Poemas : 

Desabafo ao contrário

 
 


fagulhas frias
de maresia
em teus galhos

não fazem de ti
um projeto de barco

nem um futuro veleiro
dos azuis magoados


continuarás
a ser esse carvalho
encostado a um valado
flertando com um bando de pardais


continuarás
ai
no mesmo lugar
prometendo as aves escriturarias …
que ganharás asas e voarás para perto delas
aos primeiros raios
logo depois da madrugada


continuarás
a despir a pele em cada beijo de mar
escondendo o outono em teu tronco


continuarás bebendo o vento
e acenando o adeus
com os murchos ramos [os mesmos que não sabem abraçar]



...ainda bem
que fui apenas uma Tarambola
na tua cintura
de cortiça...
tão insignificante
que não notaste nada
quando derramei
em teu colo
uma extensa
lágrima



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de amar



 
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Pizza
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Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 04/12/2017 10:25  Atualizado: 04/12/2017 10:25
 Re: Desabafo ao contrário
Um maravilhosos poema que nos encanta, em lindos versos

Enviado por Tópico
Rogério Beça
Publicado: 04/12/2017 23:00  Atualizado: 04/12/2017 23:45
Usuário desde: 06/11/2007
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 Re: Desabafo ao contrário
O que é o contrário dum desabafo? Ou um "Desabafo ao contrário"?
Algo que se esconde, que se aprisiona dentro do mais íntimo?
Começa o título por ser um contrário, uma antítese em prespectiva.

Gosto das três primeiras estrofes por me transmitirem, nesta introdução, que há um tempo primeiro em que o sujeito poético diz a um segundo, num diálogo sem resposta, para este não ter esperanças nem ilusões.

"fagulhas frias
de maresia
em teus galhos

não fazem de ti
um projecto de barco..."

A associação de galhos com barco (elementos flutuantes) e de fagulhas (frias - que bem encontrado!) a maresia, assim como os veleiros futuros, com todos os elementos de negação, é duma força notória!

Continuarás...

E parece que entramos na parte do desenvolvimento do poema, em que temos os motivos para os quais a negação é tão evidente.
O recurso a metáforas é evidente.
Saimos do meio (m)agoado (ou aguado?) para o meio terra, do valado.
Percebemos que os galhos fazem parte dum "carvalho" que seduz um bando de pardais.

Curioso que a primeira referência a aves surge no nome colectivo e repete-se no singular, mais adiante.

A repetição no início de cada estrofe do "...continuarás...", dá a ideia de esta ser uma situação constante, um defeito, ou efeito persistente que leva à estrofe final.

"... ainda bem
que fui apenas uma Tarambola
na tua cintura
de cortiça..."

A Tarambola é uma ave marinha frágil, diferente da imponente gaivota, por exemplo, como os pardais também o são em terra.
Assim o sujeito poético destaca-se dos demais que giram na esfera do carvalho.
Aqui a cortiça sendo pele de árvore diferente deixou-me um pouco perturbado...

A lágrima final como reflexo intenso e imenso de dor é um espelho, onde nos imaginamos a vogar na maresia.

Gostei muito deste poema. A linguagem é magnífica e as estrofes estão cheias de versos bem conseguidos, belos e que me deram um prazer enorme a ler.

Obrigado pela leitura.

Enviado por Tópico
Rogério Beça
Publicado: 27/06/2020 06:51  Atualizado: 27/06/2020 06:51
Usuário desde: 06/11/2007
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 Re: Desabafo ao contrário