Prosas Poéticas : 

Juliana

 
Não me recordo de onde sei o nome de Juliana. Não sei de onde o tirei. Não sei se alguém mo soletrou, ou se eu algures o desencantei, sinceramente não sei. O nome de Juliana é como todas aquelas coisas da vida que sabemos sem saber de onde sabemos. Há coisas que são assim. Sabemo-las mas desconhecemos de onde. Vem aqui muitas vezes – Juliana. Vem à pastelaria aqui perto de minha casa. Juliana é muito charmosa, elegante e tem os cabelos lisos e muito compridos. Negros – cor o preto. Cabelos que se distinguem por ter um trato especial, atenção e dedicação. Não há como deixar o olhar perder-se nos cabelos cuidados e vistosos de uma mulher. Embrenhar os dedos nesses cabelos e almejar a perdição, a perdição completa no tacto dócil e quente, seria assim como voar ao sabor do vento que adoramos sentir quando agasalhados, nos encontramos a sós num areal de perder de vista. É como aquelas coisas que sabemos sem saber de onde sabemos. Toda a gente sabe que voar seria bom, mesmo sem saber de onde sabe. Mesmo sem nunca ter voado na realidade. Realidade? Ou construção da realidade? Juliana. Tem olhos de um azul-claro que lembra vagas de oceanos vistas quando o sol se encontra atrás das mesmas, vagas que rebentam directamente aqui onde me encontro. Juliana sorri-me sempre. Sempre - de há muito para cá. Não nos conhecemos e jamais trocámos uma palavra, uma só que fosse. Nunca Juliana me deixou de sorrir. Eu sorrio de volta e timidamente volto a este texto que escrevo. Juliana balança um pé e parte da perna que está apoiada num dos joelhos. É uma mulher que carrega um manto delicado de sensualidade subtil. Respira sensualidade e sexualidade. Construo esta realidade. Vês também, vizinho desconhecido da mesa do lado? Tem esse manto bem vestido. Por vezes os nossos olhares cruzam-se na atmosfera, e há uma espécie de contacto que termina sempre da mesma forma - com um aceno de cabeça e um sorriso. Muito se sorri por aqui. No outro dia Juliana piscou-me o olho. Vou escrevendo este texto e a certo momento, quando levanto a cabeça para pedir mais uma água com gás, Juliana ali está. À minha frente. Encetou-me. Podes dar-me lume, por favor? Digo que sim. Acendo-lhe o cigarro. Juliana baixa-se e reparo que tem de facto os lábios muito bem delineados. Parecem esculpidos - génio foi o artista. Agradece-me e trata-me pelo meu nome. Fico espantado e não me contendo, questiono - Desculpe-me, mas como sabe o meu nome? Juliana esclarece – Não sei de onde o tirei. Não sei se alguém mo soletrou, ou se eu algures o desencantei, sinceramente não sei. O teu nome é como todas aquelas coisas da vida que sabemos sem saber de onde sabemos – responde-me. Vencida a surpresa e a sensação de não saber onde estou mesmo sabendo onde estou, volto a escrever, mas não me apetece escrever mais sobre Juliana. Juliana. A perdição que se sabe…

 
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LorenzoMonsanto
 
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Enviado por Tópico
cleo
Publicado: 05/03/2009 03:10  Atualizado: 05/03/2009 03:15
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Mensagens: 3731
 Re: Juliana
Lorenzo
A vida é feita de encontros e desencontros, neste caso foi um encontro feliz que nos fez cruzar o mesmo caminho algures por outros destinos e me deram a oportunidade de te enviar o convite que hoje te fez entrar nesta casa e juntar a esta família imensa, engrossando-a ainda mais com a tua presença e recheando-a com a qualidade da tua escrita, que se pode provar já nesta prosa poética, como um saboroso aperitivo...

Juliana
Um nome tão comum como outro qualquer, que povoa o universo feminino e que aqui ganha uma nova cor, graças à beleza das tuas palavras que nasceram da tua sensibilidade e enorme capaciadde de criação.
Obrigado por teres aceite este desafio e por partilhares do tanto que tens de ti!

Beijo