Na impossibilidade de cerrar os dentes Fecho os olhos com força até doer Como doem os dentes que já não tenho
A dor vai da gengiva à raiz do cabelo De dentro passa para fora Com vários efeitos geométricos De permeio, transtorno auxiliar
Levanto-me, apesar da hora Lá fora ainda se dorme sem dor E o sol ainda deve demorar
Faço o costume, como um dia normal Mas mais devagar ou a dor aperta Mas salto fases porque mal vejo Ou seja, não faço nada o costume
Consigo o mais importante: Higiene, inclui boca Comer, Vestir decentemente, Chamar um táxi, Urgência Hospitalar
Periodontite e enxaqueca Uma hora ou duas numa maca Analgesia, alívio e perdi o tempo O sol acolá Fecho os olhos A dor amainou
Alguém me chama Alta, ponha-se de pé, pode ir embora Táxi passe na farmácia, espere, e casa Cama depois dos medicamentos Antes tirar roupa, agora mais fácil Menos dor, e está tudo escuro em casa O escuro faz bem às dores O sol ainda não veio aqui É cedo e a roupa vai todinha para lavar Hospitais....
Ando nua pela casa, apesar do frio Ligo o AC em todo o lado Calço umas meias grossas, só Acabo o resto da comida que deixei Consigo agora abrir os olhos
Café e cigarro, primeiros do dia Que bem sabem!
Mensagens para o trabalho: Doente, hoje não. Quando, não sei. Disponibilidade média. Volto ao contacto
Cama. Que consolo, credo! Ainda há bocado quase morri aqui. Nestas situações é que não dá jeito nenhum morar sozinha.
É um alívio em sofrimento Parar de trabalhar uns dias só por causa das dores Isto não é bom, no estado em que tenho a boca
Doente fico sensível Gostava de ter alguém aqui comigo Para me beijar a testa Aconchegar as mantas Vir acordar-me e perguntar como estou
Como fazia o Luís Em tempos
Mas agora sou só eu e tenho de chegar A casa está quente e sinto as meias
O corpo nu nos lençóis quentes Uma sensação de conforto indescritível Como se a cama fosse o meu ninho Como se estivesse a abraçar-me A proteger-me, e a libertar-me E adormeço com o embalo do analgésico
Acordo tarde, com fome e desorientada Roupão, espelho (credo!), relógio, cozinha Comida (pouca, faz doer), telemóvel, tv
Café e cigarros (ah!!!), medicamentos Mensagens (credo em duplicado!!!!) De repente, toda a gente me escreve e liga Não atendo ninguém
A minha voz está afetada e dói ao falar Um bom estado para se ter, não fosse a dor, o mau aspeto e a necessidade Mas, de vez em quando, dava jeito: "Não posso falar; gengivas".
A dada altura vejo no telefone o Luís! O Luís! Tirei o som, mas como estava à minha frente... Que merda, pensei, mas atendi.
Com a voz enrolada, consegui dizer-lhe que estava doente. Mas não tinha compromisso, não. Pensei que adiaria, dado o meu estado. Mas nem prestou grande atenção ao facto. Não. Aparecia lá em casa à noite, se não houvesse problema
[Mas claro que há, não ouves, pá? Nunca cá vens e escolhes logo hoje??]
Mas claro que não há problema. Aparece, pois.
[Que raio queres tu daqui? Não podias escrever? Ou dizer agora?]
Ainda tenho umas horas. Pode ser que, entretanto, a minha voz melhore, a dor passe.?!? MF
Vou dar um jeitinho à casa, devagar e depois a mim. Deus, como estou precisada!
Parece que saí de uma máquina de lavar. Estou toda torcida, amarrotada, despenteada, sem formas. Só não estou molhada, nem preciso de secar.
Mas sem dúvida que fui centrifugada...
(continua)
I got that feeling That bad feeling that you don't know(Massive Attack)
Somethin' filled up My heart with nothin' Someone told me not to cry Now that I'm older My heart's colder And I can see that it's a lie