Prosas Poéticas : 

Estações da alma

 
ESTAÇÕES DA ALMA
Maria José Limeira

Lobos, coiotes e mulheres rebeldes têm destinos iguais.
A História saqueou, queimou e destruiu os redutos escondidos da mulher, para que ela agradasse aos outros, esquecendo-se de si própria.
Para se encontrar de novo, a alma feminina tem que cavar-se e cantar sobre os escombros.
Mulher tem que ter coragem para enfrentar os predadores.
Meu ser se alimenta de trovões e relâmpagos.
Milharais, girassóis e plantas selvagens estalam e conversam comigo na minha trilha.
Os regatos me lavam.
Sou artista.
Meu lugar no mundo é vagar a esmo.
Depois que o sol se põe, converso com a Natureza e ouço o farfalhar.
Conto estórias que os adultos não podem ouvir.
Toda morte é repentina.
Borboletas voam no alto da minha cabeça.
Vagalumes são jóias da noite e brilham como pulseiras enfeitiçadas.
A pele tem vida própria.
Abro meu espaço em árvores, cavernas, bosques e gavetas de armários.
Sou ampla, e o céu é meu lugar.
Danço na floresta.
Cato meu lixo interior, onde está o melhor de mim.
A palavra escrita é meu verdadeiro lar.
A perda é tão profunda quanto a beleza.
Sou ruptura.
Não caibo dentro das regras.
São sete os oceanos do universo onde navego.
Existe luz no meu abismo.
Nunca esqueço os motivos que me fizeram nascer e por que continuo vivendo.
Jamais me calarei enquanto estiver ardendo.
O que regula o estado do corpo humano é o coração.
Quando inicio uma viagem, vou até o fim. Ainda que sofra.
A função criadora fertiliza a aridez.
Meu território é a matilha.
Minha linguagem é o sonho.
Saí de casa à procura de mim mesma e descobri, espantada, que o Eu mora dentro de mim.
Depois da noite e da treva, nasce a luz.
Sou fundo de poço, início dos tempos, lágrima, oceano e árvore.
Sou o verde no meio da neve, e clarão na paisagem dolorida da seca.
As histórias curam minhas dores.
A arte é feita de estações da alma.
Deixarei na terra um mapa detalhado de mim, para que outros encontrem o tesouro que me faz feliz.
Em cada fragmento de mim, existe a lembrança do todo.
O vento sopra no meu espírito.
Quando encontrei o sonho, meus ferimentos pararam de sangrar...



 
Autor
MariaJoséLimeira
 
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1987
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Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 21/08/2008 14:35  Atualizado: 21/08/2008 14:35
 Re: Estações da alma
Maria,
Nossas estações são amplas como tua prosa de imagens tão fortes quanto femininas.
Bjins, Betha.


Enviado por Tópico
gil de olive
Publicado: 21/08/2008 14:57  Atualizado: 21/08/2008 14:57
Colaborador
Usuário desde: 03/11/2007
Localidade: Campos do Jordão SP BR
Mensagens: 4838
 Re: Estações da alma
Texto interessante e escrito com maestria!Excelente seu trabalho!


Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 21/08/2008 21:29  Atualizado: 21/08/2008 21:29
 Re: Estações da alma
Seu texto é tão comovente quanto cheio de amor. Um amor de afundar o pé na vida e tomar as rédeas da arte. Já era tempo de ler essa delicadeza sustentada por uma força feminina e não feminista e não panfletária e não truculenta. Ainda acredito que força e truculência não se confundam. Ainda espero que seja possível viver sem tratar com casca e tudo.

Enfim,

"Quando encontrei o sonho, meus ferimentos pararam de sangrar..."

Ficou mais fácil buscar um sonho possível através do seu texto. Obrigada e um beijo.


Enviado por Tópico
Robertojun
Publicado: 09/03/2014 17:54  Atualizado: 09/03/2014 17:54
Membro de honra
Usuário desde: 31/01/2014
Localidade: São Paulo
Mensagens: 2286
 Re: Estações da alma
Olá, MariaJosé!

Passando para ler a prosa poética.

Amei. Parabéns pela inspiração!

Abraço,
Roberto Jun