Contos : 

AVIÃO TECO-TECO

 
Uma grande tormenta! Os reclamos da natureza haviam se voltado de vez, contra qualquer alma vivente, presente naquele pedaço de mundo. A população não estava acostumada com tragédias daquele molde. Não fosse pela manhã, e aquele monturo de água, certamente, teria levado muitas vidas. Passada a hecatombe, viriam as perguntas, para as respostas que não foram dadas no tempo certo.

“Tem uma cabeça de burro enterrada aqui”.

A lenda bem podia ser aplicada. Faltava estrutura, faltava prevenção; faltava, até comunicação!

A fiel emissora de rádio local era louvável exceção. Pequena de freqüência, embora, falava, e às vezes costumava ser ouvida. Seu alcance não ia muito longe não. Tão logo pressentiu a gravidade da situação, mobilizou toda sua equipe de profissionais e os colocou de atalaia.

As chuvas continuavam. O fluxo de tráfego na rodovia federal que cortava a cidade, começava a apresentar sinais de complicação. Muito se viu daquilo, nos idos da construção da grande estrada de integração nacional. Mais do que integração, serviu mesmo foi para o escoamento de nordestinos desesperados, em busca de melhores dias no Sul. Uma interrupção no fluxo, e a cidade era invadida por levas de pessoas famintas, desgarradas de suas origens, perdidas dos famosos caminhões “pau-de-araras”, que impedidos de continuarem viajem, formavam filas de acampados nas imediações do centro urbano.

Cartão postal do lugar, encravada na montanha, ficava o grande rochedo como um gigante, vigilante da cidade, assentadinha e quieta, em sua base. Dormitava vez por outra, e permitia que coisas acontecessem em seus domínios. Pequenos vacilos.

Naquele dia, de inopino, irrompeu de lá pequena aeronave. Um avião! Daqueles em que a denominação, era a representação onomatopaica do som que emitia: era um teco-teco! Máquina utilizada na II Grande Guerra(ainda não eram conhecidas como aeronaves), alguns diziam, com ironia, que sua rusticidade era tamanha, que batia asas em seu deslocamento. Mas da categoria dos voadores, era o único aparelho que tinha condições de chegar ali. Não cabia, na pista da cidade, os inchados quadrimotores, e jatos, que já rasgavam céus país afora.

As novidades que chegavam pelos céus, saiam sempre de detrás da grande pedra preta. Foi de lá, que veio o primeiro helicóptero.

O sol estalava de quente. No descampado do bairro onde se construiu mais tarde o Santuário de Adoração Perpétua, um batalhão de pessoas, basicamente, crianças, mulheres e velhos, quebravam pedras. Literalmente. De longe se podia ouvir o sonido das marretas que batiam, incansáveis, insistentes, transformando pedras em pão. Uma tira de borracha, cortada da aba de um pneu velho, servia como proteção para os dedos. Moldada em forma de um “ele” minúsculo, era segura pelas pontas unidas, e dentro do laço que se formava, o pequeno fragmento de rocha. Ali, o pequeno rochedo se esfacelava sem risco de dispersão, em virtude do anteparo urdido, e sem risco de acidente. Montes de pedras trituradas iam se formando no golpe da marreta, cada um guardando, de forma anônima, a identificação de seu dono. Eram eles britadores!

Rugindo feito leão recém enjaulado, eis que surge o helicóptero! Libélula gigantesca, sem muitos revolteios, sobrevoa a pequena extensão de espaço existente entre a grande montanha e o gramado do campo de futebol, incrustado no colo da montanha contraposta. A moldes do inseto “lava-bunda”, paira no ar, mira o local exato do pouso e começa a descer na vertical, lentamente, espargindo uma ventania túrgida sobre o casario do entorno, e finalmente aterrissa no círculo central do gramado.

Paulo da Nigrinha, foi o primeiro a dar o alarde:

“Licópero! Ao licópero! Olha o licópero!” - gritou, sem saber pra quem!

Solta-se do carrinho de rolimãs, e desce a ladeira do Santa Zita, em desabalada carreira, emitindo brados de espanto e deslumbramento: “licópero, licópero!”. Depois de uns quinze minutos na correria desenfreada, chega ao local da aterrissagem. Encontra o caminho de acesso ao estádio, todo congestionado; uma procissão desordenada se dirige para o ver a novidade.

A pequena emissora, interrompe sua programação e coloca no ar, o prefixo de noticia urgente. De um extremo ao outro da cidade, ecoa o tonitruante ruído de uma sereia, copiado daquelas reproduzidas nos filmes sobre a guerra entre alemães e americanos:

“Úúúúúúúúúúúúúúúú...

O acorde rouco da vinheta, tinha a magia de fazer com que todos os ouvintes de suas ondas, conferissem a sintonia de seus rádios-receptores e aumentassem o volume até o último grau do potenciômetro. Algo de grave aconteceu! Entra no ar voz encorpada do locutor que anuncia solenemente, em tom de urgência:

“Atenção, atenção! Acaba de aterrissar um helicóptero no gramado do estádio municipal!”.

“Repetindo: Acaba de aterrissar um helicóptero no gramado do estádio municipal! Nossa equipe de reportagem está se dirigindo para o local. Outras informações, a qualquer momento, no correr de nossa programação. Cobertura completa em nosso jornal de dezenove horas!”

A equipe de reportagens encontra uma montanha apinhada de espectadores, que se espremem e se acomodam no vácuo de um pequeno espaço entre um e outro. O pequeno estádio, com esgotou sua lotação! A cidade subiu, espontaneamente mobilizada, pela curiosidade de conhecer a máquina estranha que até então só vira nas páginas de ‘O Cruzeiro’. Durante todo o dia, a programação da radiosinha foi interrompida pelo prefixo de “notícia urgente”. O helicóptero não era nenhuma ameaça alienígena. Informam as ondas médias do rádio que a máquina pertencia a uma companhia de energia elétrica e trazia técnicos para tratar de interesses comerciais na cidade.

Naquele dia, vivia-se uma situação diferente. Ninguém estava ali para brincadeiras. O teco-teco trazia uma sensação diferente. Começou a fazer involuções por sobre a copa das palmeiras, enquanto a cidade se afogava nas águas dos dois rios que a cortavam ao meio.

Imaginando talvez, a possibilidade de uma nova tragédia, bem ali, a pequena emissora, já com sua programação toda comprometida pela enchente, começa a fazer uma transmissão inusitada. Certamente o operador, naquele momento, se imaginava o único capaz de alcançar quem estivesse naquela lata de sardinha voadora e evitar a possibilidade de um trágico acidente. Começa um monólogo, captado pelos radio receptores do mundo que não estava inundado àquela altura dos fatos:

“Alô alô, avião, não desça! A cidade está inundada!
Alô alô, avião, não desça! Não desça avião, a cidade está inundada!
Alô avião! Não desça, avião! A cidade está toda inundada!”

Não se sabe até hoje, se o avião recebeu a mensagem enviada. Após umas três ou quatro voltas por sobre a cidade, tomou rumo das nuvens, regressou para onde não se soube nunca donde, tampouco a que viera.

Mas, não há negar que, com toda certeza, a radiosinha cumpriu sua missão de informar, como sempre o fizera, naquela rotina modorrenta de cidade.


Leia de Wagner M. Martins

FALA, FILHO DA MÃE!!! - Capa Paulo Vieira

UM BICHINHO À TOA. - Capa: Camilinho

Participação:

Livro OLHA PROCÊ VÊ! de Elias Rodrigues de Oliveira

No prelo:

UM INTRUSO NO QUINTAL

 
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wagner
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