Poemas : 

Na vida de Júlia (Cap. 2)

 
Na impossibilidade de cerrar os dentes
Fecho os olhos com força até doer
Como doem os dentes que já não tenho

A dor vai da gengiva à raiz do cabelo
De dentro passa para fora
Com vários efeitos geométricos
De permeio, transtorno auxiliar

Levanto-me, apesar da hora
Lá fora ainda se dorme sem dor
E o sol ainda deve demorar

Faço o costume, como um dia normal
Mas mais devagar ou a dor aperta
Mas salto fases porque mal vejo
Ou seja, não faço nada o costume

Consigo o mais importante:
Higiene, inclui boca
Comer, Vestir decentemente, Chamar um táxi, Urgência Hospitalar


Periodontite e enxaqueca
Uma hora ou duas numa maca
Analgesia, alívio e perdi o tempo
O sol acolá
Fecho os olhos
A dor amainou

Alguém me chama
Alta, ponha-se de pé, pode ir embora
Táxi passe na farmácia, espere, e casa
Cama depois dos medicamentos
Antes tirar roupa, agora mais fácil
Menos dor, e está tudo escuro em casa
O escuro faz bem às dores
O sol ainda não veio aqui
É cedo e a roupa vai todinha para lavar
Hospitais....

Ando nua pela casa, apesar do frio
Ligo o AC em todo o lado
Calço umas meias grossas, só
Acabo o resto da comida que deixei
Consigo agora abrir os olhos

Café e cigarro, primeiros do dia
Que bem sabem!

Mensagens para o trabalho:
Doente, hoje não. Quando, não sei. Disponibilidade média. Volto ao contacto

Cama.
Que consolo, credo! Ainda há bocado quase morri aqui.
Nestas situações é que não dá jeito nenhum morar sozinha.

É um alívio em sofrimento
Parar de trabalhar uns dias só por causa das dores
Isto não é bom, no estado em que tenho a boca


Doente fico sensível
Gostava de ter alguém aqui comigo
Para me beijar a testa
Aconchegar as mantas
Vir acordar-me e perguntar como estou

Como fazia o Luís
Em tempos


Mas agora sou só eu e tenho de chegar
A casa está quente e sinto as meias

O corpo nu nos lençóis quentes
Uma sensação de conforto indescritível
Como se a cama fosse o meu ninho
Como se estivesse a abraçar-me
A proteger-me, e a libertar-me
E adormeço com o embalo do analgésico


Acordo tarde, com fome e desorientada
Roupão, espelho (credo!), relógio, cozinha
Comida (pouca, faz doer), telemóvel, tv

Café e cigarros (ah!!!), medicamentos
Mensagens (credo em duplicado!!!!)
De repente, toda a gente me escreve e liga
Não atendo ninguém

A minha voz está afetada e dói ao falar
Um bom estado para se ter,
não fosse a dor, o mau aspeto e a necessidade
Mas, de vez em quando, dava jeito: "Não posso falar; gengivas".


A dada altura vejo no telefone o Luís!
O Luís!
Tirei o som, mas como estava à minha frente...
Que merda, pensei, mas atendi.

Com a voz enrolada, consegui dizer-lhe que estava doente. Mas não tinha compromisso, não.
Pensei que adiaria, dado o meu estado. Mas nem prestou grande atenção ao facto.
Não. Aparecia lá em casa à noite, se não houvesse problema

[Mas claro que há, não ouves, pá? Nunca cá vens e escolhes logo hoje??]

Mas claro que não há problema. Aparece, pois.

[Que raio queres tu daqui? Não podias escrever? Ou dizer agora?]

Ainda tenho umas horas. Pode ser que, entretanto, a minha voz melhore, a dor passe.?!? MF

Vou dar um jeitinho à casa, devagar e depois a mim. Deus, como estou precisada!

Parece que saí de uma máquina de lavar. Estou toda torcida, amarrotada, despenteada, sem formas. Só não estou molhada, nem preciso de secar.

Mas sem dúvida que fui centrifugada...

(continua)








I got that feeling
That bad feeling that you don't know
(Massive Attack)

Somethin' filled up
My heart with nothin'
Someone told me not to cry
Now that I'm older
My heart's colder
And I can see that it's a lie
 
Autor
Beatrix
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