Dia zero
A manhã escorre pelos ouvidos. Não há sol, só rumores. Escuto o tempo como quem lê um livro sem capa.
Coordenada perdida
As metáforas morreram ontem. Enterrei-as debaixo de uma vírgula. O silêncio floresce melhor em terreno abandonado.
Fagulha
Escrevo como quem treme. As mãos procuram sobrevivência.
Inventário da ausência
Tenho uma bússola que aponta sempre para dentro. Cada verso que escrevo é uma tentativa de desvio.
Ritual
Antes de escrever, acendo uma dúvida. É o meu incenso. A linguagem responde com fumaça.
Confissão
Feri tantas palavras, tentando tocá-las. Hoje, apenas encosto o ouvido nelas. Talvez um dia me contem o seu segredo.
Noite sem idioma
A escuridão não fala. Apenas observa. Caminho por dentro dela, como quem aprende a silenciar a gramática dos medos.
Relatório de sombras
Há sombras que sabem mais de mim do que a luz. Seguem-me com paciência, corrigem os meus passos. São elas que editam os rascunhos que chamo “eu”.
Epílogo
O mundo ainda existe. Talvez por causa daquele erro ortográfico que deixei escapar.