Há dias que o mundo me esquece,
e eu esqueço de mim também.
me olho no espelho e não vejo ninguém —
só um vulto que fuma onde a alma não tem.
o sol nasce e eu desvio,
como quem foge de um tiro.
levanto pra cair de novo
no abismo raso do meu próprio suspiro.
o café esfria.
o tempo ferve.
ninguém pergunta se eu tô bem,
porque já sabem — a resposta serve.
minha cama é trincheira.
minha mente: um campo minado.
cada pensamento pesa quilos.
cada sorriso é ensaiado.
já pensei em pular da janela,
mas moro no térreo.
só ia cair de pé e seguir em frente,
o que dói mais do que cair de cabeça.
a lâmina me olha da pia
como quem diz: "vem".
e eu respondo com um cigarro,
tentando morrer mais devagar que convém.
há noites que duram três dias,
e manhãs que nunca começam.
meu corpo pesa mais que o planeta,
meu peito carrega guerras internas.
amigos? sumiram.
família? silencia.
o celular vibra, mas não é ninguém —
é só a bateria pedindo pra morrer também.
não tem choro, não tem grito,
só um silêncio grosso e contínuo.
viver, às vezes, é respirar devagar
esperando que acabe sem muito barulho.
e quando dizem que "vai passar",
eu só penso: o quê? eu ou a dor?
porque, de verdade, já nem sei
qual dos dois grita mais alto em mim, amor.
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