Poemas : 

ODE DESCONTÍNUA E REMOTA PARA FLAUTA E OBOÉ. DE ARIANA PARA DIONÍSIO.

 
É bom que seja assim, Dionisio,

que não venhas.

Voz e vento apenas

Das coisas do lá fora



E sozinha supor

Que se estivesses dentro



Essa voz importante e esse vento

Das ramagens de fora



Eu jamais ouviria. Atento

Meu ouvido escutaria

O sumo do teu canto. Que não venhas, Dionísio.

Porque é melhor sonhar tua rudeza

E sorver reconquista a cada noite

Pensando: amanhã sim, virá.

E o tempo de amanhã será riqueza:

A cada noite, eu Ariana, preparando

Aroma e corpo. E o verso a cada noite

Se fazendo de tua sábia ausência.



II

Porque tu sabes que é de poesia

Minha vida secreta. Tu sabes, Dionísio,

Que a teu lado te amando,

Antes de ser mulher sou inteira poeta.

E que o teu corpo existe porque o meu

Sempre existiu cantando. Meu corpo, Dionísio,

É que move o grande corpo teu



Ainda que tu me vejas extrema e suplicante

Quando amanhece e me dizes adeus.



III

A minha Casa é gurdiã do meu corpo

E protetora de todas minhas ardências.

E transmuta em palavra

Paixão e veemência



E minha boca se faz fonte de prata

Ainda que eu grite à Casa que só existo

Para sorver a água da tua boca.



A minha Casa, Dionísio, te lamenta

E manda que eu te pergunte assim de frente:

À uma mulher que canta ensolarada

E que é sonora, múltipla, argonauta

Por que recusas amor e permanência?



IV

Porque te amo

Deverias ao menos te deter

Um instante



Como as pessoas fazem

Quando vêem a petúnia

Ou a chuva de granizo.



Porque te amo

Deveria a teus olhos parecer

Uma outra Ariana



Não essa que te louva



A cada verso

Mas outra



Reverso de sua própria placidez

Escudo e crueldade a cada gesto.



Porque te amo, Dionísio,

é que me faço assim tão simultânea

Madura, adolescente



E porisso talvez

Te aborreças de mim.

(...)

[Júbilo memória noviciado da paixão (1974)]

[in Poesia: 1959-1979/ Hilda hilst. - São Paulo: Quíron; (Brasília): INL, 1980.]


Hilda Hilst
( 21/04/1930 — 04/02/2004)
Autores Clássicos no Luso-Poemas

 
Autor
Hilda Hilst
 
Texto
Data
Leituras
1562
Favoritos
0
Licença
Esta obra está protegida pela licença Creative Commons
1 pontos
1
0
0
Os comentários são de propriedade de seus respectivos autores. Não somos responsáveis pelo seu conteúdo.

Enviado por Tópico
Julio Saraiva
Publicado: 25/10/2009 11:31  Atualizado: 25/10/2009 11:31
Colaborador
Usuário desde: 13/10/2007
Localidade: São Paulo- Brasil
Mensagens: 4206
 Re: ODE DESCONTÍNUA E REMOTA PARA FLAUTA E OBOÉ. DE ARIAN...
Todos os seus poemas são de Hilda Hilst. Querer homenagear esta grande poeta, com a citação é uma coisa. Passar-se por ela é outra. Ou seja, falsidade ideológica. por favor, respeite a memória da autora. poste com o seu nome e a homenagem é válida. Do contrário, é crime.

júlio