Prosas Poéticas : 

Linhas - 5.

 
O divórcio parece-me semelhante à morte, mais que não seja pela sua inevitabilidade. A grande diferença que me ocorre é que renascer para a vida apenas depende de nós próprios.


Quero acreditar que estarias aqui de qualquer maneira. Não de qualquer maneira, mas de uma maneira só. Seríamos assim, não únicos no encontro, mas únicos no verdadeiro querer. Talvez, um encontro não só de corpo, mas também juntos, num encontro de sentimentos. Mas de facto, e longe de qualquer realidade que nos convenha, não somos distinguidos. Somos banais – vulgares.
Quero acreditar que a nudez que partilhamos, não é uma nudez como aquela nudez que por vezes, e só por vezes, nos habituámos a partilhar em vão. Toda a nudez de ausência de sentimento no próprio acto de nos despirmos, é uma nudez em vão. Parte de uma lombada gasta de um livro velho qualquer que lemos não só apenas uma vez.
Não digo que fosse falta de maturidade, digo que era somente falta de saber o que era melhor para nós – não o sabíamos. Poderia isso significar que não tínhamos maturidade?
Quero acreditar que não estarias aqui por força de um impulso animalesco incontrolado, porque não acredito que exista esse tipo de descontrolo. Acredito na escolha. No querer ou não querer. A partir daí, és tu quem comandas – a partir da tua vontade. Que estarias aqui por vontade tua – esse querer, que ouso não percorrer e muito menos analisar. Também é preciso ousadia para virar costas – algumas, raras vezes. Ousadia em não fazê-lo poderia ser cobardia, não digo que não o pudesses usar como argumento, mas não serias o melhor exemplo para me atestares com esse assunto. Quero acreditar que este cenário que aqui montaste, não era única e exclusivamente esboço teu em promulgar a tua artimanha favorita. A tua artimanha alinhada para me deixar aqui assim – rendido. E terei estado alguma vez? Quero acreditar que há algo mais para além desta sensação estúpida, de estar no sítio errado mas também não saber qual é o certo para se estar. Esta sensação que me invade depois de fazer este “nosso amor”, este “nosso sexo”, este “nosso-como-lhe-queiras-chamar”. Não me preocupo com as definições, porque me habituei a não procurar detalhes nas coisas que simplesmente não os têm. Chama-lhe o que te apetecer chamar – pois. As tuas aspas, sempre foram um hábito elegante que encontraste para dizeres o que pensas de uma forma um pouco menos chocante. Esconder a tua verdadeira intenção, o verdadeiro significado das tuas palavras – sob o pretexto das aspas. É delicado – penso. Parece que te vejo agora, aqui, neste meu mar de enganos, neste meu desfile de fracassos, quase sempre dotado de abismo. Este gosto implacável de queda e de vertigem, do que me habituei a gostar por força da decadência a que me submeti, e talvez, por falta de força da mão que não segura o tempo que lhe é devido. E isto, será isto falta de maturidade? Parece que te vejo – aqui – cabelo atado, olhar profundo, contudo, ausência espelhada como quem se demite de procurar a verdade e, em vez disso, procurar o termo mais adequado – delicado – digo eu. Uma mão apoiada no joelho, a outra a compor os cabelos escuros e longos que naturalmente já estão compostos, mas que continuamente ajeitas em sinal de enfado, sim, estou a ver-te – gestos calmos e estudados, como premonições de morte que vais lançar. E então vem a tua elegância – dois braços a cortar o ar e os dedos em aceno positivo, enquanto pronuncias com a tua voz fina – entre aspas – claro. Hipócrita.
Quero acreditar que abriste aquela garrafa de whisky envelhecidamente caro, porque apreciavas o convívio pouco comum de quem cria algo, entrecortado pelo sabor com travo a perdição, e não porque querias obter para ti esta imagem que agora tenho de mim e de ti – nudez gasta. Livro lido mais que uma vez – gasto. Quero acreditar que depois de me vir, ou se preferires, depois de ejacular dentro do teu calor escondido, que há algo mais para lá deste torpor estúpido que me faz pedra e que se perpetua como tu dizes, no canto inexpugnável dos meus pensamentos. E sim. Não sei se é aí que estou, para além do meu próprio infinito, para além do que sei saber sem saber de mim. Do que conheço instintivamente. Não sei se é aí que estou. Quero acreditar que não te despiste em cima da mesa de bilhar, oferta da tua versão de mulher dedicada e prendada ao teu ex-marido, e que me foste seduzindo com os movimentos de serpente astuta só para dizeres no fim – tu és meu, sempre que eu assim o entender, entendes? Não. Quero acreditar que há em mim algo mais para além daquilo que tu insistes em dizer – “és um regalo para a minha vista e para o meu corpo”. Quero acreditar na capacidade de não acreditar. Que tudo é, e será diferente daqui em diante. Mas não acredito.

 
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LorenzoMonsanto
 
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Enviado por Tópico
cleo
Publicado: 29/04/2009 21:25  Atualizado: 29/04/2009 21:25
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Mensagens: 3731
 Re: Linhas - 5.
Um texto longo, mas recheado de sentires e de vivências contadas na primeira pessoa e que muito me agradou ler, tal como todos os outros.
Escrever não é para todos, muito embora todos o possamos tentar... escrever é para quem sabe.
Parabéns Lorenzo, tu és um escritor de verdade!

Beijo