Épicos

Seleção dos poemas, frases e mensagens mais populares da categoria Épicos

TEINIAGUÁ - a salamandra do carbúnculo.

 
TEINIAGUÁ - a salamandra do carbúnculo.

introito
I

Tantas quantos dias o ano
Tem-se a cantar essas rimas,
Embora as histórias primas
--‘Pós engano e desengano --
Fossem-me já obras-primas...

II

Sem embargo, se te animas
A saber d'estes rincões,
Vou falar aos corações,
Não por merecer estimas
Ou diversas opiniões.

III

Sim pelas nobres razões
E face aos vários humores,
Onde lágrimas e suores
Compensem os seus senões
Como defeitos menores.

IV

Possam fazer bem melhores
E maiores as nossas vidas!
Possam, porque se perdidas
As idades dos louvores,
Só resta a das despedidas...

V

Se há verdades insabidas
E ignorâncias sem tamanho,
Perdoe-me as glosas d'antanho
Quem -- das querências queridas --
Ler as palavras que apanho.

VI

Conquanto pareça estranho
Narrar épica canção
De nossa crioula nação,
Sobre-eleva-se ao tacanho
Seu extremado brasão!

VII

Possam, precisas ou não,
Fazer-te as horas mais ricas,
Do que devendo me ficas:
A princesa e o sacristão
Tu - lendo a lenda - os imbricas.

VIII

Ora espirituosas dicas;
Ora visões opulentas;
Possam as rimas trezentas
Ser panaceia de boticas
Para as almas turbulentas.

IX

Possam, à guisa de ementas
Dispostas no cabeçalho,
Ter no diário trabalho
O apanágio de horas bentas
Contra todo intento falho.

X

Possam -- as rimas que espalho --
Reunir o meu ser disperso.
Desde os confins do Universo
Sobre os pampas onde orvalho
A aurora crioula que eu verso.

XI

Pois, por entendê-la ao inverso
De qualquer filosofia
Que fiz diária a poesia:
Um dia p’ra cada verso;
Um verso p’ra cada dia.


o encontro com Teiniaguá

XII

Sem embargo e todavia,
Principia a antiga lenda .
Em face de grã contenda,
Um gaúcho indo à porfia
A nada e ninguém se renda!

XIII

Mas, por solitária senda,
Cortava os pampas o andante,
Que há anos se fez viajante
Em busca d'haver emenda
Contra seu fado inconstante.

XIV

De facto, ele andava errante
Quando viu a salamandra,
Que por sobre as brasas meandra:
Ornada em rubi faiscante,
Corria arenosa gandra...

XV

À noite, piando a calhandra,
Não vê senão Teiniaguá:
Uma teiú que Anhangá
Fez da princesa malandra
Com toda magia que há.

o carbúnculo

XVI

Andava aqui e acolá
A cingir sua cabeça
O diadema da promessa
D'haver quanto se lhe dá
Àquele que amor confessa.

XVII

Sua situação era essa:
Vê a moura enfeitiçada
-- Em salamandra mudada!... --
Levá-lo na noite espessa
Até d’uma furna a entrada.

XVIII

Lá, ela mantém vigiada
Arcas e mais arcas de ouro
Do incalculável tesouro,
Que enterrara em debandada
Um antigo sultão mouro.

XIX

Por isso, de mau agouro
Conhecem esse lugar
Onde estava a pernoitar
Co’a jovem cujo desdouro
Tantos fora amedrontar.

XX

Contudo, faiscava o olhar...
Face à terrível imagem
Da salamandra em viragem,
Ele deve atravessar
Sete provas de coragem.

XXI

Abrindo logo passagem
No fundo da furna escura
Enxerga humana criatura:
Outro estranho personagem
De muito triste figura.

o diálogo com o Sacristão

XXII

É o sacristão. Procura
Pôr fim àquele feitiço
Que mantém o compromisso
D’um cristão cuja loucura
Furta ao sagrado serviço:

XXIII

--“De facto, foi pelo viço
Da bela que, prisioneira,
Me aprisionara faceira,
Desgraçando à causa d'isso.
Toda a terra missioneira.”.

XXIV

“Pois, então, de tal maneira
A Teiniaguá me enamora,
Que não a esconjuro, embora
Pela moura feiticeira
Deitasse a salvação fora.”

XXV

“Por fim, insana me implora
Tão ardoroso carinho
Em troca do santo vinho
Que nos altares se adora...
Para meu mor descaminho!”.

XXVI

“Flagrado o crime, sozinho
Fora condenado à morte.
Mas, mudando minha sorte,
Gira o céu em torvelinho;
Toda a terra treme forte.”.

XXVII

“Teiniaguá surge do Norte,
Das margens do rio vinda
Mais horripilante ainda,
Que sanguinolenta coorte:
Avassaladora e linda!”.

XXVIII

“Logo a catástrofe finda:
Toda vila vem abaixo
Co’o chão, em forte rebaixo!
Só o silêncio deslinda
A escuridão lá em baixo...”.

XXIX

“Viemos dar n’esse altibaixo
Que é o Cerro de Jarau.
Qual tenebroso sinal
Onde o extraordinário encaixo
D'um meteoro terminal.”.

XXX

“E hoje, em remoto local,
Há tão-somente essa furna
Onde rasteja noturna
Ela, um brilhante animal
E eu, de face taciturna...”.

XXXI

Co'a mirada mais soturna,
Silencia o homem assim.
Na salamandra, um rubim
Faísca por cima da urna
Oferecendo-a, por fim.

XXXII

Dissera ao outro, ainda e enfim:
-- "Se tens o coração puro
Mais o espírito seguro,
Com coragem porás fim
A esse mal em que perduro."

XXXIII

Após, n'aquele antro escuro,
Diz o herói resposta sua:
-- "Ouvi minha avó charrua
Contar esse causo obscuro,
Há anos em clara lua.".

XXXIV

E, encarando-os, continua:
-- "Eu sei quem sois e quem fostes:
Não mais princesas ou priostes.
Não com gente a luta crua,
Sim contra celestes hostes!".

XXXV

“Vistes erguidos os postes
Dos suplícios assassinos...
-- Calaste clarins e sinos,
Teiniaguá, embora arrostes
O entrelaçar dos destinos!... --”

XXXVI

“Portanto, não são mofinos
Meus intentos junto a vós.
Não sou juiz nem algoz
Tampouco, com dedos finos,
Ambiciono ouros após!”

XXXVII

Dito isso, traz n'uma noz
O homem ao jovem sem medo
Um gole de chá azedo
Cala de vez sua voz
E cerra os olhos mais cedo...

XXXVIII

Desacordado mas ledo,
Enquanto jaz semimorto,
Anda com só desconforto
Súbito em denso arvoredo.
Falando n'um transe absorto:

XXXIX

--”Era alma sem corpo. Em torto
Caminhar por mato adentro
Sete vias desde o centro...
Incerto se vivo ou morto,
Só silencio e concentro.”

as espadas ocultas na sombra

XL

“O primeiro caminho entro:
Pirilampejam centelhas
Do choque de espadas velhas.
Tinem de tremer por dentro,
Olhando senão de esguelhas!”

XLI

“Sombras se medem parelhas.
Pelejam d’alfange à palma
Sem que se veja viv’alma...
Roçando-me o aço às orelhas,
Só a promessa me acalma.”.

XLII

“Sigo em frente: Fronte calma
Face ao furor sarraceno.
Nunca jamais me apequeno,
Pois que venha o que vier: ‘Alma
Forte e coração sereno!’”.

a arremetida de jaguares e pumas furiosos

XLIII

“Finda a picada em ameno
Campo sobre amplas coxilhas.
Ciente que só maravilhas
Tudo -- mesmo sob sol pleno! --
Seguindo as seguintes trilhas.”.

XLIV

“Vêm feras feito matilhas
Assomando a mim esconsas:
Pintadas e pardas onças
Igual cercassem novilhas
Ou vacas velhas e sonsas.”.

XLV

“Porém, por razões absconsas
Os jaguaretês em roda
Tão-só balançam a coda
E eriçam pelo às responsas...
Passando, nada incomoda.”.

a dança dos esqueletos

XLVI

“Mudando a paisagem toda
N'um só lampejo instantâneo
Através do subterrâneo
Ando a ver lúgubre moda:
Dança o esqueleto sem crânio!”.

XLVII

“Era um ossário coetâneo
Dos Césares! Catacumba...
Tocam tambor e zabumba
Como se algum sucedâneo
De despachos de macumba.”.

XLVIII

“Antes que também sucumba,
Passo ossadas dançarinas
À luz de vãs lamparinas.
Incólume, deixo a tumba
Vagueando em meio a neblinas.”.


o jogo das línguas de fogo e das águas ferventes

XLIX

“Galgo, após, alvas colinas
E chego a perfeito inferno:
Onde um fogo sempiterno
Em labaredas ferinas
Jorra nas neves do inverno.”.

L

“E frio e calor alterno
Na travessia terrível...
É tremor irreprimível
Em face do horror superno
D’uma dor d’aquele nível!”.

LI

“Murmurava-me inaudível:
‘Alma forte...’ Ou urro cansaço?...
Vapor esguicha no espaço
Junto ao fogo inextinguível,
Enquanto vou passo a passo.”.

a ameaça da boicininga amaldiçoada

LII

“Nova paragem eu passo.
Esta, um deserto sequioso!
Mas aonde ando andrajoso
É semelhante a um regaço
Quando há repouso gostoso.”.

LIII

“Cerca, entretanto, do gozo
Escuto o chocalho cruel:
Boicininga, a cascavel
Me arma um bote perigoso
Com seu sibilado infiel.”

LIV

“Encaro a língua revel
Mais as presas e a peçonha
D’essa criatura bisonha,
Buscando de déu em déu
Outra ventura risonha.”

o convite das donzelas cativas

LV

“Quando me vêm sem-vergonha
Uma após outra as donzelas
Cativas, malgrado belas,
N’um rir que nunca enfadonha
Por prazer tão-só em vê-las.”

LVI

“Tão enternecido d’elas
Junto à sanga de olho d’água
Quis que deixasse de mágoa
Para melhor conhecê-las,
Onde a cachoeira deságua.”.

LVII

“Conquanto me ardesse em frágua,
Mais me contive, perplexo,
Da imaginação sem nexo
Que adivinha a renda à anágua
Cobrindo virginal sexo...”.

o cerco dos anões

LVIII

“Indo para um bosque anexo,
Cercaram-me anões em malta
N’uma valentia incauta
Com tal falar desconexo
Entre animoso e peralta.”.

LIX

“Tentam deter-me na falta
De meios de facto violentos
Com caprichosos aumentos:
Quer volatim; quer pernalta
Vêm, acrobatas, aos centos!”.

LX

“Mas certo de seus intentos
Repito o mote contrito.
Porque já estava escrito
Que mesmo com passos lentos,
Atravessa-se o infinito.”.

o prêmio

LXI

Tudo isso é muito bonito,
Mas aonde irá com tanto?
Sim, fora quebrado o encanto
D'aquele casal maldito
Por um guasca puro e santo.

LXII

Ao despedir-se, entretanto,
Nada aceita para si!
Ruma à vila de Quaraí...
Finda da noz o quebranto
E o sacristão fala ali:

LXIII

-- “Toma a moeda. É para ti.
Lembrança d’essa vitória
Cuja saudosa memória
De quanto vi e vivi
Mereceste em tua glória.”.

LXIV

Ao que responde: -- ”Ilusória
Antes essa vida que segue...
Por mais que isso tudo eu negue,
A Teiniaguá é história!”
Porém guarda a moeda entregue...

LXV

E anos consigo a carregue
Embora amargue miséria!
Como se a nobre matéria
Tivesse azar que persegue
Com força má, deletéria.

o desencantamento

LXVI

Decide gastar qual féria
Em mau negócio de gado.
Esquecendo do passado
Para empreender coisa séria,
Não lembrar atucanado...

LXVII

E aconteceu de ser fado:
A moeda traz outra moeda!
E para si envereda
Todo o rebanho invernado
Em compra rápida e leda.

LXVIII

O outro, contudo, arremeda:
--”Ai-Jesus! É coisa feita!
E não de gente direita..."
Mas o mistério lhe enreda
Fama de vida suspeita.

LXVIX

Diante do caso ele aceita
Volver à só salamanca.
E saúda com voz franca"
O sacristão que lhe aceita,
E bendiz junto a barranca:

LXX

--“A maldição se me arranca
Teu louvado ao Senhor Cristo!”
Tal como fora previsto
-- Ele ameríndio e ela branca --
Formaram um povo misto.

epílogo

LXXI

Ao fim e ao cabo, com isto
Os pais d'essa crioula gente
Um país bem diferente
Lograram-nos por bem-quisto
D’aquele amor transcendente.

LXXII

Resta-nos seguir em frente
Qual soube o guasca fazer
Diante de risco qualquer
Sem temor, ir tão-somente
Pronto p’ro que der e vier...

LXXIII

Assim, se a sorte couber
Todos os desejos teus,
Mesmo perdidos nos breus
Possamos sempre dizer:
--”Mestiços, graças a Deus!”

FOZ DO IGUAÇU - 26 12 2010
 
TEINIAGUÁ - a salamandra do carbúnculo.

o poeta e a sua musa

 
O cenário é este:
É noite e, de frente para o mar, com as ondas a bater nos rochedos, dentro do carro está o poeta e a sua musa encantada. Uma estrela cintilante lá no alto é a única luminosidade que faz peceber os seus rostos, nesta noite quente de verão...nesta noite quente de verão...nesta noite quente de verão...

Poeta - ...ter-te aqui a meu lado é ter o mundo em minhas mãos, os tesouros dos piratas, as arcas escondidas. És a luz do meu caminho, a palavra que se estende ao amor. Sabes que te amo acima de todas as coisas, das leis e da morte. Amo-te muito mais do que um simples milagre. Para mim tu és o sol e a lua amortalhados em...

Musa – Ó poeta, desculpa lá interromper, mas, afinal, viemos para aqui para foder ou para te ouvir dizer poemas?!
 
o poeta e a sua musa

Épico - Cidade dos Condenados

 
Cidade dos Condenados – Parte I

Rosto caído e olhar sombrio
Percorrendo as ruas da cidade dos condenados
Onde tudo é desconhecido
E onde a cruel realidade é visível a todo o instante.
Visão de terror misturado com titulados de horror
Corações sofredores que escondem a sua dor
Onde a revolta e raiva são sentimentos dominadores
Que não permitem a existência de outros sabores…

Cidade dos condenados
Onde impera a lei da bala e do ódio
Em que os incêndios são o prazer do povo
E onde não há futuro…apenas a visão do demónio.

Não quero ver mais a cidade dos condenados
Não a quero para mim….
Tirem-me daqui…

Sonhos destruídos – Parte II

Sonhos destruídos
Lembrados ao som de um novo disparo
Que friamente parou o bater de um coração,
Roubando a esperança de um novo despertar
De uma nova ilusão, de um novo viver, de uma nova emoção.

Sentimento de maldade sobe pelo corpo
Sinal de indignação e de desconforto
Porque não acredito em mim?
E porque me deixei levar pelo lado negro da razão?
O sol já deixou de me brilhar
A noite toma conta de mim, escondendo-me o porquê de me ter deixado levar
Mostra-me a inutilidade humana perdida ao ritmo do vento
E que me faz acreditar que viver é somente um momento.

Sonhos de esperança quero voltar a sentir
Quero me libertar da confusão que me prende
E que me passa a vida constantemente a mentir….

Sentimentos desconhecidos – Parte III

Sentimentos desconhecidos permanecem em mim
Vitoriosos da conquista de toda a minha composição
Dominadores dos meus sinais vitais
De uma forma que não parece ter fim.
Já não quero saber, já nem sei se estou a sofrer
Ou naturalmente a deixar-me morrer
Sonhos já não fazem parte de mim
Álcool e drogas vão alimentando o bater do meu coração
Enquanto espero pelas ultimas horas num canto desta cidade.
Sentimentos, dos quais não me liberto… que desespero
Que me fazem tremer, sentir a tristeza e miséria à minha volta
Como imagem distorcida da vontade do meu coração.

Será isto tudo apenas uma ilusão?
Infelizmente é apenas uma vida de desilusão….

Bomba de Esperança – Parte IV

Bomba de esperança explode na minha cabeça
Nem tudo pode estar traçado para um fim igual a este
A cidade condenada pode se libertar da escuridão que a prende
E os rostos podem voltar a ver a imagem curada deste reino do mal
Haverá força, motivação para quem sempre teve sofrimento como noção?
Já ninguém conhece o seu rosto, já ninguém sabe o seu nome
Já ninguém consegue ver a passagem da luz, em algo tão sombrio.
Porque não tentar?
Porque acabar assim sem lutar mesmo que isso indique o fim?
Porque não ter no meio de toda esta desilusão um rastilho de esperança?

Será que a cidade dos condenados se consegue salvar com uma Bomba de Esperança?
Eu acredito que sim.
 
Épico - Cidade dos Condenados

a merda é uma merda

 
que merda esta merda ser merda, é a merda, mais merda que eu já vi.
escorre merda entre a merda desta merda e não há balde de merda que apanhe a merda solta da merda a crescer na boca de merda que a merda tem.
a merda da censura é a maior merda que já nasceu da merda, e nem o cheiro da merda da rosa cheira menos a merda que a merda que a rosa tem.
bolas de merdas a rolar entre merdas de bolas, engatilham merda no merdieiro mor, morto pela merda que só atira no que não é merda.
eu sou a merda da gabrielas e quero a merda de uma desculpa de merda. mas quero.
quero a merda de uma consequência, nem que seja de merda.
mas quero.
 
a merda é uma merda

a senhora da boca grande

 
a senhora da boca grande soprou a bolha da vaidade, desceu aos ombros do desdém e repousou no umbigo da sua leviandade. atravessou um país vestida de organdi, noiva de seios caídos nas praias da ignorância. em cada cidade abastecia de vénias e palmas e ia engrossando a sua sombra no assalto ao pico da futilidade. subiu ao alto da torre da bajulação e lançou-se num grito autoritário. pensando subir, prendeu o seu vestido branco sujo na nuvem da insensatez e viu-se nua em queda e espanto. desconheceu-se na zoeira inesperada de gargalhadas acidentadas na curva do abismo directo ao chão que a cobriu de terra. acordou tarde demais enterrada num corpo velho e trôpego sem memória ao fundo do quintal da sua lataria. rasteja hoje, na sua humidade, com os dentes debaixo do sovaco. não fala, baba-se.

a senhora da boca grande soprou a bolha da vaidade, desceu aos ombros do desdém e repousou no umbigo da sua leviandade. atravessou um país vestida de organdi, noiva de seios caídos nas praias da ignorância. em cada cidade abastecia de vénias e palmas e ia engrossando a sua sombra no assalto ao pico da futilidade. subiu ao alto da torre da bajulação e lançou-se num grito autoritário. pensando subir, prendeu o seu vestido branco sujo na nuvem da insensatez e viu-se nua em queda e espanto. desconheceu-se na zoeira inesperada de gargalhadas acidentadas na curva do abismo directo ao chão que a cobriu de terra. acordou tarde demais enterrada num corpo velho e trôpego sem memória ao fundo do quintal da sua lataria. rasteja hoje, na sua humidade, com os dentes debaixo do sovaco. não fala, baba-se.
 
a senhora da boca grande

CANTO DA MANHÃ

 
 
Ao longe é possível ouvir, um canto harmonioso, penetrante,
Que vem rebatendo pelas montanhas, num vento faminto.
É Verão nas terras do Norte,
Mas sempre predomina o clima glacial.
São nas manhãs, com o Sol despreguiçado,
Que sua Rainha escolheu para nos deleitar
Com seu cântico nobre.
Fascinante, verdadeiramente esplêndido!
E toda manhã, o povo absorve, aspira,
Toda melodia declamada pela Sua Alteza.
Todos que petrificados, admiram na do alto de sua sacada.
Sua majestade entoa delirante,
Uma canção que faz de seus opositores,
Renderem se a sua Magnitude Real.
Sua Rainha canta para encantar,
Mas, esconde sua dor, sua saudade,
Apenas revelada na discreta lagrima,
Escorrida pelo rosto rosado.
Ela prediz em seu canto,
O desejo de ter seu amado.
Aquele que um dia partiu,
Deixando a lembrança como esperança.
Mas ... logo o dia se estende,
E Sua Rainha como um regente,
Diz ao povo presente:
É hora de lutar minha gente !!!!

(reeditado)
 
CANTO DA MANHÃ

II - O genioso fidalgo Dom Quixote da Mancha

 
II - Segundo episódio que trata da primeira jornada que o genioso Dom Quixote da Mancha fez na sua terra

Vou agora prosseguir
com a minha narrativa
recolhida nos anais
da memória coletiva
ou até em documentos
de pesquisa exaustiva

O leitor ficou ciente
no decurso do relato
como foi que o fidalgo
decadente mas pacato
começou a baralhar
lenda, ficção e fato

Nem o mais abilolado
nunca não tivera antes
a idéia que ele teve
em favor dos semelhantes:
restaurar o resplendor
dos cavaleiros andantes

Quando ele convenceu-se
que seu plano era rotundo
e a moral cavalheiresca
já fazia falta ao mundo
na fazenda onde morava
não ficou nem um segundo

Vestindo sua couraça
com bastante confiança
embraçou a sua adarga
empunhou a sua lança
só pensando em avançar
na estrada sem tardança

Cavalgando satisfeito
com a velha armadura
uma idéia quase o fez
desistir da aventura:
- Não existe cavaleiro
antes da investidura...

Como já não separava
o real da fantasia
nessas horas o velhote
seus problemas resolvia
recordando os romances
que na memória trazia

Pois pra ele as novelas
forneciam um roteiro:
- Tudo posso resolver
ao topar com o primeiro
que quiser me ajudar
me ordenando cavaleiro

E passou a divagar
que um grande escritor
da estirpe de Homero
narraria com vigor
sua saga estupenda
encantando ao leitor

- Não duvido que narrando
minha história verdadeira
ao contar as aventuras
desta jornada primeira
num estilo exuberante
faça por esta maneira:

- O paladino Quixote
de engenho tão subido
o território espanhol
percorria decidido
escrevendo a epopéia
do guerreiro destemido

- Oh, cronista, peço que
em seu relato facundo
lembre que o cavaleiro
que é da Mancha oriundo
sem ter o seu Rocinante
não assombraria o mundo!

Desdizendo o velhote
no decurso desta rota
não estava acontecendo
nada digno de nota
Mesmo o que ele fazia
não daria uma anedota

Esperando encontrar
na estrada um gigante
foi não foi ele apeava
do cavalo Rocinante
com intento de mijar
pra então ir adiante

Por veneta o cavaleiro
escanchando-se na sela
repetia pra si mesmo
a linguagem de novela
imitando do seu jeito
trechos retirados dela:

- Minha doce Dulcinéia
que na hora da partida
aceitou minha viagem
com a alma dolorida
sei que foi aquela dor
a maior da sua vida!

- Se a saudade quiser
prolongar o sofrimento
deixe ser a esperança
o penhor do seu alento
que sem ela nada sou
mas com ela me ausento!

- E com tanta esperança
me levando pra diante
eu prometo, doce amada,
que o primeiro gigante
derrotado em batalha
deixarei a seu talante!

Disparando disparates
feito um doido varrido
Dom Quixote cavalgando
por um trajeto comprido
foi ficando ainda mais
de miolo amolecido...

Depois de desperdiçar
muito tempo em viagem
com o dia terminando
avistou a estalagem
que cansado e faminto
escolheu como paragem

O lugar que encontrou
era um sobrado singelo
mas Quixote absorto
em seu mundo paralelo
presumia estar diante
do mais imenso castelo

O velhote conduzindo
o cavalo pra pousada
conservando a viseira
do seu elmo levantada
viu duas moças na porta
cada qual mais assustada

Totalmente envolvido
pelo mundo das novelas
Dom Quixote presumiu
serem duas damizelas
Refreando Rocinante
foi dizendo para elas:

- Se as moças permitirem
eu explico a que venho
pois da ordem cavaleira
sou um defensor ferrenho
e por damas tão galantes
com mais zelo me empenho

No estado que estava
ele não podia ver
que as duas em questão
eram feias de doer
e discursos empolados
não iriam entender

Sem falar que elas eram
da baixa sociedade
mas Quixote já estando
longe da realidade
enxergava em cada uma
um modelo de beldade

Na presença de figura
tão faltosa de juízo
inda mais com um colete
velho, feio, sujo e friso
essas duas se olhavam
sem poder conter o riso

Quase ficando a ponto
de perder a polidez
mas fazendo um esforço
para se manter cortês
Dom Quixote para elas
foi falando outra vez:

- Nada existe mais afim
com as vossas formosuras
no que tange à etiqueta
que a virtude das mesuras
mas os risos malbaratam
o padrão das composturas

Escutando o discurso
de linguagem rebuscada
e ficando novamente
sem ter entendido nada
elas passaram do riso
para grossa gargalhada

Vendo elas se portando
sem nenhuma etiqueta
e que ambas já estavam
gargalhando com careta
Dom Quixote foi ficando
de cordato pra ranheta

Passariam desse ponto
se não fosse o vendeiro
ir saindo da taberna
caminhando bem ligeiro
para ver se poderia
atender o cavaleiro

Ajudando Dom Quixote
a descer da montaria
mesmo ficando cismado
pelo traje que vestia
indagou se ele estava
procurando pousadia:

- Se o amigo quiser
retardar sua partida
deixe o cavalo comigo
e prove nossa comida
Só não posso oferecer
um lugar para dormida

- Castelão, em humildade
ao senhor não me igualo
Eu tenho plena certeza
que terá o meu cavalo
um distinto tratamento
ensejando seu regalo

- Meu corcel é Rocinante
um cavalo sem iguais
que na liça mais renhida
não retrocede jamais
exibindo o seu valor
em pujanças colossais

Mas o taberneiro viu
que o velho matusquela
tinha só por montaria
um cavalo de Gonela
arriscando se vergar
só com o peso da sela

Sem ter muita paciência
com sujeito extravagante
inda mais fantasiado
como cavaleiro andante
carregou o seu matungo
entregando ao ajudante

Da cocheira retornou
reparando divertido
que as moças com Quixote
já tinham se entendido
ajudando o cavaleiro
para que fosse despido

E na mesa da cantina
sentou-se ao lado delas
conversando com as duas
que chamava de donzelas
Elas o tinham levado
para perto das janelas

E assim foram tirando
a lombada e corselete
pra deixar o cavaleiro
sem o peso do colete
A maior dificuldade
foi tirar o bacinete

Depois de tanto puxar
sem ter visto resultado
Quixote solicitou
que o deixassem de lado
parecendo para todos
um cogumelo sentado

Ele imaginando estar
numa enorme fortaleza
e que estava recebendo
tratamento com fineza
fazia belos discursos
para as damas da mesa:

- Nunca fora um cavaleiro
por damas tão bem servido
como fora Dom Quixote
o guerreiro mais subido
Dele tratavam donzelas
com o melindre devido

Elas foram escutando
sem dar muita atenção
só pedindo que parasse
com a sua explanação
na chegada do momento
de fazer a refeição

No cardápio apresentado
por motejo ou descaso
tinha pão que foi servido
com dois dias de atraso
num pirão de caldo grosso
dentro de um prato raso

E no prato com o caldo
parecendo uma lavagem
disputavam o espaço
agrião, jiló e vagem
com o sal e a pimenta
temperados sem dosagem

Mas pra ele a gororoba
era o mais fino jantar
dizendo que o tal prato
se um rei fosse provar
a receita honraria
o seu nobre paladar

E mesmo que na cabeça
lhe pesasse o morrião
parecendo satisfeito
com a nobre refeição
para as damas ele fez
uma breve confissão:

- As damas vão assentir
que agora eu não minto:
se a fome está na mesa
para ser claro e sucinto
quão difícil é jantar
sem parecer um faminto!

Nisso foi chegando ali
distraído um porcariço
que entrava na taberna
retornando do serviço
assoprando cinco vezes
sua flauta de caniço

Escutando aquele som
(para ele harmonioso)
Dom Quixote confirmou
comovido mas ditoso
que estava no salão
dum palácio suntuoso

Mas estava incomodado
com a tal investidura
pra poder de uma vez
se lançar na aventura
percorrendo a Espanha
na sua cavalgadura
 
II - O genioso fidalgo Dom Quixote da Mancha

Lusitana 1

 
Lusitana

Doutor Viriato

No chão a terra sangrenta
Fica pastosa e encarnada,
E no chão ninguém se senta,
Os corpos mortos são pedaços de nada.

Os de Roma jaziam aos montes
Enquanto os Lusos limpavam as mocas,
Recolhiam os calhaus nos horizontes,
Partiam as espadas como maçarocas…

Alguns saciaram com sangue a sede,
Nada se estraga na matança de um suíno.
Vede! Bradava um, Vede!
A cabeça na mão como troféu genuíno…

Alguns ainda comerem a carne viva,
Que a fartura no luso não era tanta.
Melhor que a fome que os cativa,
Antropofagia é um nome que agiganta.

Nunca os romanos encontraram tal povo;
Que é selvagem até a comer
E o medo perseguia-os, mas eram o ovo
De Colombo! Nunca se podia perder!!!!

Depois da Gália e da Ibéria toda,
O orgulho era a soberba e o defeito,
A Lusitânia parecia estar na moda…
E seria destes o maior feito.

Um homem de barbas e mal vestido
Reuniu os seus homens em quadrado
E ainda ferido
Soltou um grito irado!!!

- Até os comemos!
Esses maricas cheios de metal,
Na terra onde vivemos
Ninguém toca, humano ou animal!!!

- Nos meus montes ninguém toca!
Rugiu novamente com pujança,
E ao faze-lo ergueu a moca
E fê-lo cheio de esperança…

A luta tinha sido dura,
Morreu o seu melhor soldado;
E na noite escura
Uivou, chorou, ganiu, até cair para o lado…

Viriato morava numa caverna
com aprumo arrumada pela fêmea sua.
Deitou-se no chão ferido na perna
E dormiu com ela nua…

No dia seguinte fez-se uma anta
Para o seu melhor amigo.
E todo o seu povo se abraçou, e como quem canta
Uivou, a cumprir o castigo.

P.S. – segundo fontes credíveis (vide Ana Belo – mil e tal… nomes próprios) o nome Viriato vem do celta Viria – bracelete…
 
Lusitana 1

Carta aos cavalheiros ( uma leve influencia do Conde de Rochester)

 
Sinto muito cavalheiros, mas não poderei ajudá-los, pois minha espada é feita de um aço muito nobre, jamais usei minha espada em um confronto com outra, e sinceramente, não pretendo usa-la, para mim, não existe melhor lugar para se guardar uma espada do que dentro uma bainha bem quente e umedecida, e disto eu entendo muitíssimo bem, por tanto cavalheiros, tirem suas mascaras, sinto muito em decepciona-los, mas eu não exerço este oficio, sei que muitos dos cavalheiros aqui presente, sem contar estes, que já estão de saída, sentirão inveja ao me verem em ação, pois sintam, a inveja nada mais é do que o reflexo de suas incapacidades, por não conseguirem extrair o verdadeiro nectar de uma mulher, sinto muito cavalheiros, mas para tal destreza é preciso muito domínio, algo que jamais terão, pois são tão esdrúxulos quanto seus membros, que após um extasie instantâneo, adormecem, deixando suas damas desoladas, encharcando os lençóis de seda, portanto posso afirmar, jamais conseguirão fazer uma dama chorar de prazer, pois farão apenas sexo, um sexo vazio e mundano, jamais conseguirão extrair este nectar precioso, sinto muito cavalheiros, mas para tal magia não existe ensinamento, e mesmo se existisse, jamais aprenderiam, pois são tão limitados quanto suas acrobacias grotescas, mesmo se usassem os mais fortes alucinógenos, a unica coisa que conseguiriam, além de anestesiados, tornarem-se super macacos, pois são exatamente o que são, primatas vestidos, não cavalheiros, não se ofendam, até que não estou sendo veemente, pois se fosse, duvido que chegariam até o final desta nota, estou sendo o mais ameno possível, estou usando palavras simples para que entendam, sei que é difícil acompanhar tal raciocínio, mas que culpa tem este humilde Conde? Se além de toscos, seus cérebros são atrofiados e inerentes ao seus testículos, vai ver que é por isso que ejaculam précosimente, por terem em suas mentes, pensamentos tão vagos e tão pequenos, capazes de caberem em uma ervilha, desculpem minha franqueza, mas minha superioridade em relação a este assunto, comparada com tal ignorância, os deixam em desvantagem, sei que muitos sentirão raiva, pois sintam, a raiva nada mais é do que esta ignorância latejando em suas mentes, mas não se preocupem, a raiva é compreensiva, pois até os cães a tem, já o ódio, este é um sentimento medíocre, então se sentirem ódio, é porque estão em uma escala muito mais baixa do eu que imaginava, se vão gostar ou não de mim, não importa, mas sei que irão lembrar, principalmente na hora em que estiverem espavoridos em cima de uma dama, tentando faze-la chegar ao orgasmo, até mesmo os ilusionistas se lembrarão de mim, e também os ditos super homens, quando acreditarem terem extraido o verdadeiro nectar de uma mulher, sinto muito cavalheiros, mas jamais conseguirão fazer o sorriso de uma mulher se abrir como uma borboleta, e falando nisso senhores, preciso ir agora, tem uma dama esperando ansiosamente por mim, louca para sentir o toque do desejo e mergulhar numa fantasia interessante, onde as rosas extremessem com um simples sopro, onde o céu ao invés de azul, tornasse rubro, impregnado de paixão e volúpia, e o silêncio produz um unico som, o som das lágrimas que choram de prazer.



Sandro Kretus
 
Carta aos cavalheiros ( uma leve influencia do Conde de Rochester)

A Ilha- Rei Arthur

 
A Ilha- Rei Arthur
 
Trecho do livro de minha autoria

A bordo do Corvo

O sol se despedia lá no horizonte, e as primeiras estrelas apresentavam um novo céu onde às velhas conhecidas, Polares, Ursa Maior e Menor davam espaço para outra do hemisfério sul.
Deveriam retornar para o Corvo, pois pernoitar nesta ilha na primeira noite seria imprudente, como também deixar as sós Malenca a bordo. Certamente ter uma surpresa desagradável na manha seguinte, caso partisse com o navio sem Arthur e os cavaleiros, pois a confiança que Arthur havia depositado no capitão Malenca já não era a mesma de outrora.
A bordo do Corvo, a tripulação se maravilhava com um céu de uma negritude carregadas de mistério, e cheio de estrelas. O cartógrafo pôs-se a desenha-as, criando o registro de um mapa estrelar para futuras navegações nesses novos mares a desvendar, e que aos poucos seriam desmistificados da existência de monstros marinhos, e do fim do oceano terminando num precipício.
Um tanto abafado em sua cabine Arthur, foi para o convés, observando de perto o trabalho do cartógrafo, e constatou nos desenhos uma constelação em forma de cruz, voltou os olhos para o céu, e lá estava ela que mais tarde seria conhecida com Cruzeiro do Sul.

Trecho do livro- A ilha( O Espelho Negro)
 
A Ilha- Rei Arthur

Portugal ao contrário

 
Como se pode começar
Aquilo que já acabou
Como se pode acabar
Aquilo que não começou
Triste fado o fado nosso
O fado de um povo triste
Que nem a rezar pai-nosso
Evita este alegre despiste
O de ser ex-povo poeta
Porque virou nobre pateta

Ó meu querido Portugal
Que me dás o dia inteiro
A possibilidade de funeral
E todos os dias de nevoeiro
De afonsos sem qualquer dom
Sem segundos nem penúltimos
Porque agora sobes o tom
De sermos os primeiros dos últimos
Como cantar então a tua glória
Se só na derrota cantas vitória

Deste destino não me livro
De tanto bruxedo e feitiçaria
Narro-te em trovas de um livro
Porque é negra a tua magia
Desfeito dos teus feitos heróicos
Que te dilataram a fé e o império
Agora um punhado de paranóicos
Armados em heróis a sério
Cambada de panascos importantes
Que além do mais são praticantes

Já não acredito em querer
Que um dia vá acreditar
Na fé desse grande crer
Que me possas salvar
E me faças outra vez de novo
Filho de gente que sente
Gente de gente, gente do povo
Do povo de nação valente
E agora vai pior que mal
Numa estupidez imortal

Onde raio estão nossos irmãos
Para onde fugiram nossos amores
A quem dar as nossas mãos
Num país de desertores
Viraram-se todos ao contrário
Fugindo apressados à realidade
Montados neste triste cenário
Sem esperança na saudade
E do amigo ficou o esboço
Do inimigo a apertar o pescoço

Ó Portugal da mensagem
Já sem rosto de Pessoa
De Camões sem linhagem
Sem Porto e sem Lisboa
Virou fantasma o Viriato
Sebastião um morto-vivo
O teu povo no estrelato
Tua pátria um nado-vivo
E já nem o velho do restelo
Te idolatra como camelo

Foste castelos de tantas quinas
De reis e governantes além-mar
E agora hipotecas as salinas
Porque te esquivas ao teu mar
Foste o senhor de tanta guerra
Em busca do além-mundo
E agora enterras a tua terra
Enterrando o machado bem fundo
Que será de ti ó Portugal
Que só de besta se faz bestial

Reina e impera a estupidez
Governa a avidez e a ganância
E de olhos fechados tu não vês
Que a tua prol é ignorância
Que a votar não vota bem
Que a não votar vota mal
Porque o voto vota alguém
Que não te vota Portugal
São votos brancos, votos de chulos
São tudo votos, votos nulos

Canto-te assim o fim do império
Numa poesia de raiva e dor
Que te prova muito a sério
O tanto de tão pouco amor
E que te vê a desmaiar
Em queda tornada coma
Num hospício a tratar
E à venda na vandôma
A Europa desfigura-te o rosto
E o teu vinho sabe a mosto

Ó Portugal moribundo
A afogar-se à beira-mar
Destes mundos ao mundo
Sem o mundo nada te dar
Vais agora de vento em popa
Rumo à morte com certeza
Das migalhas fazes a sopa
Restos cozidos-à-portuguesa
Eis Portugal ao inverso
Lagutrop do meu verso



JSL
 
Portugal ao contrário

Nightmare Before Cristmas

 
a todos um bom Natal com Jack, com Tim ou com o coro Santa Madre de Oeiras...é o que vos desejo! ehehhe! e muito vinho.

enjoy!

http://www.youtube.com/watch?v=Bz2Ho62dVr0
 
Nightmare Before Cristmas

Amor quixotesco

 
Amor quixotesco
 
E rangiam madrugadas em dentes
e rugiam feras em ouvidos
e por dentro floresciam flores
e por dentro um sol de amores
sopravam raios de pendores vãos
escorridos pelas mãos
em um reverbero conflito.

E assim, na revolta que sangra
ao peito, jorro desfeito
nascendo ao "por-se a dentro".

A vida, lápide impaciente,
secciona a veia da pobre Sereia...
que jaz silente à areia
(pálida, esquálida, cálida e feia.)

Hemorrágica areia trágica deste oceano
turbulento, venéreo e purulento...

Óh valor imensamente dado! [ao que não tem fundamento!]

Enquanto, à noite, forceja em passo infinito
ao som um grito parido ao céu.

Que mais é a vida? -Grita o Nada-

Além que um barco de papel à tormenta?

E nós?

Cavalinhos, cavalgando moinhos que ela inventa.

Só mais um murmuro, um último filamento,
antes de deitar-me para não mais acordar,
"acordear" com um ponto final pensamento
o gorjear do que aqui na verdade há:

"Alguém aí tem um band-aid para estancar este imenso hemorrágico sofrimento que acaba de acabar?"

E assim abro um sorriso,
faço tudo o que é preciso
quebro o espelho de narciso
(para ele não se afundar!)

Fico feliz seguindo minha vida.

Quem precisa de ferida?
Com uma vida viva para gozar?
 
Amor quixotesco

A filha da noiva do pistoleiro

 
No faroeste selvagem
de nativo e forasteiro
aconteceram histórias
de enredo aventureiro
Uma delas é A filha
da noiva do pistoleiro

A nossa trama começa
em cidade do Arizona
que é onde um xerife
por uma linda colona
que procurava seu pai
com furor se apaixona

Nós já sabemos que Fred
com a Jéssica se casou
Foi um caça-recompensas
que depois se aposentou
Mas uma filha tiveram
que a sua mãe puxou

No rancho do pai a moça
trabalhava sem fricote
sabendo usar o machado,
o martelo e o serrote
aprendendo com a mãe
o manejo do chicote

Certa feita num salão
Fred estava entretido
esperando que chegasse
na cidade um bandido
quadrilheiro perigoso
só por ele conhecido

Com ele estava o xerife
esperando o bandoleiro
pra dar ordem de prisão
e levá-lo prisioneiro
só precisando que Fred
apontasse ele primeiro

Ele nem desconfiava
que esperavam em vão
O bandido procurado
já estava na prisão
Mas seriam envolvidos
numa outra situação

De repente ali chegou
em um bonito alazão
a jovem filha de Fred
já de chicote na mão
Amarrou o seu cavalo
e penetrou no salão

Vestida como rancheira
parou olhando os presentes
como quem procura alguém
que está entre os clientes
enfrentando os cobiçosos
olhares concupiscentes

E apesar da sua roupa
ser de rancheira singela
seu traje não escondia
a beleza da donzela
que faria um roseiral
chorar de inveja dela

Avistando o pai na mesa
com ele já foi gritando:
- Papai o que você faz
em mesa de bar jogando?
Já faz tempo que estou
na cidade o procurando!

Surpreso ao ver a filha
chegando de relancina
Fred a ela retrucou:
- Não é você na cantina
que não sabe que aqui
não é lugar de menina?

Mas a jovem a seu pai
não conseguia escutar
uma vez que o pianista
(um artista do lugar)
um piano barulhento
não parava de tocar

A moça pediu silêncio
mas ele não quis parar
Nisso o fio do chicote
deu um estalo no ar
e na perna do piano
começou a se enrolar

Com bastante agilidade
a jovem deu um puxão
e a perna enroscada
se partiu no safanão
fazendo todo o piano
cair e quebrar no chão

Demonstrando embriaguês
nas expressões faciais
um mineiro aproximou-se
e com gestos teatrais
gritou para a menina:
- Mas assim já é demais!

O chicote novamente
com força foi estalando
Na garrafa de vermute
que ele estava segurando
com extrema rapidez
foi o fio se enrolando

Para longe do sujeito
a garrafa foi puxada
e batendo na parede
terminou estilhaçada
Todo povo admirou-se
com aquela chicotada

O mineiro incomodado
com aquela humilhação
tentou sacar a pistola
mas ficou na pretensão
que com outra chicotada
a arma saltou da mão

A jovem disse: - Vocês
não sejam tolos assim!
Se 1 outro engraçadinho
quiser atirar em mim
vai levar as chicotadas
rinchar e comer capim!

Numa mesa 1 jogador
disse a ela: - Querida,
aqui é lugar de jogo,
de mulheres e bebida
e a porta da entrada
é a mesma da saída!

Em resposta ao sujeito
nesse momento se ouviu
um estalo de chicote
que no esticar do fio
o charuto aceso dele
num golpe seco partiu

Com aquilo o jogador
por perder a sensatez
foi sacando a pistola
com notável rapidez
pra fazer a mira nela
mas nem isto ele fez

Antes que ele pudesse
sua pistola apontar
levou outra chicotada
que fez a arma voar
Só a mão do jogador
ficou parada no ar

E como se não bastasse
ela enroscou o chicote
na perna da mesa dele
que só cobra dando bote
puxando com tanta força
que ela deu um pinote

Deixando mesa e piano
pelo chão desmantelados
aquela jovem rancheira
com seus modos arrojados
já testava a paciência
dos clientes enraivados

Foi ali que o xerife
fez a sua intervenção
explicando para a moça
que eles tinham razão:
- Você precisa sair!
Não queremos confusão!

- Só vim buscar o meu pai
que só anda desarmado!
Já terminaram seus dias
de pistoleiro afamado!
Não quero vê-lo voltando
para casa embriagado!

- Eu entendo sua queixa,
mas preciso dele agora!
Então peço que você
fique esperando lá fora!
Com pouco dou permissão
pra vocês irem embora!

Palavras não eram ditas
e a jovem já respondia
com mais uma chicotada
no chapéu que ele vestia
que voando para o alto
no meio se repartia

Com maior velocidade
o xerife disparou
e no cabo do açoite
o seu tiro acertou
Finalmente o chicote
da mão de Daisy vuou

Pegando no braço dela
sem qualquer hesitação
o xerife levou Daisy
para fora do salão
querendo ligeiramente
resolver toda questão

- Reconheço ter você
muito boa intenção
Por zelar pelo seu pai
tem minha admiração
mas o zelo pela ordem
é a minha profissão...

Não querendo fomentar
atritos com a donzela
ou mesmo com o seu pai
o xerife por cautela
foi recolher o chicote
e o devolveu pra ela

Perto da porta apartada
ela sentou-se chorando
De repente vislumbrou
um forasteiro chegando
que apeou do seu cavalo
e foi no salão entrando

O tipo mal-encarado
gritou pra todo salão
com um jeito insolente
que chamou a atenção
avisando ao xerife
em tom de provocação:

- Vim aqui para propor
ao xerife aqui presente
um duelo de pistolas
pois no passado recente
levou pra forca meu pai
que estava inocente!

O xerife se erguendo
disse ao desconhecido:
- Para forca ou prisão
já levei muito bandido!
O juiz é quem decide
como alguém será punido!

- Eu declaro a vocês
que a questão é pessoal!
O juiz foi corrompido
e quero um ponto final
decidindo num duelo
de igual para igual!

O xerife achou melhor
para infundir respeito
aceitar esse duelo
e tirar algum proveito
encerrando a questão
com 1 susto no sujeito

Como aquele xerife
era firme em seu brio
foram eles para rua,
ribalta do desafio,
como já era de praxe
no faroeste bravio

Assim disse o sujeito
com seu ar de cafajeste:
- Você está confiante
que pode passar no teste
mas eu sou o mais veloz
dos gatilhos do oeste...

O xerife deu ao tipo
a resposta merecida:
- Meu brio é suficiente
pra defender minha vida
O receio não me dobra
nem medo me intimida!

Com a gente do salão
inteira testemunhando
em tal silêncio os dois
ficaram se estudando
que daria para ouvir
até mosquito passando

A rancheira misturada
com a gente do salão
depois de ficar ciente
de toda a situação
ficou atenta pra ver
o xerife em ação

A tensão tomava conta
daquele breve momento
Parecendo estatuetas
aspirando ao movimento
só o lenço do xerife
se movia com o vento

O estranho confiante
que no tiro era melhor
não fez caso da torcida
do xerife a seu redor
e não tinha em seu rosto
nem um pingo de suor

Quando sacaram as armas
só um deles disparou
Foi o xerife que o tiro
na mão do outro acertou
Ninguém viu pra onde foi
que a arma dele vuou

Foi então que o xerife
disse ao desconhecido:
- Acertei só a pistola
e você não foi ferido!
Espero que considere
o duelo concluído!

Pensando que o sujeito
tinha aprendido a lição
o xerife confiante
virou-se pra multidão
pedindo que todos eles
voltassem para o salão

Todavia o forasteiro
pela vingança movido
ao notar que o xerife
já estava distraído
foi sacando um punhal
no casaco escondido

E sabendo usar a arma
com espantosa destreza
foi arremessando ela
com ataque de surpresa
para não dar ao xerife
uma chance de defesa

Nisso ouviu-se o estalo
de um golpe magistral
do chicote da rancheira
que acertando o punhal
desfazia em pleno ar
seu movimento fatal

O forasteiro pagou
pela sua ousadia
Por atacar o xerife
com nefanda covardia
pelo mesmo foi levado
para uma enxovia

E com Daisy o xerife
ficou muito agradecido
perguntando para ela
se o queria por marido
que bastante satisfeita
aceitou o seu pedido

O FIM
 
A filha da noiva do pistoleiro

DONA BLANCA, RAINHA – a mula sem cabeça

 
DONA BLANCA, RAINHA – a mula sem cabeça
introito
I

Embora muitos já tenham
Se dedicado a escrever
Sobre a mula antes mulher...
E outros mais ainda venham
Fazê-lo por mais saber...

II

Talvez tenha algo a dizer
E eu dizendo alguém escreva
Inclusive o que não deva
Sob pena de se esquecer
Alguma moral coeva.

III

Quando se trova na treva,
Eis que o silêncio revela
Diante de íntima procela:
“Da vida nada se leva,
Sequer a memória d’ela…”.

IV

Não leva aquele que vela
Nem mesmo a angústia das preces
Como na incerteza d'esses
Que semeando sem estrela
Perdem o tempo das messes.

V

Sim, vão cuidar de benesses...
Pois, por trás das causas nobres,
Há sempre as causas dos nobres.
Ou melhor, seus interesses...
E arcas cheias d'ouros e cobres!

VI

Se todos, ricos ou pobres,
Vivendo vida ilusória
De que serve querer glória?
Enfim, por quem soam os dobres
Da existência meritória? ...

o desencantado

VII

Fica, de infeliz memória,
O infante que evocarei
Por tudo que sou e sei...
Lembrarão a triste história
Do que chamaram d’El-Rey:

VIII

-- "Fiquem os erros que errei...
Porquês de porque tão triste...
E minha mirada que insiste,
Face àquela que tanto amei,
Mesmo que o tempo já diste."

IX

"Recitem, de dedo em riste,
Os versos duros que cismo
Em balde, defronte ao abismo,
Sobre o bem e o mal que existe
À espera d’um cataclismo."

X

"Entre esse e o próximo sismo,
Preparado para o pior
Seja mais conhecedor
Dos extremos do egoísmo
Nas desventuras do amor."

XI

"Visto que, em face da dor,
Boas razões todos têm,
Um monstro, a sua também
Mesmo que ele cause horror
A vitimar outros cem.."

XII

"Ser gentil quando convém,
Mas cruel de perverso dom,
É ser mau: Mesmo que o tom
Da voz dissimule bem,
Nunca diz nada de bom…"

XIII

"Como o mais horrendo som
Pôde vir d'uns lábios belos?
Meus mais profundos anelos
Malbaratou junto com
Coroa, escudos, castelos..."

XIV

"Desgostos e desmazelos
Têm me corroído a entranha
Desde que a terrível sanha:
Vi no pior dos pesadelos
A mudança crua e estranha..."

a rainha amaldiçoada

XV

Foi n’um dos reinos d’Espanha
Pelas brumas do medievo
Aquando de régio enlevo
Houvera cousa tamanha
Que recordar mal me atrevo:

XVI

Era infante e após, longevo,
O rei que sombrio enfrenta
Essa lembrança violenta
D’onde o remorso malevo
Tantos anos lhe atormenta.

XVII

A consorte fria e cruenta
Às voltas com sortilégios
Nega sempre os beijos régios...
E, entre esquiva e desatenta,
Cuida de seus privilégios.

XVIII

Entretanto, sacrilégios
Perpetrava com loucura
Pela noite mais escura.
À maneira de aquilégios,
Mas sondando sepultura...

XIX

Dia seguinte, ela figura
Pelo castelo, tristonha.
Crendo real quanto sonha,
Em alheamento procura
Dissipar a hora medonha.

XX

Mas não há quem lhe disponha:
--”Findo o riso, mudo o canto!--
Diz ela, queda em quebranto...
Os pingos nos ís se ponha
Face ao terrível encanto.

XXI

--”Por que ainda sofro tanto?
Mais que triste a minha sorte!
Não que alguém aqui se importe,
Mas, ao menos por enquanto,
Para o amor, antes a morte.”

XXII

“Ou então meu tonto consorte!
Rondando-me os olhos vis,
Por mais e mais infeliz…”--
Mantendo seu nobre porte,
Um outro tanto maldiz:

XXIII

“Suporto-lhe ardor e ardis:
Ele exige um beijo, eu nego!
Quer me abraçar? Não me entrego!
Mas cerca-me de imbecis
Sem nunca me dar sossego…”

XXIV

“Sem embargo, quando chego
Ai de mim, ele me segue...
Malgrado mais eu me negue,
Insiste com seu chamego...
Antes fosse amar um jegue!

XXV

“O tonto, ele antes se esfregue
Nos andrajos d’um mendigo,
A tentar deitar comigo!
Vá ao diabo que o carregue
E esse amor leve consigo!”

XXVI

Chegando junto ao jazigo
Onde enterram uma criança…
Tão longa e só sua andança
Que retorna ao hábito antigo
De esperar sem esperança.

XXVII

Logo lhe vem à lembrança
A maldição repetida:
Sétima filha seguida,
Recebe por triste herança
Estranha forma de vida.

XXVIII

Vive de si esquecida
Certa que a qualquer momento
Viverá o encantamento.
Pelo qual desde nascida
Ela espera um livramento.

XXIX

Porém, firma insano intento
Ao lançar mão de magia,
Crédula que o conseguia
Com feitiços ao relento
Nas névoas da noite fria.

XXX

E, assim, prevaleceria
Sobre o mal com um mal maior.
Decidida a fazer pior
Que tudo que se conhecia
Em acto de extremo horror!

XXXI

Evoca com todo ardor
As obscuras potestades,
Cujas imundas vontades
Induziram-na ao terror
Das ocultas realidades.

XXXII

Submissa a tais entidades,
Arvora-se feiticeira
E igual fera carniceira
Ela usa de atrocidades
Nas noites de quinta-feira.

XXXIII

Ultrapassada a fronteira
Entre a luz e a escuridão.
Seu confuso coração
Entrega-se à derradeira
Das obras de perdição.

no soflagrante

XXXIV

Alta noite volta então
À campa do cemitério
Onde, de semblante sério,
Antes, defronte ao caixão
Dera a uma mãe refrigério...

XXXV

A rainha, no seu mistério,
Logo o caixão desenterra
E àquele corpo se aferra!
Devora-o, n'um transe etéreo,
Com todo o mal que isso encerra.

XXXVI

Mas, enlouquecido, berra
O rei, que oculto no breu,
A surpreende já sandeu.
E juntos, caindo por terra,
Se entreolham para horror seu...

XXXVII

Diante do que aconteceu,
Ouviram n’esse instante
Um relincho lancinante!
Algo que nunca se esqueceu
E nem se soube o bastante.

a transformação

XXXVIII

Assim, d’ali sai errante
A semelhante às jumentas:
Solta fogo pelas ventas
Com suspirar ofegante
Em cavalgadas violentas.

XXXIX

Tem o clarão das tormentas
Mas a cabeça invisível…
Que embora pouco plausível,
Corre as estradas poeirentas
Até o intransponível.

XL

Sem embargo, algo terrível
Atravessa horas vazias...
Longas sete freguesias
Galopava a mais temível
Das sós fantasmagorias.

XLI

Para além das fantasias,
Falam do estranho perfil.
Tem sempre quem diz-que viu,
Fazendo más correrias
Pelos sertões do Brasil.

XLII

E pensar que era infantil
O temor d’aquela infanta…
Tentando agir, agiganta
O mal que sempre serviu
Sob sua púrpura manta.

XLIII

Por fim, a mais sacripanta
D’entre todas as pessoas
Por incapaz de obras boas...
Visto que a não desencanta
A récita d’outras loas.

XLIV

Perdendo as duas coroas,
Toda ao mal foi se entregar.
Com noturno cavalgar,
Deixa Madris e Lisboas
Para distante lugar.

XLV

Nos confins onde foi dar
A acreditam concubina
D’algum padre cuja sina
É os sertões assombrar
Até à luz matutina.

XVLI

Noite após noite, a mofina
Relinchava umas mil vezes!
Perpetrando estupidezes,
Colina atrás de colina,
Ia espalhar longe as reses.

XVLII

Desaparece por meses
Mas volta sempre, certinha,
Quando novembro avizinha.
Qual dizem nos entremezes:
“Anda solta uma burrinha…”

os sertanejos

XVLIII

Mas aquela terra tinha,
Gente audaz e valorosa.
Ouvindo essa antiga prosa
Decide lhe ir, fosse ex-rainha
Ou mesmo de padre esposa.

XLIX

Esperto que nem raposa
É de todos conhecido...
Tão sábio quanto sabido,
Um sertanejo que goza
Da fama de destemido.

L

Diz-que é facto vero e havido
Que sangrando o lobisomem
Ele tornava a ser homem
Como não tivesse sido
Animal que jamais domem:

fanfarronadas

LI

-- "Ainda que grande o tomem
É coisa bem admirável
Que deixe de ser intocável
Enquanto bebem ou comem
Ficando assim vulnerável."

LII

"E de modo comparável
Também esse burro acéfalo,
Como Alexandre ao Bucéfalo,
Eu montarei memorável
Co'a força apenas do encéfalo!"

LIII

"Não é nenhum heptacéfalo...
Ao contrário, p'ra matança
Sem a cabeça se lança!
Caçam-no que nem alcélafo:
Na galopeira se cansa...

LIV

Se lhe sangrar, logo amansa!"
-- Diz, todo metido à rábula
E deitou a contar fábula
Dos doze pares de França
Aos cavaleiros da tábula...

LV

Com tanta conversa pábula
E extrema fanfarronice,
Narrava um disse-me-disse,
Descrevendo outra parábola
À beira já da sandice...

LVI

Quem por acaso o assistisse
Ali, na praça da igreja,
Irrefreável já deseja
Deixar a pacata mesmice
E ir aonde a mula esteja.

o entrevero

LVII

E se assim for, assim seja:
Foram em rancho ao contacto
Onde, de vera e de facto,
Mula sem cabeça veja,
Encarando-a estupefacto.

LVIII

Diante da grandeza do acto,
Toda a alimária da tropa
Bem ajaezada galopa
Para destino inexacto,
Quando com rastro se topa...

LIX

Estava ali sob a copa
De paineira barriguda:
A marca profunda e aguda
D’um coice dado à cachopa
Cortando moita de arruda.

LX

O mistério se desnuda
Logo que a escuridão cai:
Alto relincho lhe trai
E em trote forte a cascuda
Das brenhas da mata sai.

LXI

Cerca e grita: --”Avançai!”--
Se aproximando de roda
Aquela gentalha toda,
De lanças em punho, vai
Lhe cutucar sua coda.

LXII

Um, uma embira enoda,
Outra laçada tentando...
Muito se admiraram quando
O laço fechou em roda
Quase o pescoço enforcando.

LXIII

"Tem cabeça!"-- Saem gritando --
"A gente apenas não vê! ..."
De facto, isso foi mercê
Àquele rosto nefando
Que amaldiçoado se crê.

LXIV

Logo entenderam porquê:
Vendo em seu rosto a desgraça,
Essa maldição se passa...
N'um olhar que acaso dê
A mula que ali se caça.

LXV

Assim, a embira que a enlaça
Faz com que enfim apareça
A sua horrível cabeça
Cujo olhar feroz de ameaça
Os faz recuar bem depressa.

LXVI

Porém, lembrando a promessa
Que o sangue finda o feitiço,
Outro lhe finca o roliço
E corre a sangria espessa
Pondo fim ao rebuliço.

LXVII

Pouco depois de tudo isso
Viram arfar o animal
Que de modo espiritual.
Como mulher cheia de viço
Torna à forma original.

LXVIII

D'uma beleza sem igual
E ultramarina mirada
Não tem lembrança de nada
Esquecida já do mal
E da vida enfeitiçada.

epílogo

LXIX

Cumprida toda jornada
Resta, portanto e por fim,
Concluir, de mim para mim
Toda uma vida passada
Entre horas tristes assim.

LXX

De horas bem tristes sim,
Cuja graça é esquecer...
Exacto por não saber
Aonde que chega, enfim,
Quem nunca soube viver.

LXXI

Tomar tenência é mister
Antes que se acabe o mundo...
Porque a existência, no fundo,
É poesia a se escrever
De dentro d’um eu-profundo.

LXXII

Pois todo o verso é oriundo
Dos sonhos de não dormir.
Possa eu saber no porvir
Não me angustiar pelo imundo,
Malgrado o entenda existir.

LXXIII

Possa algum bem d'isso vir
E seja capaz da dor
Quem, contudo, sonhador
Observava a noite cair,
Após o sol ir se pôr.

Belo Horizonte - 05 05 2011
 
DONA BLANCA, RAINHA – a mula sem cabeça

PACHA MAMA - a mãe Terra

 
PACHA MAMA – a mãe Terra

introito
I
Pelas terras do Peru
Ouvi cantos de ternura
D'uma gente que procura
Com sentimento nu
Acarinhar a Natura.

II
Tem por milenar cultura
Saciar a fome que clama:
Para cada verde rama
A Terra, sã sepultura,
Seu alimento reclama.

III
Ai ai ai ai, Pacha Mama!
Cerca d'esta encruzilhada
Começa a longa jornada
Rumo a terra cuja fama
Desde os Incas recordada.

IV
A terra onde é celebrada
A Pacha Mama, a mãe Terra!
Onde na paz ou na guerra
Antes de seguir estrada
Dons n'uma cova se enterra.

V
Quem de longe se desterra
Deixa à Terra como prenda:
Oferta ao início da senda
Que serpenteia pela Serra
Até chegar onde entenda.

invocação a Pacha Mama
VI
-- "Recebe, oh Mãe, a oferenda
Que em minhas mãos te consagro:
Coca, yicta, vinho e pão magro!
E que cada humano aprenda
Em cada grão um milagro!..."

VII
"Corre nas chuvas o almagro
-- Sangue da terra p'lo chão --
Fertilizando o rincão
Onde só a lhama e o onagro
Têm conosco habitação."

VIII
"Traz ao nosso coração
A abundância do altiplano!
E faz alegre o paisano
Que em teus filhos um irmão
Mire eu sem qualquer engano "

IX
"Urge um amor soberano
D'entre teu ventre materno,
Que vença as neves do inverno
E renove, ano após ano,
Da vida seu ciclo eterno."

lamento cusquenho
X
"Quem fez o quéchua tão terno,
Os homens fez mais risonhos.
Nos cerros frios, os sonhos
Têm dado aos poetas governo
Mesmo que em tempos bisonhos...

XI
Assim escrevem tardonhos
Com versos de nostalgia
Tanta e tão vária alegria
Que mesmo uns olhos tristonhos
Logram enxergar fantasia.

XII
Com as lentes da poesia
Mundos d'aquém e d'além
Indistintos eles veem
A festejar noite e dia
Nas horas de Deus-amém!

XIII
Como nos Andes convém,
Eu mascava yicta com coca
Face à voluta barroca
Que alta arquitrave sustém
E a luz de antigos evoca.

XIV
Flautas na ruas se toca
Pela cidade de Cusco...
São melodias que busco
Aos versos de minha boca,
Nas sombras do lusco-fusco.

XV
Têm um compassado brusco
Havido com arte e engenho,
Que enchem o ar onde desdenho
O espírito tão patusco
D'esse lamento cusquenho.

na trilha dos Incas
XVI
-- "Alto voa! Alma que tenho,
Como os volteios do condor!
Voa mais que o cerro maior
Até terras d'onde venho
Onde deixei vida e amor."

XVII
"Onde deixei o melhor
Que tenho dentro de mim...
Só e inopinado eu vim
Às alturas em redor
A me exigir outro fim.

XVIII
"Vós-outros que amais enfim
Os cantos que antanho fiz,
Ouvi este que vos diz
Das mazelas do confim
Por um dia mais feliz."

XIX
"Perdoai se parecem vis
Ou obscuros estes meus cantos
Que me guiem vossos pés santos
Pelas alturas do país
Aos mais remotos recantos."

XX
"Para andar tantos encantos
Nas trilhas da Cordilheira
Convém, de qualquer maneira,
Antes rezar acalantos
À sombra d'uma figueira"...

XXI
"Do altiplano alta fronteira,
As serranias nevadas
Se estendem pelas estradas
Subindo íngreme ladeira
Através de frias geadas."

XXII
"Junto a profundas quebradas
Anda quem de Cusco sai
E a Machu Pichu se vai
Para dos Incas pegadas
Seguir seja filho ou pai."

XXIII
"Àquele que anda não trai
Pacha Mama, muito embora
Os perigos de cada hora
Ou da névoa que ali cai
E ao caminheiro apavora."

XXIV
"Quase ancestral eis-me agora,
Religado à Terra e ao Céu.
Enquanto do cerro o véu
Logo dissipava a aurora
Que me acompanha o tropel."

XXV
"Paro para no papel
Pôr este caminho em versos,
Recolhendo-me os dispersos
Cantares tidos ao léu
N'este e n'outros universos!"

XXVI
"Lá, era como se imersos
Eu e Deus pela neblina
A ver a que se destina
A vida ainda que inversos
Os dons por sobre a colina."

XXVII
"Deitado em verde campina.
Contemplo o céu mais azul
Que na América do Sul
Se revela após chuva fina
E de chafurdar n'um paul..."

XXVIII
"Lá, no folguedo tribul,
Bailando o Carnavalito
De Pacha Mama o bom rito
Com veste alegre e taful
Celebram para o Infinito."

carnavalito da quebrada
XXIX
O canto humahuaquenhito
Ecoa pelo penhasco!
Festeja esse povo o fiasco
Da morte no alegre grito
Que afasta o olhar do carrasco.

XXX
Assam cordeiros, churrasco,
E se embebedam de chicha.
Lembram do Caludo a rixa
Enquanto com bromas e asco
Desenterravam a bicha!

XXXI
Sem embargo, se azevicha
O boneco d'este diabo
Sempre mais sujo no rabo...
Rastejante lagartixa
Fingindo-se bicho brabo!

XXXII
Enterram, ao fim e ao cabo,
Chamando a celebração
"Domingo de Tentação",
Quando qual cova de nabo
D'ele fazem a doação:

XXXIII
À Pacha Mama enfim dão
No boneco do Caludo
A oferenda e, sobretudo,
Rogam por volver então
Ano que vem a este entrudo.

XXXIV
Bailam e bebem. Contudo,
Alimentam a mãe Terra:
Na cova também se enterra
Da festa um pouco de tudo
E da alegria algo encerra...

grileiros, garimpeiros e ladrões
XXXV
Mas na quebrada da serra
Os ecos d’aquela festa
Vêm aos povos da floresta
Com alaridos de guerra
Contra outra gente molesta.

XXXVI
A derrubar quanto resta,
Da sul-ocidental Hileia...
Na insustentável ideia
Que quase ninguém contesta
Desde a invasão européia.

XXXVII
Uma infeliz verborreia
Que exaltando o Capital
Acima de bem e mal
Como se entidade ateia
De religião racional.

XXXVIII
Onde uma piramidal
Sociedade se sustenta
D'essa riqueza nojenta
Mas inútil se, afinal,
Jamais a todos contenta.

XXXIX
Ao contrário, se apresenta
Como extrema rapinagem,
Que exaure toda a paisagem
E com fúria ultraviolenta
As matas viram pastagem.

XL
Os tesouros da pilhagem
Levam embora deixando
Só miséria e doença quando
O solo exposto à grilagem
Maninho fica esperando...

XLI
Após a floresta arrancando
Seca após seca castiga
A terra que agora abriga
O vazio mais nefando
No lugar da selva antiga.

XLII
Como se fosse inimiga
De tudo o que é bom e belo
Gente que vem no atropelo
Tem co’a Terra eterna briga
D’ela sendo o pior flagelo.

XLIII
Hoje, eu ainda desvelo
Sobre os versos que componho
Quando da fortuna o sonho
Fez terrível pesadelo
E este deserto medonho...

XLIV
Eu ergo os olhos, tristonho,
E contemplo ressequida
A terra antes cheia de vida.
Mas com Pacha Mama sonho,
Rogando alguma saída.

XLV
Se dos Andes a subida
A imaginação transporta
É porque na terra morta
Onde habito está perdida
Toda a luz que me conforta.

XLVI
E tudo que ainda importa
É reduzido a dinheiro...
Teme-se que o mundo inteiro
Por esta via tão torta
Deixe a todos sem sendeiro.

XLVII
E que o valor verdadeiro
Que têm as coisas para o homem
Se veja só quando somem:
Águas que havia de primeiro
Os sóis faiscantes consomem...

XLVIII
Por isso da Terra o abdômen
Ora faminto e sedento
Não gera mais o rebento
Tampouco folhas que tomem
Mais humidade ao relento.

XLIX
Por sob asfalto e cimento
Pacha Mama jaz inerte...
Ainda que em vão eu oferte
Sementes, versos e alento
Talvez o mal não conserte.

L
Rogo a que logo desperte
Após a estação das águas.
E cure todas as mágoas
Por tanta busca solerte
Em tão ardorosas fráguas:

clamor das terras baixas
LI
--“Com novos dosséis e anáguas,
Vem revestir de arvoredos
De novo os planaltos ledos
E o baixio onde deságuas
Os rios com seus segredos.”

LII
“Vem nos livrar d’estes medos
Que têm nos amargurado
Ao buscar do modo errado
De Deus meros arremedos
Em barras de ouro moldado.”

LIII
“Vem lavar tanto pecado
Contra todas as criaturas
E torna de novo puras
Como foram no passado
As almas que tu seguras.”

LIV
“Vem, Pacha Mama, por juras
De novas preces humanas
Trazer a estas terras planas
O mesmo amor que perduras
Nas terras altas peruanas.”

seca na Amazônia sul-ocidental
LV
Estradas interioranas
Seguindo sertões por rumo,
Muitas colunas de fumo
De queimadas nas savanas
Se elevam aos céus sem prumo.

LVI
E depois, calcinado o humo
Só tocos e cupinzais...
Mais pastos, cercas, currais
E lenhas para o consumo
De carvoarias demais!

LVII
Lá, de Pacha Mama os ais
Se escuta por toda a parte...
Onde a terra se reparte
Sobre antigos seringais
Sem que a mão do homem se farte!...

LVIII
Lá, sem beleza e sem arte,
Léguas e léguas cinzentas...
Que d'estas vilas poeirentas
Esconde o céu e, destarte,
A lua e as estrelas lentas...

LIX
Entardeceres magentas
Reluzindo mil fogueiras...
Ardem florestas inteiras
E queimam ultraviolentas
Sumaúmas, castanheiras!

LX
Nada resta das jaqueiras;
Tampouco jacarandás...
Apenas pastagens más
E colonhões nas ladeiras
Com boiadas pastando atrás.

LXI
Do inferno o calor que faz!...
Sem a humidade da mata,
O fogo incêndios desata
E só mais tristeza traz
Enquanto tudo desmata.

LXII
Sobre gente tão ingrata,
Pacha Mama não sorri...
Pois nada mais cresce ali
E a chuva, pouca e sem data,
Como antes nunca mais vi...

LXIII
Tantas terras conheci
Pelo Brasil iguais a esta...
Terras onde alta floresta
A ferro e fogo perdi
Nem pasto ralo ali presta.

LXIV
Ao solo o sol tanto cresta,
Que mais ninguém a semear!
Grandes roças por plantar
A pouca água que nos resta
Vão nos açudes tirar.

LXV
Se a vida não tem lugar,
Pacha Mama silencia...
Resta uma terra baldia
E os homens a penar
Sua existência vazia.

epílogo
LXVI
"Oh doce Mãe, tu que um dia
Nos geraste de teu barro,
Recebe este humilde jarro
Como oferta de alegria;
D'esperança a que me agarro."

LXVII
"Este é um tempo bizarro
No qual de tudo se explora.
A imagem à mente apavora...
Soluço, solto um pigarro
E escondo um rosto que chora."

LXVIII
"As águas se vão embora
Porque tu, Mãe, te ressentes
D'estas matas florescentes
Que tu já não vês agora
Pois das planícies ausentes.”

LXIX
"Mãe, guarda as tuas sementes
Como um tesouro oculto
Até que esse povo estulto
Se liberte das correntes
Em meio a eterno tumulto.”

LXX
“Mãe, que em teu ventre sepulto
Esteja a árvore futura
Até que cresça segura
Sem mais o molesto insulto
Que hoje tanto lhe figura.”

LXXI
“Recebe, Mãe, com ternura
Esta confusa oração,
Feita de só comoção
Diante de tanta amargura
Que me sangra o coração.”

LXXII
“Mãe, abençoa este chão
Com folhas, flores e frutos.
E no labor dos produtos
Dá-nos, Mãe, o teu perdão
Aos olhos de novo enxutos.”

LXXIII
“E que enfim os usufrutos
Que fazemos de ti, Terra,
Guardem a vida que encerra
Teus desejos resolutos
Pelas quebradas da serra.”

Belo Horizonte – 19 09 2016
 
PACHA MAMA - a mãe Terra

Odin....Odin....Odin....

 
Em trono de
Vahalla,
Odin,
Munnin e Huginn,
assentes em seus ombros,
murmurram anseios d´homens,
de eternos lutadores,
esses guerreiros d´Asgard...

Cai valoroso,
pela Espada de Burheinn,
Espadas avermelhadas,
Valquírias carregadoras
de heróis ressuscitados...

Soam sopros de homens
entoados em clamor
deste eterno Lutador!

Gritam Cornos
à partida da Dor!

Homem Renascido
que enfrentas o Temor
destes Heróis Perdidos
Adormecidos pela Dor!

Francisco Canelas de Melo
 
Odin....Odin....Odin....

Incompreensão

 
Ultimamente comecei a trumbicar: balanço pra frente e caio para trás. Hoje dei até uma giradinha na malemolência ; o distinto, sempre colado a mim, segurou-me pelo braço. Minha filha assistiu a cena e perguntou nervosa:
– O que foi? O que foi?
O distinto respondeu com desprezo:
– Ela deu pra isso, agora!
Resolveram que eu devia deitar (detesto!) e lá fiquei eu esticada em minha cama, pensando na vida. Minha filha, carinhosamente, sentou-se ao meu lado e perguntou
– O que está sentindo, mãinha? Está triste?
Daí eu, compungidamente, suspirei e afirmei:
– Estou pensando nas coisas que eu não tenho mais...
– Credo, mamãe!
– É sim! Depois que vim para Aracajú, não tenho mais (e comecei a contar nos dedos) – não tenho mais enxaqueca, não tenho mais falta de ar, não tenho mais dores reumáticas e não tenho mais que pintar os cabelos porque o distinto jura que eu estou linda de cabecinha branca e eu acredito nele – meu amor jamais mentiu e não há de ser agora que comecemos a nos enganar.
Tudo isto melhorou a vida. É uma delícia quando dançamos juntinhos ou, lembrando o velho swing, damos uns passinhos maneirosos.
– Mamãe! – disse minha filha, rubra, quase apoplética – quando você quiser dar um show completo, reúna a família toda, ouviu? Tremelique, bambeie pra todo mundo, porque, pra mim – CHEGA! – e saiu, batendo a porta.
 
Incompreensão

Francisco e Victória

 
I

Vou contar sobre dois jovens,
Na escola começa a história,
Quando no início do ano,
Francisco conhece Victória.

Naquela sala de aula,
Ele conhece seu amor,
Sem imaginar o destino,
Ele segue sem temor.

Victória teve surpresas,
Fazia tempo que não amava,
E na sala conheceu Francisco,
Ela nunca imaginava.

Ela foi muito simpática,
Já Francisco era mais frio,
Mas logo amoleceu,
Logo também sorriu.

Apavorado ficou Francisco,
Olhou, sonhou e imaginou,
Depois de a aula acabar,
O jovem então pensou:

“Tanta beleza num só corpo,
Como pode ela existir?
Que moça maravilhosa,
Não consigo resistir!”

“Que morena agradável,
Que sorriso mais brilhante!
Seu perfume é muito doce,
Seus olhos são diamante!”

Com algo ele não contava,
Algo que ele não sabia,
Quando Victória o conheceu,
Seu coração forte batia.

Francisco dormiu pensando,
Sonhou com a bela moça,
Com sua boca de morango,
Com sua pele feita de louça.

Victória ao mesmo tempo,
Dormir ela não conseguia,
Enquanto a paixão brotava,
Em seu diário ela escrevia:

“Conheci um belo jovem,
Acho que estou amando,
Ele é alguém diferente,
Já estou me acostumando.”

“Ninguém pode ter noção,
Do tamanho desse encanto,
Quando olho nos olhos dele,
Meus problemas na hora espanto!”

Sonharam um com o outro,
Naquela noite sem calor,
Imaginavam ambos no paraíso,
Compartilhando um forte amor.

No segundo dia de aula,
A situação então melhorou,
Victória teve coragem,
E a Francisco acenou.

Era o início de toda história,
De tudo que aconteceu,
Agora os dois estão presos,
No futuro que Deus escolheu.

Os dois conversaram então,
O recreio juntos passaram,
Perguntaram sobre a escola,
Sobre a vida dos dois falaram.

Com o tempo tudo aumentou,
O amor então nasceu,
Os dois se apaixonaram,
Foi assim que aconteceu.

Mas tinha um grande problema,
Algo para atrapalhar,
Nenhum tinha coragem,
De o amor então confessar.

Ambos com o mesmo problema,
Pensaram em se declarar,
Mas o maior medo dos dois,
Era fazer tudo desabar.

Esse foi só o começo,
De Francisco e Victória,
Mas logo contarei mais,
Depois continuo a história.

II

O tempo foi passando,
E eles apaixonados,
Sem um saber do outro,
Os dois ficaram parados.

Esqueceram então a paixão,
Que foi ficando de lado,
Guardaram tudo em segredo,
Pra ninguém sair machucado.

Amigos então se tornaram,
Com medo de a relação destruir,
Os dois se acertavam muito,
Não podiam se iludir.

A paixão que eles sentiam,
Ambos tentaram ocultar,
Como amigos se amariam,
Mas a si mesmo não pode enganar.

Então os dois foram amigos,
Gostavam de se homenagear,
Então do nada Francisco,
Começava a ela falar:

- Conheço uma linda dama,
É uma menina tão bela,
É morena e delicada,
Victória é o nome dela!

- Essa mesma bela jovem,
Para meus defeitos não liga,
Pois acima de todas as coisas,
Ela é minha a amiga!

Quando Francisco falava assim,
Victória ficava se preparando,
Quando ele acabava,
Ela chegava recitando:

- Francisco, meu querido,
Com quatorze anos te conheci,
E depois desses momentos,
Nunca mais te esqueci!

- Para sempre te amarei,
Com você não falta nada,
Você sempre me completa,
E me sinto muito amada!

Mas depois de alguns meses,
A paixão foi esquecida,
Ela ainda existia,
Mas não era percebida.

Victória de vez em quando,
Algum namorado arrumava,
Mas sempre durava pouco,
E o Francisco já não gostava.

Às vezes ela gostava de algum,
E para Francisco contava,
Ela perguntava – O que acha?
Então em voz alta ele falava:

- Vamos ver então a foto,
Esse é teu namorado?
Eu não gosto desse cara,
Muito menos do penteado!

- Olha a cara de malandro,
Deve ser um sem-vergonha,
É um grande ignorante,
Que escolha tão medonha!

- Imagina esse sujeito,
Nem estudo deve ter,
E acima de todas as coisas,
As roupas dele devem feder.

Ele dizia de tudo,
Chamava o cara de estrume,
Dizia que era pro bem,
Mas na verdade tinha ciúme.

Victória ficava brava,
Chamava-o de bobão,
Mas no fundo ela sabia,
Que ele tinha razão.

Francisco por sua vez,
Muito também se enganava,
Achava alguma menina,
E dizia que já amava,

Victória ficava sabendo,
E logo já se endoidava,
Então em tom de briga,
Ao Francisco ela falava:

- Essa vaca não vale nada,
Espere um pouco pra ver,
Ela é uma gaveta,
Você deve reconhecer!

- Não faça papel de tolo,
Ela não está te merecendo,
Ela é uma traíra,
E sua cabeça está fazendo!

Assim como os de Victória,
Os namoros dele não duravam,
Mas ambos eram tolos,
Isso eles nunca negavam.

Não importa o que acontecia,
Ficavam juntos depois,
Se amando continuavam,
Era lindo o amor dos dois.

Francisco e Victória,
Acabavam sempre ligados,
Dizendo que eram amigos,
Mas no fundo apaixonados.

III

Eles se amavam muito,
Era algo fenomenal,
Mas às vezes brigavam,
E ficavam um tempo de mal.

Ambos eram sensíveis
Bastava um mal entendido,
Bastava uma briguinha,
Para um sentir-se ferido.

Não era nem implicância,
Faziam isso sem querer,
Apenas os dois tinham medo,
De pra sempre o outro perder.

Quando Francisco saía falando,
Algo que ela não gostava,
Victória então ouvia,
E apontando o dedo gritava:

- Por que é assim tão bobo?
Você é um cara tão chato,
Prometo pra ti Francisco,
Um dia ainda te mato!

- Nada é o que você vale,
Não agüento mais te ouvir,
Para de falar besteiras,
Ou da sua vida eu vou partir!

Francisco ouvia tudo,
Os braços já ia cruzando,
Esperava ela acabar,
Depois dizia exclamando:

- Não me importo com você,
Cansei de te ouvir reclamar,
Se é assim que tem que ser,
Eu nunca mais vou te amar!

- Eu estava contigo brincando,
E você já se ofendeu,
Fez tempestade em copo d’água,
Você nunca me entendeu!

Os dois ficavam com raiva,
Se olhavam como animais,
Então Victória dizia:
- Não me olhe nos olhos mais!

Cada um seguia seu rumo,
Com o coração em pedaços,
Pedindo a Deus do céu:
“Refaça os nossos laços!”

Os dois ficavam acabados,
Mas nunca se entregavam,
Diziam – Eu estou bem!
E que nunca se importavam.

Francisco chorava muito,
Erguia ao céu a mão,
Ajoelhado em sua cama,
Pedia ao pai então:

“Se um dia eu pequei,
Meu Deus, então me castigue!
Mas por favor, eu imploro,
Victória de mim não tire!”

“Eu amo tanto a menina,
Não deixe isso acontecer,
Minha vida sem seu carinho,
É como o sol escurecer!”

Em outro canto da cidade,
Victória também chorava,
Com o travesseiro no rosto,
Sozinha ela pensava:

“Não sei como será agora,
Viver sem meu grande amor,
Sem ele não sou feliz,
Sem ele só sinto dor!”

“Esteja onde estiver,
Francisco escute minha voz,
Eu te amo e te amarei,
E quero o melhor pra nós!”

Então passavam os dias,
A situação continuava,
Só dor e muito choro,
Até que um dia tudo voltava.

Os dois se encontravam então,
Simplesmente se abraçavam,
O sol voltava a brilhar,
Passarinhos de novo contavam.

Os dois de novo amigos,
A alegria retornava,
Depois de um forte abraço,
Victória então falava:

- Francisco meu querido,
Que bom que tudo melhorou,
Com esse abraço apertado,
Minha vida feliz voltou!

- Não vivo mais sem você,
Perdão se contigo briguei,
Mas saiba que acima de tudo,
Eu sempre, sempre te amei!

Francisco ouvia tudo,
Depois o mesmo fazia,
E com sorriso no rosto,
Ele alegre logo dizia:

- Não se preocupe Victória,
Eu também muito errei,
Então por favor, perdoe-me,
Se contigo um dia briguei!

- Escute com atenção,
Eu sei que você sentiu dor,
Victória não mais te largo,
Tu és o meu grande amor!

Depois desses episódios,
Toda a alegria retornava,
O amor que um dia existiu,
Agora em dobro estava.

Por anos então foi assim,
O amor só aumentava,
E a paixão sempre existiu,
Mas pra si cada um guardava.

IV

Os amigos de Francisco,
Diziam que ele devia,
Falar sobre a paixão,
Dizer tudo que queria.

Mas ele nunca fez isso,
Pra depois ele deixava,
O tempo ia passando,
E Francisco nunca falava.

A garota também não fazia,
A paixão nunca entregava,
Nenhum dava iniciativa,
Por isso nada mudava.

O tempo logo acelerou,
O amor sempre aumentando,
Francisco e Victória,
Sempre juntos andando.

Passou então cinco anos,
Os jovens logo cresceram,
Francisco e Victória,
Agora amadureceram.

Brigavam e se acertavam,
Sempre assim iam levando,
Mas uma coisa era certa,
No final estavam se amando.

Agora com dezenove,
Tudo continuava em paz,
Victória uma bela moça,
Francisco um grande rapaz.

Depois de todo esse tempo,
Os dois continuam a amar,
Então Francisco pensou:
“Eu devo me declarar!”

Victória ficou mais linda,
Agora uma mulher,
Francisco apaixonado,
Ela é tudo que ele quer.

Ele observava a menina,
Fundo nos olhos olhava,
Ele sentia a paixão,
Que aquele olhar expressava.

Como poderia ser,
Francisco imaginava,
Sorrindo e a ela olhando,
Ele sozinho pensava:

“Que cabelos magníficos,
Parece uma sereia,
Imagina eu e ela,
Passeando juntos na Areia!”

“Que corpo escultural,
Que curvas maravilhosas,
Você é morena linda,
A pessoa que darei rosas!”

“Garota te amo tanto,
Venha ser feliz comigo,
Seja a minha mulher,
Não quero ser só seu amigo!”

Coisas lindas todos os dias,
Victória também imaginava,
Encarando o belo Francisco,
A garota logo pensava:

“Homem da minha vida,
Eu sei que me amas também,
Eu quero você só pra mim,
Eu quero ser sua, meu bem!”

“Francisco, meu doce Francisco,
Venha sentir meu sabor,
Entrego-me de corpo e alma,
Eu sou sua, meu amor”

Assim passavam o tempo,
Até que Francisco pensou,
Então depois vou contar,
O plano que ele bolou.

V

Francisco criou coragem
Então resolveu contar,
E agora como fazer?
Eles precisam se encontrar.

Francisco falou com ela:
- Victória quer me encontrar?
Vamos tomar um Sorvete,
E uma coisa quero falar.

Ela logo aceitou,
Combinaram como seria,
Na terça-feira de tarde,
Na praça da sorveteria.

Francisco ficou feliz,
A Deus logo agradeceu,
Comprou um botão de rosa,
E um cartão ele escreveu:

“Victória,vou te contar,
Sempre fui teu amigo,
Eu sempre escondi a paixão,
Mas agora não mais consigo!”

“Agora amor eu te peço,
Te peço, minha amada...
Victória você aceita,
Ser minha namorada?”

Ela também muito pensou,
Desenhou um coração,
Logo que fez recortou,
E dele fez um cartão.

Nenhum sabia que o outro,
Pretendia se declarar,
Ambos se prepararam,
Para tudo ao amor falar.

Chegou então o dia,
Francisco se perfumou,
Colocou uma bela roupa,
E o cabelo penteou.

Victória passou batom,
Colocou um lindo vestido,
E usou também o perfume,
Por Francisco preferido.

Francisco saiu mais cedo,
Esperou sentado à praça,
Ensaiando sua fala,
Enquanto o tempo passa.

Avistou então Victória,
Que vinha lá na calçada,
Francisco então levantou,
Pra esperar a sua amada.

Victória enxergou Francisco,
Logo saiu correndo,
Pensando em seu amor,
Um erro foi cometendo.

Um veículo vinha de longe,
Este vinha correndo,
Francisco se apavorou,
Ao ver nela o carro batendo.

A batida foi muito forte,
O motorista na hora fugiu,
E vendo tudo embaçado,
Victória no chão caiu.

Quando Francisco viu tudo,
Viu a moça ensangüentada,
Logo saiu correndo,
Em direção a sua amada.

Chegando perto da moça,
A mesma quase morrendo,
Ele com os olhos molhados,
Ela foi logo dizendo:

- Meu amor, seja rápido,
Meu tempo está acabando,
Diga tudo duma vez,
Pois Deus está me chamando!

- Victória eu te amo,
Sempre fui apaixonado,
Desde o primeiro olhar,
Sonhei em ser seu namorado!

- Victória, minha deusa,
Eternamente te amarei,
Vou seguir a minha vida,
Mas fiel a ti serei!

Victória estava fraca,
Seu sangue escorrendo no chão,
Devagar pediu a Francisco:
- Segure a minha mão!

- Francisco agora te deixo,
Perdoe-me doce amor,
Agora tenho que ir,
Não esqueças do meu calor!

- Francisco te digo adeus,
Perdão se um dia falhei,
Um dia vais me encontrar,
Saibas que sempre te amei!

Aos poucos os olhos dela,
Foram pra sempre fechando,
A última coisa que viu,
Foi Francisco por ela chorando.

Sua mão perdia as forças,
Aos poucos enfraquecendo,
Soltando a mão de seu amado,
E seu corpo adormecendo.

Parava os movimentos,
De seus dedos e do seu ventre,
Então a partir de agora,
Victória dormiu pra sempre.

Francisco olhou pro céu,
Seu coração estava a pular,
Chorando como criança,
Começou então a falar:

- Deus, meu Deus do céu,
Por que estás me castigando?
Levaste minha amada,
E me deixaste aqui chorando!

- Victória, minha vida,
Não posso me acostumar,
Quando tudo estiver ruim,
Não tenho você para me acalmar!

- Victória, meu amor,
Tiraram você de mim,
Agora há pouco estava viva,
Por que tem que ser assim?

- Adeus minha morena,
Aqui termina nossa história,
Adeus meu eterno amor,
Adeus doce Victória!
 
Francisco e Victória

I - O genioso fidalgo Dom Quixote da Mancha

 
Apresento um herói de epopéia
como aqueles que havia no passado
ou somente um maluco apaixonado
pela sua princesa Dulcinéia
Dom Quixote empenhado na idéia
de fazer o retorno dos andantes
confundiu os moinhos com gigantes
sempre junto de Sancho o escudeiro
se tornando o bizarro cavaleiro
no maior personagem de Cervantes

I - Primeiro episódio que trata de como um fidalgo sonhador se transformou no último cavaleiro andante

Num vilarejo da Mancha
dos tempos de antigamente
vivia em uma fazenda
um fidalgo decadente
que de amigos e vizinhos
era em tudo diferente

Sem jamais compartilhar
interesses com seus pares
repetia relutante
as rotinas regulares
se mostrando entediado
entre bailes e jantares

Vestia trajes decentes
mas modestos no valor
Tinha um velho pangaré
e um galgo corredor
O que mais o comprazia
era ser madrugador

Seu repasto eram ovos
com torresmo na farinha
Carne, queijo e batata
já faltavam na cozinha
Nos domingos escapava
com um caldo de rolinha

Dizem que este manchego
com sua vida discreta
por uma tal de Aldonza
nutria paixão secreta
sem cupido nunca ter
acertado nela a seta

Convivia em sua casa
com sua jovem sobrinha
uma velha empregada
prestimosa e sozinha
e um moço responsável
por tarefa comezinha

Era um cavalheiro magro
beirando cinquenta anos
começando a mostrar
nos atos cotidianos
toda aquela rabugice
natural dos veteranos

Seu provável sobrenome
era Quixana ou Quezado
mas importa é sabermos
que o fidalgo mencionado
tinha tempo até sobrando
pra ficar desocupado

Certo é que a gerência
da fazenda esquecia
e perdia o interesse
em caçada ou pescaria
quando começava a ler
livros de cavalaria

Fascinado por novelas
de cavaleiros andantes
tinha livros a granel
atulhando as estantes
onde vinha reunindo
traças, grifos e gigantes

E por sempre aumentar
o seu tempo com leituras
cada vez gastava mais
em cadernos e brochuras
precisando mais dinheiro
pra arcar com as faturas

Com as grandes coleções
consumindo sua renda
resolveu por desatino
demarcar e por à venda
para quem pagasse mais
partes da sua fazenda

A sobrinha se alegrava
sempre que chegava o dia
de ver o seu velho tio
indo pra barbearia
ou no rumo da igreja
pra ouvir a homilia

Acontece que o fidalgo
com o cura e o barbeiro
só falava em romances
por ficar o dia inteiro
discutindo qual seria
o mais nobre cavaleiro

Por um tempo cogitou
escrever sua novela
com gigante, feiticeiro,
sem faltar uma donzela,
e também um cavaleiro
para ser vassalo dela

Seu intento era mostrar
triunfando em campanha
um guerreiro até maior
que El Cid na Espanha
mas trocou a narrativa
por idéia mais estranha

Por encher sua cabeça
com tanta coisa que lia
e ficar toda semana
trocando noite por dia
pouco a pouco se deixou
mergulhar na fantasia

De tanto ler e reler
novelas e coisas tais
foi ficando convencido
que elas eram reais
e a fantasia dos fatos
já nem separava mais

A empregada servindo
a farofa com torresmo
certa feita o escutou
dizendo para si mesmo:
- Na condição de fidalgo
eu estou vivendo a esmo!

Ele ainda prosseguiu
dizendo em sua loucura:
- Quero ser um paladino
indo atrás de aventura
e vou me tornar famoso
por meus atos de bravura!

A sobrinha igualmente
deparou com o seu tio
de pé em cima da cama
num completo desvario
quase não acreditando
nas coisas que ela viu

Empunhando o seu bastão
qual se fosse uma espada
dava golpes na parede
deixando ela riscada
Ela viu o destrambelho
mas não entendia nada

Foi não foi ele dizia
um e outro disparate:
- Já deixei 4 gigantes
derrotados em combate
mas não é com o cansaço
que um soldado se abate!

Foi então que decidiram
retirar do seu alcance
todos livros com o tema
de novela ou de romance
calculando que depois
não teriam outra chance

Todavia elas ficaram
sem saber o que fazer
quando ele sorrateiro
começou a se esconder
sempre com a intenção
de continuar a ler

Certa feita procurando
esconder-se um momento
no porão da sua casa
encontrou o armamento
que o saudoso bisavô
conservou do regimento

Encontrou um chifarote,
uma adarga, um cinturão,
as ombreiras e as grevas,
o gorjal e o morrião,
os coxotes e manoplas,
e a lança espontão

Completava uma couraça
bolorenta e amassada
que apesar de apresentar
leves manchas na lombada
pelo seu tempo de uso
reputou por conservada

Experimentou o traje
que ficou meio folgado
mas na sua fantasia
tudo estava ajustado
como se ele já fosse
um guerreiro do passado

Pela falta de viseira
no seu velho morrião
ele improvisou a peça
recortando um papelão
amarrando com arames
como a grande solução

Ao olhar-se no espelho
com aquela armadura
novamente acendeu-se
a centelha da loucura
decidindo nessa hora
se lançar na aventura

- Cavalgando meu corcel
marcharei numa campanha
reparando as injustiças
dessas terras de Espanha
pra honrar os cavaleiros
em mais de uma façanha!

No momento que estava
essas coisas cogitando
de repente escutou
o cavalo relinchando
como se o matungão
estivesse lhe chamando

Convencido que já era
um guerreiro de novela
foi até seu pangaré
colocando nele a sela
enxergando um corcel
no matungo magricela

Quis montar com altivez
imitando a narrativa
mas depois de repetir
mais de uma tentativa
a subida por um mocho
foi melhor alternativa

Já montado no matungo
decidiu ser importante
só chamar o seu corcel
por um nome elegante
e de tantos que pensou
o melhor foi Rocinante

- Sairei no meu cavalo
viajando em toda serra
Um perfeito paladino
a cruzar por essa terra
e Dom Quixote da Mancha
será meu nome de guerra!

- Meu intento é honrar
os que já vieram antes
restaurando o apogeu
dos cavaleiros andantes
sendo o mais prodigioso
em façanhas relevantes!

Como todo cavaleiro
tem por musa a donzela
a quem ele considera
a mais virtuosa e bela
o fidalgo já sabia
que Aldonza era ela

Mas pensando que a moça
tinha um nome embaraçoso
preferiu chamar a musa
Dulcinéia de Toboso
que na sua opinião
ressoava harmonioso

Tendo o nome escolhido
e trajando a armadura
com desejos de fazer
grandes atos de bravura
Dom Quixote decidiu
se lançar na aventura

A sobrinha avistando
o figalgo na estrada
cavalgando com o traje
disse para a criada:
- Ele nem nos avisou
onde é a mascarada...
 
I - O genioso fidalgo Dom Quixote da Mancha