o próprio detective AlfaZero, o marido de Suzana Vihemba, Feliciano Vihemba, e um outro investigador da AngoCrime.

Depois do Km25, andaram mais cerca de 300 metros tendo-se deparado, aí, com um pequeno desvio, quase imperceptível, para a direita.
-- Deve ser aqui – conjecturou o Inspector Juvenal, direccionando a viatura para o referido desvio. Continuaram por mais 300 metros e… lá estava a cabana abandonada, feita de pau-a-pique e tecto de capim mas já sem metade do tecto. Não tinha porta, apenas a abertura onde devia estar a porta.
-- Façam um reconhecimento ao local – ordenou o Inspector Juvenal aos quatro agentes -- e posicionem-se, cada um em cada um dos cantos da cabana. E, virando-se para o detective AlfaZero e para Luciano Vihemba, disse:
-- Vamos entrar.
Entraram. E mal entraram, Luciano Vihemba correu para o cadáver da mulher, baixou-se e abraçando-o e beijando-o, dizia, soluçando:
- Ah, Suzana, quem te fez isto? Quem te levou de mim para sempre? Oh, que grande infelicidade! Que amargura!
O Inspector Juvenal chegou-se junto dele, levantou-o, deu-lhe um abraço, e disse:
--Seja forte, Sr. Luciano! Não se deixe esmorecer. Vá sentar-se um pouco lá fora, enquanto nós procedemos aos exames de investigação.

O Inspector Juvenal, os investigadores e o detective AlfaZero observaram o cadáver de Suzana Vihemba mais pormenorizadamente. A vítima tinha as pernas e os braços amarrados e o corpo estava por cima de uma pequena manta acinzentada já bastante velha. Estava vestida e não apresentava sinais de espancamento pelo que provavelmente teria sido morta por asfixia.
-- Tapem o corpo com a manta e levem-na para a viatura – pediu o Inspector Juvenal aos investigadores.
Estes aproximaram-se e puxaram a manta para tapar o corpo da falecida. Assim que a manta foi puxada, porém, o detective AlfaZero notou que, no chão, e por debaixo da manta, haviam sido escritas as seguintes quatro iniciais maiúsculas: “TLBD”.
-- Inspector Juvenal – disse AlfaZero apontando para as iniciais – o que significará isto?
-- “TLBD”, disse, baixinho, o Inspector Juvenal. E acrescentou: -- não faço a menor ideia.
-- Penso – disse o detective AlfaZero – que é uma mensagem em código deixada pela falecida. Ela terá escrito estas letras com o nariz já que as mãos e as pernas estavam atadas. E provavelmente escreveu-as maiúsculas e não minúsculas apenas porque lhe deu mais jeito escrevê-las maiúsculas com o nariz. O grande desafio agora será saber o que significa este código.
-- “TLBD” – repetiu o Inspector Juvenal com o olhar num ponto distante como se quisesse descobrir, ali, o significado daquelas misteriosas letras.

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O resultado da autópsia de Suzana Vihemba foi idêntico ao de Vanda Carmelo: morte por asfixia.

Para a sua investigação, AlfaZero decidiu considerar, e até provas em contrário, que Vanda Carmelo e Suzana Vihemba haviam sido mortas pela mesma pessoa. Presume-se quais os motivos que levaram ao assassinato de Suzana Vihemba. Suzana Vihemba teria sido morta porque viu a pessoa (a pessoa que assassinou Vanda Carmelo) junto à viatura onde Vanda Carmelo se encontrava poucos minutos antes da sua morte e, por conseguinte, era uma testemunha potencial que era necessário eliminar e o mais rapidamente possível. Mas… e Vanda Carmelo? Quais os motivos por detrás da sua morte? Seria essa a batalha seguinte de AlfaZero. Descobrir os motivos da morte de Vanda Carmelo e quem a matou e descobrir, igualmente, quem matou Suzana Vihemba.

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-- Que domingo! – disse AlfaZero já no seu apartamento-escritório na Marginal. Já passavam das 20 horas e estava cheio de fome. Comeu qualquer coisa, ouviu as notícias na televisão e, em seguida, foi-se deitar com o propósito de, no dia seguinte, ir até ao armazém “SóConservas” falar com os colegas de Vanda Carmelo. Antes de adormecer, porém, repetiu várias vezes o “código da testemunha”, como ele passou a designar aquelas quatro letras encontradas por baixo da manta onde jazia o corpo de Suzana Vihemba.
-- “TLBD” – murmurava AlfaZero enquanto reflectia:
“Serão as iniciais do nome do assassino? Provavelmente não, pois se se tratasse do nome do assassino, o mais provável é que ela apenas escrevesse duas letras, a do primeiro nome e a do nome familiar.

Seriam as iniciais do nome da empresa onde trabalhava o assassino? Provavelmente também não pois, caso Suzana Vihemba tenha sido assassinada pelo homem que ela viu junto à viatura onde foi assassinada Vanda Carmelo, o que é o mais provável, então ela não conhecia o seu assassino e, por conseguinte, não sabia onde ele trabalhava.

Seriam as iniciais do nome de um bando de criminosos a que o assassino pertencerá? Provavelmente também não pelas mesmas razões apresentadas para o nome da empresa.

Seriam as iniciais de alguma característica fisiológica do assassino? Sim, muito provavelmente. E muito provavelmente também poderiam ser as iniciais de algum sinal ou marca que ela tenha visto no corpo do assassino, antes de ser morta.

Depois desta reflexão, AlfaZero decidiu que, dali em diante, sempre que estivesse em presença de alguém, no âmbito das suas investigações relacionadas com Vanda Carmelo e Suzana Vihemba, teria a preocupação de detectar quaisquer sinais físicos, nas pessoas com quem estivesse em contacto, a fim de determinar se esses sinais, caso existissem, teriam qualquer relação com as letras “TLBD”.

E, assim, AlfaZero adormeceu com as letras “TLBD” a bailarem-lhe nos lábios, como se julgasse que, pronunciando-as até adormecer, iria ver o significado das mesmas num sonho que tivesse.

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AlfaZero acordou cedo, tomou um duche, matabichou, entrou na sua viatura e partiu para a zona industrial de Viana onde se localizava a “SóConservas”, armazém de importação de produtos enlatados onde Vanda Carmelo trabalhava. A “SóConservas” era composta por dois edifícios separados, um dos quais, mais pequeno, funcionava como edifício administrativo e outro, muito maior, que funcionava como armazém geral.

AlfaZero estacionou, entrou e pediu à secretária para falar com o Director-Geral sobre um assunto urgente. A secretária levou-o ao Gabinete do Director-Geral tendo este dito ao apertar a mão a AlfaZero:
-- Bem-vindo à “SóConservas”. Queira sentar-se.
-- Obrigado – agradeceu AlfaZero, ao mesmo tempo que se sentava.
-- Então o que é que o traz por cá? – perguntou o Director-Geral.
-- Olhe, eu sou detective e estou a investigar a morte de uma das vossas trabalhadoras, a Vanda Carmelo, a que foi assassinada sábado, na Ilha.
-- Ah, muito prazer, estamos prontos para todo o apoio que for necessário – disse o Director, e acrescentou: – a morte dessa nossa trabalhadora foi muito sentida por todos nós. Nós demos já algum apoio à mãe para o funeral e outras despesas. Foi uma morte muito triste. Mas, dizia então o Senhor, que é detective e que está a investigar a morte da rapariga?
-- Sim, Director – disse AlfaZero, ao mesmo tempo que lhe mostrava o seu cartão de detective. E o que eu queria agora era reunir-me com todos os trabalhadores da empresa. É possível?
-- Pois, com certeza. Eu vou já mandar chamar toda a gente para a sala de reuniões – prontificou-se o Director, ao mesmo tempo que levantava o auscultador do telefone e fazia uma chamada:
- Ó Alberto, avisa toda a gente para parar o que têm em mãos e irem para a sala de reuniões. É urgente.
E desligou o telefone.

Entretanto, AlfaZero ia observando se o Director-Geral apresentava algum sinal físico digno de nota. Não detectou nem viu nada.
-- Diga-me, Director, a Vanda era uma trabalhadora do agrado da Direcção?
-- Oh, sem dúvida. Ela era a nossa Contabilista. Muito pontual, certinha, sempre pronta a trabalhar mais umas horas depois do horário normal caso fosse necessário. Olhe, ainda sexta-feira, no dia anterior ao da sua morte, ela ficou aqui a trabalhar até mais tarde, segundo o que me disse uma das colegas que eu, sexta-feira, tive uma reunião no Ministério do Comércio e depois disso já não voltei para cá. Não há dúvida que ela era uma trabalhadora que eu até classificaria de exemplar. Mas vamos para a sala de reuniões detective… detective?
-- AlfaZero.
-- Ah, detective AlfaZero. Vamos, que já lá devem estar todos à nossa espera.

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Quando o Director-Geral e o detective AlfaZero entraram na sala de reuniões já lá estava todo o pessoal à espera. O Director, dirigindo-se a todos, disse em voz alta:
-- Este Senhor é o detective AlfaZero e está a investigar a morte da Vanda, a nossa colega. Peço que lhe dêem todo o apoio necessário para que ele possa descobrir quem foi a pessoa que tirou a vida à nossa querida Vanda.
Depois da apresentação, o Director sentou-se numa das cadeiras.
AlfaZero percorreu com o olhar todos os que se encontravam na sala e disse pausadamente:
-- Algum de vós tem conhecimento de algum pormenor, por mais insignificante que seja, que possa, de alguma forma, estar relacionado com a morte da vossa colega?
Na sala encontravam-se 15 pessoas. AlfaZero estava de pé e andava de um lado para o outro, com um bloco de notas na mão.
-- Tudo aquilo que disserem aqui, será tratado com confidencialidade – acrescentou AlfaZero – e caso alguém prefira falar em particular e não aqui, pois poderá fazê-lo, que o Sr. Director-Geral disponibilizará, com certeza, um cantinho onde possamos conversar em privado – concluiu AlfaZero direccionando o olhar para o Director.

Enquanto esperava que alguém dissesse alguma coisa, AlfaZero ia, entretanto, observando atentamente a cara, o pescoço, o cabelo, a testa, o peito, os braços, etc. de todos, um a um, para ver se encontrava quaisquer particularidades ou sinais dignos de nota.

Ele notou, por exemplo, que uma senhora apresentava uma cicatriz por cima da sobrancelha esquerda, que um homem tinha uma tatuagem num dos braços e que um dos subdirectores tinha uma cicatriz no lábio superior, provavelmente em resultado de uma operação cirúrgica.

Notou ainda AlfaZero que, um outro indivíduo, apesar de ter um aspecto bastante jovem possuía uns olhos bastante avermelhados cuja causa seria, provavelmente, alguma doença ou o consumo exagerado de bebidas alcoólicas.

AlfaZero anotou todas estas particularidades no seu bloco de apontamentos.

-- Bem – disse AlfaZero parando e olhando para todos – parece que ninguém tem nada a dizer.
-- Eu tenho apenas um pequeno pormenor – disse uma jovem – não sei se será importante. É o seguinte: sexta-feira, quando saí às 16 horas, falei com a Vanda (e foi a última vez que falei com ela) e ela disse-me que, como tinha o inventário atrasado, ficaria aqui na empresa a trabalhar até, provavelmente, às 20 horas pois queria actualizá-lo.
-- Obrigado – disse AlfaZero quando a jovem acabou de falar e perguntou:
-- Alguém mais ficou a trabalhar até mais tarde na sexta-feira?
-- Penso que não – disse um dos sub-directores – acho que todos saíram até às 16h30m porque quando eu saí às 16h30m, já não vi aqui ninguém com excepção da Vanda.
-- Já agora e apenas por curiosidade. A Vanda tinha alguma amiga muito chegada aqui na empresa? Aquilo a que nós chamamos amiga íntima? – perguntou AlfaZero e logo viu que todos os olhares se dirigiram para a jovem que havia falado há pouco.
--Ah – dise AlfaZero vejo que é a…
-- Marta – disse uma outra jovem sorrindo e olhando para ela.
-- Bem, então vamos dar por terminada esta pequena reunião. E, virando-se, entretanto, para a Marta, disse:
-- Se a Marta não se importa gostaria de falar consigo em privado.

Depois de todos terem saído, AlfaZero sentou-se junto à Marta e perguntou-lhe se ela não sabia de nada sobre se a Vanda andava metida em negócios ilícitos, se tinha inimigos, se recebeu alguma ameaça de morte, se andava preocupada…
Todas as respostas de Marta foram negativas. Não, a Marta não tinha conhecimento de nada.
-- Creia, detective AlfaZero, disse ela, que se eu soubesse de alguma coisa não hesitaria em dizer. Afinal ela era uma das minhas melhores amigas e a melhor forma de homenagear essa nossa amizade seria ajudar a encontrar quem a assassinou.
-- Compreendo – disse AlfaZero. -- Já agora diga-me, Marta, onde é que moram os pais da Vanda e onde morava ela?
-- O pai já é falecido. A mãe mora no S. Paulo, Rua das Goiabeiras, nº 21B21. Ela morava com a mãe.
-- Obrigado, Marta, pela sua amabilidade – disse AlfaZero levantando-se e despedindo-se dela.

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Depois de se despedir do Director-Geral, AlfaZero deixou a “SóConservas” e dirigiu-se para o S. Paulo a fim de falar com a mãe de Vanda.

Completamente vestida de negro e com os olhos vermelhos de tanto chorar, a mãe de Vanda recebeu o detective AlfaZero, conduziu-o à sala de estar, e foi com indiferença que ela lhe ouviu dizer que era detective e estava a investigar a morte da filha. Que lhe importava que encontrassem o assassino se a sua filha, a sua querida filha, já a tinha deixado para sempre? Nada, absolutamente nada, poderia apagar aquela imensa dor. Andasse o assassino solto ou a apodrecer numa prisão, para ela não fazia diferença nenhuma pois, de uma forma ou de outra, a sua Vanda jamais voltaria. Amava tanto a sua Vanda. Era a única menina. Tinha apenas mais um rapaz, que não o via desde 1975 pois havia partido, nessa altura, para o Brasil e de lá, não se sabe para onde. Só ficara, aqui, com a Vanda. Agora, a Vanda também havia ido. Para longe. Para sempre.
-- Não, Senhor, a minha filha não andava com muita gente, só com as amigas íntimas e com o namorado. A vida dela era casa, trabalho e trabalho, casa. Só aos fins-de-semana é que costuma sair com o namorado. – Respondeu, assim, a mãe de Vanda a uma pergunta de AlfaZero. E, soluçando em voz alta, acrescentou a chorar:
-- Ai, meu Deus, por que fizeram este mal tão grande à minha filha… ai minha Vanda, volta para a tua mãe, volta Vanda.
AlfaZero segurou-a nos ombros para acalmá-la.
-- Não chore, mãezinha – disse AlfaZero – a sua Vanda, a esta hora, está a pensar em si. Não chore mais. Vá para junto das suas amigas.
E AlfaZero despediu-se dela e dirigiu-se para o seu apartamento-escritório, na Avenida Marginal da bela e aprazível cidade de Luanda.

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A manhã estava, agora, a terminar. AlfaZero entrou no seu apartamento-escritório e sentou-se para reflectir. Onde estaria o assassino de Vanda? Quem seria ele? Onde procurá-lo? Seria a pessoa que matou Vanda, a mesma que matou Suzana Vihemba? Qual seria o significado do código “TLBD” deixado por Suzana Vihemba? Estaria o namorado de Vanda a dizer a verdade ou teria sido ele próprio a matar a namorada? Para onde deveria ele ir agora para prosseguir a investigação? Com quem iria ele contactar a seguir?

AlfaZero pegou no bloco de notas onde, na “SóConservas”, havia anotado os sinais detectados nos trabalhadores da empresa durante a reunião daquela manhã e procurou ver se esses sinais tinham algum relacionamento com as letras “TLBD”. Para o efeito, ele anotou as iniciais das principais palavras dos respectivos sinais. Assim, para o 1º sinal, ele encontrou as seguintes iniciais:

1º- Uma senhora tem uma cicatriz por cima da sobrancelha esquerda.
“C—cicatriz C—cima S—sobrancelha E—esquerda “CCSE”
Resultado: este sinal não parece ter qualquer relação com o código.

2º- Um homem tem uma tatuagem no braço.
T – tatuagem B – braço “TB”
Resultado: este sinal tem duas letras do código: “T” e “B”.

3º- Um dos subdirectores tem uma cicatriz no lábio superior.
C – cicatriz L – lábio S – superior “CLS”
Resultado: este sinal tem só uma letra do código: “L”.

4º- Um dos trabalhadores possui olhos avermelhados.
O – olhos A – avermelhados “OA”
Resultado: este sinal não parece ter qualquer relação com o código.

Depois de ter organizado a informação desta forma, AlfaZero teve um particular interesse pelo sinal que continha as letras “T” e “B” e que significavam “Tatuagem no Braço”, pois estas duas letras constavam no código deixado por Suzana Vihemba. AlfaZero esquecera-se de anotar se a tatuagem estava impressa no braço esquerdo ou no direito. Caso estivesse impressa no braço direito, haveria uma terceira letra do código: “D”, que significaria “direito”. Só faltaria então o “L”.

-- Seria possível?! – Interrogou-se AlfaZero. – Seria possível que aquele homem, trabalhador da “SóConservas”, com uma tatuagem no braço, fosse o assassino da sua colega Vanda Carmelo e de Suzana Vihemba?

AlfaZero estava impaciente. Não podia esperar. Tinha de saber, e quanto antes, se a tatuagem estava impressa no braço direito ou no braço esquerdo do homem.

Eram agora 13h30m. AlfaZero fechou a porta do seu apartamento-escritório, desceu as escadas a correr, entrou na sua viatura e “voou” para a “SóConservas”, na zona industrial de Viana. Estacionou a sua viatura do lado de fora do portão e, sem descer, tapou a cara com um jornal, fingindo que estava a ler. Era a hora da entrada, depois do pequeno intervalo para o almoço. AlfaZero esperava pelo “homem da tatuagem”. Logo que visse a sua viatura a aproximar-se do portão, ele desceria da sua viatura e, sob um pretexto qualquer, iria abordar o homem aproveitando, assim, para ver se a tatuagem se encontrava no seu braço esquerdo ou direito.

Algumas viaturas haviam já entrado. Passados alguns minutos, AlfaZero viu a viatura que esperava a aproximar-se do portão. Desceu rapidamente da sua viatura, foi direito ao homem, cumprimentou-o e perguntou-lhe, enquanto observava cuidadosamente a tatuagem.
-- Boa-tarde, como está?
-- Ah, o Senhor! Como está? – respondeu ele.
-- Estava aqui a pensar se entro ou não entro – disse AlfaZero com ar de dúvida – ou se será preferível vir amanhã… precisava de falar com o Director-Geral mas tenho outro assunto importante a tratar, não queria perder tempo a esperar, não sei se ele já estará aí…
-- Se tem outro assunto importante a tratar – disse o homem – será melhor voltar cá amanhã. O Director-Geral costuma chegar um pouco mais tarde. No período da manhã é que fica cá toda a manhã e costuma chegar muito cedo.
-- Ah, então volto cá amanhã – disse AlfaZero agradecendo ao homem e regressando para a sua viatura.

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AlfaZero pôs a sua viatura a trabalhar e rolou para Luanda mais excitado do que nunca. A tatuagem do homem estava no braço direito. Três letras do código estavam, assim, reunidas naquele sinal:
“T BD” (Tatuagem Braço Direito).
Faltava-lhe, agora, só a letra “L”. O que significaria a letra “L”? AlfaZero pensou e repensou e não conseguiu descobrir. Nenhuma palavra que começasse por “L” parecia enquadrar-se no código.

Quando chegou ao seu apartamento-escritório, na Avenida Marginal, eram já 17h30m. Deixou-se cair num cadeirão. A letra “L” e palavras com a inicial “L” era agora tudo o que preenchia a sua mente. Nessa noite, nem abriu a televisão. Pronunciava, em voz alta, todas as palavras que lhe vinham à cabeça cuja primeira letra fosse “L”. “Liberdade”, “Lua” “Ligação” “Luta” “Linha”… e outras dezenas, centenas… nenhuma, porém, lhe parecia corresponder à palavra em falta.

AlfaZero foi-se deitar por volta das 21 horas mas não conseguia dormir. Pensava e repensava no “código da testemunha”: “TLBD”. Ele tinha já três letras desse código: “T BD”. Mas – considerou ele – e se o “código da testemunha” não se referisse ao homem da “SóConservas” com uma tatuagem no braço? Se se referisse a qualquer outra pessoa? E se se referisse a qualquer outra pessoa, quem seria essa outra pessoa? Com estas perguntas a massacrarem-lhe a mente, AlfaZero rolava e rebolava na cama. Eram já quase 2 horas da manhã e ainda não tinha pregado olho. Pensou novamente na tatuagem do homem da “SóConservas”. É uma tatuagem estranha. É formada por vários quadrados, uns dentro dos outros, cujos lados não se encontram totalmente fechados, existindo, assim, em cada um dos quadrados, entradas e saídas, lembrando veredas de um verdadeiro labirinto. Ao chegar a este ponto do seu pensamento, AlfaZero saltou da cama como se tivesse sido picado por alguma coisa, acendeu a luz e quase que gritou, completamente eufórico:
-- Labirinto! Labirinto! – repetia ele completamente eufórico. – Labirinto! Labirinto! Labirinto! – repetia ele, quase já sem saber o que fazia. A tatuagem do homem da “SóConservas” é um labirinto. O “código da testemunha” está decifrado – dizia ele em delírio. E repetia: -- Labirinto! “TLBD” (Tatuagem Labirinto Braço Direito).

Eram 3 horas da manhã. AlfaZero já não conseguia continuar na cama tal era o seu estado de excitação, o seu entusiasmo. Foi tomar um duche, vestiu-se, tomou um café quente e esperou, calmamente, pelo raiar do Sol. Por volta das 6 da manhã, assim que o Sol surgiu no horizonte, foi à varanda para o apreciar. Nunca, na sua vida, AlfaZero havia presenciado um nascer do sol tão belo, tão romântico, tão insinuante, tão prometedor…

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O detective AlfaZero estava agora sentado na sua secretária a coordenar as ideias. Tinha agora um suspeito. O suspeito era um trabalhador da “SóConservas”, que tinha uma tatuagem no braço direito em forma de labirinto. Esse sinal no corpo desse homem correspondia perfeitamente ao “código da testemunha”, ou seja, ao código deixado por Suzana Vihemba: “TLBD” (Tatuagem Labirinto Braço Direito). Provavelmente, foi essa tatuagem labirinto que ela viu no braço do seu assassino algumas horas antes de morrer. E então, com o nariz, (pois estava amarrada de mãos e pés) deixou a mensagem: “TLBD” (Tatuagem Labirinto Braço Direito). Mas… como prová-lo? Como provar que aquele homem da “SóConservas”, com a tatuagem de um labirinto no braço direito era, de facto, o assassino de Suzana Vihemba e, provavelmente também, de Vanda Carmelo? Essa seria a sua batalha seguinte.

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AlfaZero traçou, então, um plano. Começaria por fazer uma vigia cerrada ao homem da tatuagem. Nos próximos dias, o seu trabalho, de manhã à noite, seria vigiar aquele homem da tatuagem em forma de labirinto, trabalhador da “SóConservas” a fim de verificar se algum indício poderia sugerir que era ele, efectivamente, o assassino procurado. Com esse propósito em mente, disfarçou-se o máximo que pôde e alugou uma viatura, para não ser reconhecido com a sua, que já era bastante conhecida.

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Quinze minutos antes das 16 horas, (que é a hora da saída dos trabalhadores da “SóConservas”), o detective AlfaZero, completamente disfarçado e numa viatura alugada, estacionou a alguns metros do portão da empresa e aguardou que o homem da tatuagem saísse, para seguir os seus passos. Por volta das 16h05m, AlfaZero viu a viatura do homem a atravessar o portão de saída. Imediatamente pôs o seu carro em marcha e seguiu-o. A meio caminho entre Viana e Luanda, o homem fez um desvio para a direita e avançou por esse desvio cerca de 800 metros. Então, junto a uma casa em construção, com aspecto de armazém, estacionou. AlfaZero estacionou também, a cerca de 300 metros, por trás de um embondeiro. Pegou no seu binóculo e observou o que ali se passava. O homem falou com três homens que ali se encontravam e que deviam ser guardas do “armazém” e, seguidamente, entrou. Passados alguns minutos, seis homens apareceram no local e depois de terem esperado um pouco, entraram no armazém. Passados mais alguns minutos, os seis homens começaram a sair do “armazém” carregando sacos cheios de qualquer coisa. Depois disso, o “homem da tatuagem” saiu do armazém, fechou a porta, despediu-se dos “guardas”, meteu-se na sua viatura e partiu.

Pela mente de AlfaZero os pensamentos sucediam-se vertiginosamente. E, então, tomou uma decisão rápida. Em vez de continuar a seguir o “homem da tatuagem”, iria simular um atropelamento a um dos homens que haviam saído do armazém com sacos cheios, para ver que tipo de carga é que eles transportavam. Assim, AlfaZero direccionou a sua viatura para uma pequena estrada por onde seguia, a pé e sozinho, um desses homens e, sem que o homem tivesse tempo de se desviar, AlfaZero acelerou junto dele, encostando a parte direita da viatura à sua perna direita, fazendo com que o homem saltasse incontrolavelmente para o lado, deixando, ao saltar, cair o saco que carregava. AlfaZero imediatamente parou, correu para o saco, tirou um dos pequenos pacotes que se encontrava dentro e, sem que o homem notasse jogou-o para dentro da sua viatura. Depois, correu para o homem e, ao mesmo tempo que o ajudava a levantar-se, pediu-lhe desculpas:
-- O Senhor desculpe-me. Vinha um pouco distraído. Não se magoou, não?
-- Não, felizmente, não – respondeu o homem. E, olhando para os lados, perguntou:
--Onde está o meu saco?
--Ah, o seu saco está aqui – disse AlfaZero apontando para o saco – não se rompeu.
Oh, ainda bem. É um pouco de mandioca e de batata-doce lá p´ra casa. Pronto, meu Senhor, eu vou andando. Mas olhe, é bom que conduza com mais cuidado, senão ainda pode matar alguém.

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AlfaZero rodou a sua viatura em direcção a Luanda. Estava ansioso por ver o que continha o pequeno pacote que havia retirado do saco do homem que havia simulado atropelar.
-- Será droga?! – interrogou-se AlfaZero. Deve ser droga – disse ele convencido.
Logo que chegou ao seu apartamento-escritório, na Marginal, a primeira coisa que fez foi examinar o referido pacote. Era um pacote feito de papel castanho, bastante forte, e fechado com agrafos grandes. Devia pesar meio quilo. AlfaZero abriu-o. Observou o conteúdo e… as suas suspeitas confirmaram-se. Cocaína. Cocaína pura. AlfaZero pensou em informar imediatamente a Polícia para que se deslocasse ao “armazém” do “homem da tatuagem” a fim de apreender toda aquela carga de cocaína. Mas não! Não faria isso ainda pois tal iria prejudicar as suas investigações. AlfaZero queria saber agora de onde é que o homem recebia a cocaína e se a mesma teve alguma relação com o assassinato de Vanda Carmelo.

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No dia seguinte à mesma hora, ou seja, 15 minutos antes das 16 horas, o detective AlfaZero voltou à “SóConservas” para esperar pelo “homem da tatuagem” e segui-lo novamente quando ele saísse. Estava, pois, AlfaZero dentro da sua viatura, um pouco afastado do portão da “SóConservas”, com um jornal a tapar-lhe a cara (apesar de estar disfarçado) à espera do homem. Algumas viaturas de outros trabalhadores haviam já começado a sair, enquanto outros iam saindo a pé, dando a impressão que, por volta das 16h30m já todos haviam saído. Porém, o “homem da tatuagem” continuava sem sair. Não teria ido trabalhar? – interrogava-se AlfaZero.

Entretanto, por volta das 17h15m, AlfaZero viu uma carrinha de cor preta entrar pelo portão. Quem será? -- indagou-se ele.

Eram agora 18 horas e o homem continuava sem aparecer. AlfaZero decidiu entrar e ir ver o que se passava. A entrada da carrinha estava a intrigá-lo. AlfaZero entrou de forma a não ser visto. Encostado às paredes ele foi seguindo, devagarinho. A carrinha de cor preta estava estacionada em frente ao armazém. AlfaZero, sempre cauteloso, avançou para o armazém e colou-se à parede do mesmo. Avançou um pouco até junto a uma janela que apenas tinha gradeamento de ferro e que, por isso, deixava passar nitidamente os sons que vinham de dentro. AlfaZero ouvia perfeitamente o que se dizia lá dentro.

-- Todas as caixas que têm uma pintinha vermelha do lado esquerdo são as que trazem o “nosso material” – dizia um dos homens.
-- Ah, estou a ver, são estas aqui, todas elas – respondeu o outro.
-- Sim, carregue-as essas todas. E veja lá, tenha cuidado ao descarregá-las lá no armazém. Descarregue quando estiver escuro. Mas por que é que lhe mandaram a si hoje aqui? Costuma cá vir sempre o Tomás.
-- O Tomás está doente e o Sr. Diogo mandou-me cá vir a mim.
-- Ah, está bem. Tenha cuidado então e não dê boleia a ninguém.

Alfazero avançou mais um pouco até à porta, espreitou pela ranhura e viu os dois homens que se encontravam dentro. Um deles era o “homem da tatuagem”. O outro, o motorista da carrinha de cor preta. Agora, AlfaZero sabia de onde provinha a cocaína. A cocaína provinha do país exportador da conserva, em caixas, disfarçadas de conservas enlatadas. Uma pequena pintinha vermelha em cada caixa que continha a droga era o sinal, o código secreto para a sua identificação. E, dali, a droga era transportada e descarregada no “armazém” do “homem da tatuagem”. O “homem da tatuagem” era, naturalmente, o chefe do armazém da “SóConservas” e, provavelmente nem qualquer outro trabalhador, nem mesmo a Direcção, tinham conhecimento daquele negócio ilícito, pois deveria ter sido uma combinação feita entre o “homem da tatuagem” e o responsável, no país de exportação, pelo carregamento das caixas no contentor do navio.

Repentinamente, AlfaZero sentiu que alguém se aproximava da porta. Saltou para trás e correu. O barulho dos seus passos chamou a atenção dos homens que se encontravam dentro e, ao virar a esquina do armazém, ainda ouviu uma voz gritar:
-- Quem é você?
E ouviu igualmente uns passos correrem à sua trás e a mesma pergunta:
-- Quem é você?
Mas já AlfaZero havia desaparecido.

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Ao rodar para Luanda, depois de ter saído da “SóConservas” (que, como já havíamos dito, se situa na zona industrial de Viana), AlfaZero principiou a relacionar a cocaína que chegava à “SóConservas” ao assassinato de Vanda Carmelo. O mesmo que lhe havia acontecido a ele, que o havia feito correr, para não ser visto, aconteceu, provavelmente, à Vanda Carmelo. Só com uma diferença. Ele, ao fugir, não havia sido identificado. A Vanda, porém, havia sido identificada e, em consequência disso, havia sido morta porque havia descoberto o segredo da cocaína.

A Vanda, sexta-feira, saíra mais tarde do trabalho porque precisava de actualizar o inventário, segundo o que disse a Marta, a sua amiga íntima. Ora, provavelmente ela precisou de ir ao armazém consultar alguns documentos, para o efeito. Porém, viu uma carrinha parada em frente, aproximou-se e, antes de entrar, ouviu uma conversa comprometedora para o chefe do armazém, entre este e o motorista da carrinha. Resolveu, então, voltar para o seu gabinete sem entrar. Porém, quando regressava, foi vista pelo “homem da tatuagem” que, sem mais rodeios, pensou em ir ao seu gabinete e matá-la imediatamente, pois ela havia descoberto o segredo. Mas não. Se a matasse no escritório, daria muito nas vistas. Teria de a matar longe do escritório para despistar. E, assim, sábado de manhã ele concretizou o seu plano macabro, matando-a na Ilha.

AlfaZero gostou deste raciocínio. Parecia lógico e perfeito. Mas… como prová-lo? Como provar que tudo se havia passado, efectivamente, assim? Como provar que o “homem da tatuagem” era a pessoa que assassinou Vanda Carmelo?

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No dia seguinte, por volta das 16 horas, AlfaZero foi à “SóConservas” e pediu para falar com o chefe do armazém. Desta vez já não foi disfarçado. Ao entrar no armazém, foi recebido pelo “homem da tatuagem”.
-- Ah, o Senhor detective – disse ele – veio fazer uma outra reunião ou tratar de um outro assunto?
-- Vim falar consigo pessoalmente, senhor…
-- Franco Machado, chefe do armazém.
-- Ah, Senhor Franco Machado. Eu chamo-me AlfaZero como já teve oportunidade de saber no dia em que me reuni com vocês aqui na empresa.
-- Sim, sim. E queria falar comigo sobre…?
-- Sobre drogas, sobre a sua tatuagem e sobre mortes – respondeu, friamente, AlfaZero.
Franco Machado abriu muito os olhos, franziu a testa, recuou um pouco e sentou-se na sua secretária. Conseguiu, por fim, dizer:
-- Desculpe, Sr. detective, não percebi bem o que disse ou, o que quer dizer.
-- Percebeu, você percebeu, Sr. Franco. Você não quer é perceber. Olhe, eu sei que você, neste momento, aqui dentro deste armazém, tem pacotes de cocaína dentro de caixas de madeira iguais às que contêm latas de conservas.
Franco Machado ou, como lhe temos vindo a chamar, o “homem da tatuagem”, olhava, atónito, para AlfaZero, sem saber o que dizer.
AlfaZero continuou, impiedoso:
-- E olhe, Sr. Franco, vou-lhe dizer mais. Só havia uma pessoa que sabia que você recebia cocaína neste armazém. Essa pessoa era a sua colega Vanda Carmelo. Ela descobriu o seu segredo sexta-feira ao anoitecer e você matou-a por causa disso.
Ao ouvir estas palavras, Franco Machado levantou-se bruscamente da cadeira e correu para um canto onde estavam algumas ferramentas e, pegando num machado que aí eslava atirou-se a AlfaZero para o matar, ao mesmo tempo que dizia:
-- Você sabe demais, detective, e já não pode sair daqui vivo.
Franco Machado baixou o machado em direcção à cabeça de AlfaZero. Este, porém, (e aqui valeram-lhe os seus conhecimentos de karaté) conseguiu desviar-se. Entretanto, Franco Machado tentou um novo golpe, desta vez preparando-se para cortar o pescoço de AlfaZero. Mais uma vez AlfaZero conseguiu aparar o golpe e, dando um salto mortal caiu em cima de umas caixas por trás de Franco Machado. Daqui, e antes que este tivesse tempo de se virar, AlfaZero pontapeou a mão com que Franco Machado segurava o machado, indo este embater contra a parede. AlfaZero agarrou, então, Franco Machado pelas costas, imobilizando-o. Em seguida, pegou numa corda que se encontrava por entre umas caixas e amarrou-o de pés e mãos.
-- E agora quer que lhe revele mais um segredo? – perguntou-lhe, ironicamente, AlfaZero, acrescentando: -- pois ele aí vai: quem me disse que você tem um labirinto tatuado no seu braço direito foi uma senhora que encontrei morta numa cabana abandonada, no Km 25, na estrada do Uíge.
-- Se a encontrou morta, como é que foi ela que lhe disse?! – perguntou, ingenuamente, o “homem da tatuagem”.
-- Há alturas em que os mortos falam, Sr. Franco Machado – disse, sarcasticamente, o detective AlfaZero. E acrescentou: -- Você matou-a, Sr, Franco Machado, porque ela viu-o a assassinar a sua colega Vanda Carmelo. Mas ela continuou a ser uma testemunha mesmo depois de morta. E mesmo depois de morta foi ela que me disse que foi você que a matou, e não só a ela, mas também a Vanda Carmelo.

Franco Machado ouvia, pasmado, o detective AlfaZero sem poder compreender o significado das suas palavras. Tinha sido completamente descoberto e ele sabia que já não poderia fugir às malhas da justiça.
Sr. Franco – disse, ainda, o detective AlfaZero – a vida é um labirinto com entradas e saídas, como a tatuagem que você traz no seu braço direito. Mas há labirintos, como este em que você se meteu, que só têm entradas, não têm saídas.

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AlfaZero pegou no seu telemóvel e ligou para o Inspector Juvenal da “AngoCrime” (Agência de Investigação e Notificação de Crimes), para que enviasse uma viatura da Agência à “SóConservas” para levar dali Franco Machado o (homem da tatuagem. Passado algum tempo, uma viatura da AngoCrime transportava já o “homem da tatuagem”, para os escritórios da Agência de Investigação e Notificação de Crimes (AngoCrime).

AlfaZero, por sua vez, entrou na sua viatura e rodou para Luanda, para o seu apartamento-escritório, localizado na movimentada Avenida Marginal, com a sensação do dever cumprido.

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Para terminar, quero apenas dizer que Franco Machado, o “homem da tatuagem”, confessou ter cometido os crimes de que foi acusado. O seu “armazém” de distribuição ilícita de cocaína foi desmantelado e toda a carga apreendida. A “SóConservas”, por seu lado, recebeu uma ordem de encerramento por ter permitido, embora de forma involuntária, que os seus armazéns funcionassem como local de descarga de droga.

Segundo o depoimento de Franco Machado (o “homem da tatuagem”), o assassínio de Vanda Carmelo ocorreu pelo facto de ela ter descoberto o negócio ilícito de cocaína, um dia antes da sua morte, tal como havia previsto o detective AlfaZero.

E agora, mesmo para terminar, saibam os leitores que o Sr. Augusto Narciso, (pai do namorado de Vanda Carmelo) deu uma festa de arromba em sua casa para festejar a saída do filho da situação de detido e para festejar também a descoberta do assassino da namorada do filho, a Vanda Carmelo. (Como os leitores deverão estar recordados, havíamos dito que o namorado de Vanda Carmelo havia sido encarcerado como principal suspeito pela morte da namorada). Pois o pai do rapaz deu então uma grande festa em casa para festejar a sua saída da detenção, tendo convidado o detective AlfaZero que, por sua vez, convidou a sua amiga Briana para o acompanhar, tendo eles aí passado algumas horas bastante agradáveis.


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Escrito por
Helder Oliveira
(Helder de Jesus Ferreira de Oliveira)
(Do Livro (não publicado)
“Detective AlfaZero em Acção”

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-- Helder Oliveira --
(Helder de Jesus Ferreira de Oliveira)


 
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HelderOliveira
 
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