Contos : 

Desértico, árido e profundo

 
São oito horas da noite e o sol ainda não despencou do céu. Continua com seu trabalho infinito na órbita da terra, enquanto, de cabeça baixa, aquela criatura vê no canto da folha amarelada e carcomida a inscrição colorida do seu número de série. Ainda não anoiteceu, mas está quase. Ainda não comeu, mas já está quase.
Um berro seguido de um nervoso abrir de portas é o sinal de sair de casa e ir para a escola. Acordar todos os dias. Acordar e nascer de novo. Todos os malditos dias acordando e trocando de roupa; todos os malditos dias acordando e limpando aquela ramela amarela dos olhos, pois houve choro nas noites anteriores. E não sabemos quantas chances mais serão precisas até que ramelas amarelas sejam descontadas nas limpas orelhas de um travesseiro encardido que já não suporta mais o seu trabalho de todas as noites. Cada dia uma ramela diferente.
Ele vai à escola e quando volta já não é mais o mesmo. Percebe pelo reflexo da chave que no seu rosto há uma penumbra negra. Seu movimento é apressado e a sua expressão é severa. Se questiona porque na vida somos igual peças de xadrez.
Ele já não limpa mais as ramelas porque simplesmente desistiu de chorar.


No quiero ser normal.

 
Autor
marceloinverso
 
Texto
Data
Leituras
664
Favoritos
0
Licença
Esta obra está protegida pela licença Creative Commons
0 pontos
0
0
0
Os comentários são de propriedade de seus respectivos autores. Não somos responsáveis pelo seu conteúdo.