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O SENTIDO DOS SENTIDOS

 
(fragmentos do livro: Enquanto o nirvana não vêm)


De uns tempos para cá tenho incomodado-me ao ler, em estudos comumente de origem espiritualista, sobre o papel dos cinco sentidos “ditos” grosseiros em nossa vida.
Preocupam-me muito as incitações que tais textos apresentam, oriundos das mais variadas fontes, algumas datadas de séculos ou milênios. Há também textos muito recentes, visto que este assunto é muito atual. Mais do que disseminá-lo de forma considerada por mim, muitas vezes incorreta, detenho-me na preocupação de como o mundo as ouve.
Talvez eu seja considerada presunçosa por algumas pessoas ao questionar ensinamentos milenares. Peço-lhes perdão. Comporto-me tão somente como a simples aprendiz que sou – aos aprendizes é dado o direito ao questionamento.
Retornando ao foco do texto, vemos que, no âmbito da espiritualidade, todo assunto que trata ou refere acerca dos cinco sentidos humanos é sempre delicado e precisa ser muito bem entendido. A definição da palavra sentido trazida pelo Dicionário Aurélio, referência em nossa língua, nos diz o seguinte: “...faculdade pela qual se percebem pela ação de órgão específico, sensações internas ou externas...” – e mais: “...propósito, objetivo, direção, rumo.”
Os sentidos humanos estão intimamente ligados às emoções. E para entender de forma sucinta esta que, muitas vezes nos amedronta, lançarei mão novamente da velha e boa morfologia. A palavra emoção tem em sua estrutura morfológica um derivado tardio composto de duas palavras latinas: EX (fora, para fora) e MOTIO (movimento, ação, comoção e gesto). Ou seja, emoção é um movimento externo cujo combustível é o mundo dos sentidos. Tudo o que vemos, ouvimos, cheiramos, tocamos ou experimentamos com nossa língua, gera em nós as sensações mais diversas; na grande maioria das vezes, delas temos consciência, outras vezes nem tanto. Toda esta engrenagem faz parte da vida que vivemos neste planeta. Somos seres sensoriais – pelo menos aqui...
Sentidos e emoções juntam-se à mente humana formando uma tríade que permite ao ser humano ter o que chamamos de emoção cognitiva. Cognição diz respeito ao conhecimento, então, emoção cognitiva é aquela que sentimos e sabemos definir (limitar, demarcar) o porque de senti-la. Por isto a palavra sentimento “encorpa” o mecanismo sentido + emoção + mente.
E finalmente, o “circo está armado”. Dá-se início à festa. Um festival de desejos geradores de expectativas confundem-se com medos castradores – todos frutos de nossas emoções ainda pouco compreendidas temperadas pelo forte sabor dos conceitos plantados por nossos antepassados. No meio de todo este vendaval, que nos deixa literalmente “ao sabor dos ventos”, há um aspecto de extrema importância à nossa existência: a experiência. Na etimologia desta palavra verificamos que a mesma vêm de “periri” – verbo depoente latino, cujo particípio passado é “perítus” – hábil em – cujo derivado é “experior” – tentar, experimentar – donde há “experientia” – prova, ensaio, tentativa.
Ninguém nasce pronto. O espírito que nos anima, este sim é integral. Entretanto, enquanto espírito encarnado, evolui apenas através das experiências que acumula nos mais diferentes estados de matéria que vivencia. Fomos impulsionados como em um imenso movimento de expansão...na contramão do mesmo movimento, agora em retração, voltamos para nós mesmos na ânsia incessante da união. Somos parte deste imenso “coração galáctico” onde a busca por identificação se faz. Todo nosso movimento, seja ele dentro ou fora de nossos corpos é o da busca pela união, pelo acoplamento, pela mistura, na busca pela estabilidade dos elétrons, que nos confere o grau de “nobres” (do Aurélio: elevado, sublime); porque não dizer que desejamos copular com a vida?
Entremeando toda esta busca existem as experiências ...as tentativas. É no erro que forjamos nossos acertos. Na dor curamos nossas feridas. No desvirtuar do caminho percebemos a necessidade de retomar o mesmo. Todo este caldo quântico de sensações e experiências nos enriquecem. Logicamente que, na maioria das vezes, trilhamos caminhos conturbados que misturam mais pedras pontiagudas do que flores coloridas – ainda não inventaram outra forma de “passar o tempo” – então o jeito é viver, de preferência da melhor forma possível.
Tudo isto vos disse para que entendam porque me assusto quando leio frases ou escuto exortações que mais parecem querer nos afastar de nossa própria realidade – esta aqui do planeta Terra com os pés plantados no chão por causa do campo de força gravitacional. Como se sentir prazer fosse algo sujo e que deve ser evitado a qualquer custo sob pena de danação eterna. Mesmo o prazer por si só não é algo que deva ser condenado. Dizem muitos gurus que não nascemos para os prazeres da carne; somos seres superiores. Concordo em parte – somos seres superiores e “estamos” na carne. É a nossa condição. Transcendê-la é nosso objetivo, sem dúvida. Mas não através da negação da mesma; isto não é outra coisa senão fuga. Quem foge tem medo. Quem tem medo não pode ser livre.
Preocupa-me o menosprezo às sensações e emoções e a exaltação à chamada “vida espiritual”. Acredito existirem etapas em nossa evolução e que tais etapas devam ser vivenciadas – são as experiências. Não há como dominar algo que não se conhece.
Logicamente não estou aqui a estimular que nos entreguemos a toda sorte de sensações – seria insano querer experimentar tirar a vida de outra pessoa somente pela curiosidade acerca da emoção que esta vivência traria. Por outro lado, não acho sensato assumir um comportamento pré-moldado simplesmente por considerá-lo correto sem ter a verdadeira convicção do mesmo. Dentro deste cenário acho difícil o julgamento de qualquer atitude sem o verdadeiro entendimento do contexto que a motivou. Deste modo, mesmo os mais terríveis assassinatos poderiam ser claramente explicados – não quis dizer justificados ou mesmo aceitos.
Grandes mestres da humanidade, em sua maioria arautos defensores do bom senso e da necessária atenção para com os sentidos humanos, vivenciaram experiências, cujas conclusões os levaram a expor suas verdades. Mas antes de tudo eles a vivenciaram...
Sidarta Gautama, enquanto príncipe, viveu sua plenitude carnal em um imenso palácio cercado de todas as delícias a que um homem teria direito naquela época. Casou-se e teve um filho. Sua inquietação interna, vinda da não experiência e das sensações de vazio e desconforto, certamente impressas em seu inconsciente por milhares de antepassados, o impulsionaram a buscar as vivências necessárias ao seu crescimento interno. Em sua busca, absteve-se de toda sorte de prazeres por longos pares de anos – ao final, como em um passe de mágica, percebeu que estava enganado e realinhou sua trajetória. Logicamente que a história não é tão simples quanto se apresenta; Sidarta não tornou-se um Buda gratuitamente – e aí é que está – ele viveu... e sabe Deus lá o que deve ter vivido para chegar onde chegou. O que aconteceu à Sidarta foi a chegada progressiva da consciência – não que ele não a possuísse. Ela estava lá o tempo todo – latente – aguardando o momento certo de despertar.
Quando a consciência ganha espaço, faz toda a diferença. Ela valora nossos atos. Burila, enriquece e direciona. A falta dela é o tema de diversos textos escritos ao longo de milênios. É a principal problemática do ser humano. Entretanto, gostaria de salientar que a consciência adquire-se através de experiências – estas que são vividas através das emoções, que por sua vez são motivadas pelos sentidos. Mesmo a meditação, prática hoje tão difundida como meio de acesso à consciência, em seu início, necessita de estímulos para dar-se: um incenso adequado, música suave, uma forma diferente de sentar, olhos fechados. Depois de alguma prática, e, através dela o aprendizado do auto-controle, somos aptos a meditação mesmo sob o som estridente de fogos de artifício. Tudo requer experiência. Ainda não conseguimos consciência através de osmose – quando isto for descoberto, serei a primeira a mudar-me para o Tibet a fim de viver bem próximo dos mais purificados Lamas que lá existirem.
Somos o que somos e esta diversidade me fascina cada vez mais. Ainda há muito o que caminhar, mas acredito que a raça humana, aos poucos, “queimará” seus dogmas e livrar-se-á de seus medos tornando-se verdadeiramente livre.
Fica aqui o tímido convite de minh’alma: o auto-conhecimento é fundamental à todo ser humano; cuidado apenas para não encapsular-se demais em conjecturas internas, achando que somente elas são a resposta para tudo. Há coisas no mundo que existem para serem sentidas – apenas.
Você é humano e precisa deste corpo para expressar-se. Cuide bem de sua casa – o corpo – de sua mente e de seu espírito. E, certamente, pare de “enxotar as visitas” – as emoções. Ao contrário, procure conhecê-las e as faça agir a seu favor. Siga seu destino que, em suma, é o destino de todos nós – a LUZ !!!



Faze o que tu queres será o todo da Lei.
Amor é a Lei. Amor sob Vontade.

 
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Ravendra
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