Uma foto que adentra o dia e o tempo, mostra-o evanescente, como se fugindo do fotógrafo, cuja sombra se oculta à direita, no canto inferior, talvez marcando a página do dia.
O poeta, no vigor dos anos, posando para a manhã? Para a tarde? Não sabemos; que importaria, até se esbarrassem as duas? O sol foi generoso nesse dia e nos demos por satisfeitos.
O homem moço encara a lente, como quem duvida de si mesmo, do sol, daquele momento. Talvez nem pensasse estar ali, afrontando um olhar ciclópico, com as notícias do mundo dobradas em suas mãos finas, sem nenhuma utilidade que proteger-lhe os olhos míopes dos raios insinuantes, em mistura promíscua na retina, reverberando em poesia no nervo óptico, que ele mais tarde lançará no papel, tal garoto a lançar barcos de jornal velho, no Capibaribe da infância esquiva.
Duas sombras separadas pelo rendilhado fino, trazem-no de volta à ideia de rua. As colunas e o portão, fazem parte da rua arquetípica, fixada num momento luminoso da vida incerta e sombria, que aplicava-lhe vez por outra, rasteiras sutis de capoeirista ágil e traiçoeiro, neutralizadas pela ginga do corpo magro e lépido, do moço de trinta anos, já acostumado a ver de perto a Dama de Branco e saudá-la no discreto cumprimento com o chapéu de palhinha e passando ao largo, abafar a tosse, no lenço ébrio de alfazema.
No olhar, a calma budista, a enxergar o bonde que não chega. Impacienta-se, aborda uma senhora de rosto velado que lhe faz companhia na parada. Ela ergue o véu e lança- lhe um riso de velhos conhecidos. Olhos baços e dentes de fumante.
Manuel enlaça-lhe a cintura e descobre-se a dançar um minueto com a Morte. A indesejada das gentes, deslumbrante prostituta, àquela altura uma velha senhora. Entregue aos seus braços, rodopiando com o leque japonês aberto, mantendo a distância comme il faut, mas servindo-lhe a essência de puta na longa piscadela, enviada com a face impassível. Gira com precisão e ritmo, o corpo ágil e delgado para alguém tão idoso. Lembra ao homem de trinta anos que aquilo é uma pausa de devaneio numa vida cheia de perigos maravilhosos. Na volta à realidade, o olhar assustado do fotógrafo: é o mesmo daqueles que espantados, “vêm a dança sem escutar a música”.
andrealbuquerque
Foto de Manoel Bandeira,fonte Google.Data:1926.