pique-niké
poemas curtos, puxando a sardinha pro leminski.
criada pela urgência do mínimo, pela maré da síntese,
pela poesia perdida nos bolsos e nas bolsas.
eis-me niké, pra quem quisé.
I
no acoito
cuba libre
& um calibre
trinta e oito
II
era um verdadeiro gênio
até fazer poema
com gás lacrimogêneo
III
já que tudo passa
passa a cachaça pra cá
e tudo isso passará
IV
prossigo a viagem
no meio, baixa estação
na ida, alta voltagem
V
a lua sangra
o homem singra
um choro na manga
nas mãos uma pinga
VI
seu pé quebra
todo mundo olha
cada olho em pedra
ela nem olha de lado
põe na canção a queda
e baila de pé quebrado
VII
eu ando meio ruim,
meio bom.
meio fora de mim,
meio fora do tom,
meio som.
ando meio, e fim.
VIII
cigarro, café, jornal:
o cotidiano, afinal,
é um pedaço de plano.
IX
amor é novo mercado:
o preço do beijo varia
do varejo pro atacado
X
entre a comédia e a tragédia
sobre o que passa e o eterno
um verso escrito no caderno:
antes na merda que na média
XI
a estrela mais bonita
tirita de frio
-
o céu parece escuro
mas é só vazio
XII
meu negócio é
gente que curte
poema curto
entre o absorto
e o absurto
XIII
ela e eu mais eu e ela
e esse amor: se não poema,
canção-tema de novela
XIV
teu sorriso de vela
me chama, vou de cara:
caravela.
XV
poesia não importa,
exporta
à luz da vela
à luz da vela
um bruxo
leio
pique-niké II
mais uma leva de poemas de tiro-e-queda: poemas curtos pra quem curte. a vida é curta, compartilhe.
I
fui falar de amor:
mal abri a boca,
o neruda já tinha dito.
poeta maldito.
II
pôr palavra pra lavar
pra lavar palavra
por palavra
vá pôr a palavra pra lá
pra lavar a vapor
III
é preciso lembrar as siglas
PE, BR, CEP, CPF, INSS
DPVAT, IPVA, ONU, OTAN
vou ver se alguém me esquece
por favor, não me sigla
IV
mente-se a semente:
já é flor e nem sente
V
o subúrbio fala,
escute-o
não tem escada
nenhuma
e nas ladeiras
marcas de unha
improvisam o caminho
VI
cemitérios para os vivos
são mistérios para os mortos
VII
passam os anos,
passarinho
e eu fico aqui
sozinho.
eu,
e meus desenganos.
VIII
de maria, só tinha a devoção:
o gênio era do cão mesmo.
IX
ao poema de dieta
é mais barato
comer a poesia
e deixar o poeta no prato
X
enquanto
todo mundo
se dói
ao meu redor
me sinto meio
super-herói
XI
deitada na cama
a princesa engana
à noite acorda
e usa o lençol
como corda
XII
quando o ciúme
escapuliu-me do peito
virou foi voz de dois gumes
XIII
quando eu andar pra fora de mim
passarei um cadeado nos sonhos
o ferrolho será feito de liga leve
fácil de encontrar na realidade
XIV
naufrágio
nau frágil
sufrágio
universal
XV
a poesia escorre
quando jovens viúvas
lavam a solidão da cara
XVI
só vou deixar de madrugada
numa esquina abandonada
uma cachaça pros santos
brancos, pretos, euros, bantos
no dia em que oferenda
deduzir do imposto de renda
XVII
às pressas,
a promessa
lava a alma
lava a cara
já com calma
recomeça
e esquece
o que jurara
XVIII
a mentira tem pernas curtas
(e umas meias bem bonitas)
XIX
na insônia, garrafa de café
e carteira de cigarro funcionam
com um simples truque de mágica:
abracabou-se
XX
cada tiro
cada tombo
cada chão
com os pombos
repartir o
pão
no meio do dia
no meio do dia
tinha um horário
tinha um horário
no meio do dia
ao meio-dia
tinha uma data
no meio da data,
um meio-dia
no meio do dia
tinha um horário
marcado no calendário
no meio do calendário
tinha um boneco-palito
de terno e gravata
e um sorriso na cara
que decerto não fez jus
ao aflito que o inspirara
se você for
se você for
em vez de ir
vou só
souvenir