Contos : 

UMA JANELA PARA A ETERNIDADE - Parte 3

 
Clara estava bem, e isso foi um grande alívio pra mim. Ela começava a especular que poderia estar grávida, já que uma grande amiga sua desmaiou semanas antes de se descobrir grávida. Eu gostaria que isso tivesse sido verdade.
Mas por alguns meses esquecemos este incidente, e embora eu tivesse recomendado a ela não dirigir, coisa que já era pouco usual na década de trinta, ela continuava. Clara era um espírito livre, do contrário eu não a teria amado tanto. Muito das suas asas me foram dadas, quando precisei delas, e suspeito fortemente que foram elas que me levaram onde eu fui, e que nesta história tentei retratar.
Seja como for, os desmaios voltaram. Um após o outro vinham sem explicação, nos lugares mais diversos, e cada vez ela custava mais a despertar. Começou aí uma estranha ciranda da qual fiz parte, estando no centro vendo o carrossel a rodar. Porque eu precisava muito de respostas, e quanto mais eu procurava menos eu achava. Os médicos ficavam mais perdidos do que eu. E por muitos meses procuramos por respostas, até que a encontrei num hospital em Ancara, na Turquia...
Sincope progressiva medular. Eu nunca esqueceria este nome. Uma das mais raras doenças da história da medicina, e só dezessete delas haviam sido catalogadas até agora. Clara era a décima oitava! Consistia num constante episódio de desmaios, até chegar ao ponto de não mais se despertar, caindo num coma profundo seguido de morte certa. Bem, um dia um amigo meu me disse que não acreditava nas palavras, porque geralmente elas eram imperfeitas para traduzir certos conceitos e emoções. Eu não o havia entendido, até aquele dia... Não há como descrever o que senti e pensei, e mesmo quem passou por coisa semelhante não entenderia se eu tentasse explicar, assim como eu não conseguiria traduzir a dor que um passante tentasse me fazer compreender. Tudo estava terminado. Eu a via na minha frente, podia tocá-la, mas ela se desvanecia aos poucos, como que feita de fumaça, até que um dia, as minhas mãos a atravessariam, e os meus olhos não a veriam mais. E então, você finalmente percebe que você não é nada, e que tudo não passa de uma ilusão, de uma piada maldosa do universo. Este foi eu, depois daquele dia.
Passamos os dias e as noites sendo distraídos pelos nossos colegas. Correndo de um bar ao outro, de um teatro ao outro, tentando ocupar as nossas cabeças e esquecer, até que um desmaio ou outro nos fizessem relembrar o inesquecível e correr para um hospital qualquer onde nada poderia ser feito. Pegava-me na janela fumando um charuto escondido de Clara - porque eu jamais havia fumado até então - vendo a fumaça se perder no ar, ao encontro da lua, até ela entrar no quarto e me receber com um sorriso, fingindo não sentir o cheiro do fumo empesteando o quarto.
Ela se deitou sorrindo, e dormiu quase que imediatamente. Conto todas essas coisas, por que quero que entendam porque tomei os caminhos que nessa história vou contar, porque só quem amou e conheceu alguém como Clara pode fazer o que eu fiz, e tomar as decisões que tomei. A primeira delas: Eu jamais a abandonaria! E isso significava andar à margem do sistema constituído, ir além das crenças enraizadas, e pular no buraco mais fundo do mundo. Mas no final ela poderia dizer: Ele esteve ao meu lado.
E assim, eu fui para a biblioteca mais próxima, e de livro em livro, de estante a estante, procurei uma esperança impressa em folha de papel. De chás milagrosos a feitiços que não me convenciam, embora um ou outro eu tenha tentado, encontrei algo que chamou a minha atenção...


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London
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