CARTAS EM MINHA GAVETA
Tenho antigas cartas em minha gaveta
Sim cartas antigas com antigos dilemas
Com velhas dores e poucas vitorias
Tenho antigas cartas em minha gaveta
Escritas com emoções passadas que nunca
se repetiram
Só a tristeza sempre volta
A alegria?
As vezes...
As vezes
Tenho antigas cartas em minha gaveta
Com histórias reais de outros tempos
Vividas por pessoas que já não existem mais
Não somos mais os mesmos
Não somos mais aqueles
Não sabemos mais daquelas coisas
Não sabemos mais nada...
Tenho antigas cartas em minha gaveta
Um pequeno pacote de passado escrito
Uma pessoa que não tenho forças para entender agora
as recebeu
Uma pessoa que não sei mais como é as escreveu
Tanto tempo...
Tantas memórias ...
Tantas dores...
Tenho antigas cartas em minha gaveta
Não consigo reler nenhuma...
Não consigo voltar tanto...
Leio pequenos trechos e os olhos marejam
Leio pequenos trechos e as memorias dominam
Antigas cartas na minha gaveta...
Não posso lê-las ...
Ainda não.
DIÁRIO DE AREIA
Já escrevi palavras na areia
Sabia que o mar viria busca-las
Já desejei delicias mundanas
Jamais foram minhas
Não conheci terras exóticas
Nenhum jardim inglês pra mim
Nada de índia misteriosa
Sem Nemo sem Nautilus
Mas cantei canções no escuro
La onde ninguém podia me ouvir
Onde a lagrima é só lagrima e sempre cai sozinha
Eu já encobri obscuros segredos
Medos exóticos
Medos inconfessáveis
Medos infantis
Só medos...
Sempre os medos
Eu já bradei em batalhas ferozes
Derrubei homens
Os vi derrotados
Os vi moribundos
Não chorei por eles
Em verdade... nunca chorei
Eu já deixei meu ódio pra traz
Eu o dei as flores
Enterrei fundo num canteiro de rosas
Mais tarde o vi voltar pra mim
Eu já fui zumbi sem alma e sem amor
Já fui bêbado, um ébrio errante gritando meu amor impossível pra lua.
Eu já sonhei com anjos
Já sonhei com pergaminhos
E livros que ninguém escreveu
Eu já perdoei ofensas imperdoáveis
E reagi com fúria diante de deslizes insignificantes
Já matei...
Já fui morto...
Caçei.
Fugi...
Eu já trouxe sabedoria de lugares místicos
Já espalhei tolices de metrópoles insípidas
Já fiz política
Já fiz amor
Já fiz... de tudo
Eu já quis que ela soubesse se do meu destino
Já escondi dela minha presença
Amor e dor... juntos em meu peito
Eu já afoguei velhos sentimentos em vinho barato
E narrei em poemas tão loucos que não pareciam meus
Já chovi sobre cidades que nunca me entenderam
Eu já parti
Já estive longe
Voltei e ninguém sabe
Escrevo palavras na areia
Olho o mar
Aguardo.
A CANÇÃO DA ESPADA
A noite da treva extrema chegou
O brandir das espadas não te desperta?
Num circulo de tochas desce a legião
Horror nos olhos...gosto de sangue na boca
E seus amigos onde estão?
Meu amigo é minha lâmina que a tudo corta sem perguntar por que...
A morte dança no campo esta noite
Sorriso bizarro em sua face nua
A morte sabe quantos irão com ela
A morte espera você também
Brandir de espadas e calor das chamas
Corte na carne gritos na garganta
Você pode ouvir a canção da espada?
Pode entender o que ela diz?
No fim de tudo só resta a lâmina
No fim de tudo é só silêncio
ELE ROSNA NAS TREVAS
O segredo lhe escorre entre os dedos
Nuvens cobrindo o céu esta noite
Nenhum luar... nenhuma luz
A quanto tempo ele sabe?
Escondendo seu medo em copos grandes...
Afogando sua dor em qualquer bebida!
O mundo clama pela vítima que ele pode ser
O mundo aguarda faminto...
E vai ter mesmo que aguardar
Do poço profundo ele olha ...
Do vazio que segue o vazio ele olha
O mundo espera...
Aguarda sua dor, seu choro, sua hora...
E ele?
E ele?
Ele rosna em resposta!!!
JANNUS LOBO
TAMBÉM OUVI O LEÃO !
A cidade acordou quando a verdade aprendeu a rugir...
E havia fugas nas avenidas vazias das periferias sujas pra onde ninguém foi
O fogo se espalhou nos prédios sem qualquer remorso
Queimaram como papel a própria luz da ruína e da morte
Eu sentia o fim chegando sem esperar demais
Sem ânsia alguma...
La embaixo alguém chorava suas tragedias pras sarjetas fedidas da cidade
E não consegui pensar em lugar mais adequado pra tragédias
E se houve um tempo mais escuro e selvagem antes deste eu não posso lembrar
Haviam multidões nas ruas caçando almas desavisadas de gente que não sabia que devia fugir
Havia solidão rondando na noite tal qual o leão faminto
Fedia a medo...
E desprezo...
Desci para as ruas certo de que caminhava de encontro a algum destino que me queria
Sem beijos apaixonados ,sem sexo,sem tesão
A noite era amarga e o fim jazia doce em algum beco a espera
Caminhei ereto e lívido pro fim de tudo
Assoviava alguma velha canção tão desconexa e sem sentido que fazia tudo valer a pena
Encontrei o que procurava numa esquina antiga em frente a decrépitos prédios carcomidos
Morri pro mundo que não me queria aquela noite
E fui feliz.
MERETRIZES NÃO PRECISAM DE MEMÓRIA
A cidade é uma puta que vai cair
Cirrose,pra ela esta noite...e andar tropego na chuva
E chove medo...chove medo...
As esquinas e ladeiras,as pontes sujas e a merda no chão são suas marcas,suas cicatrizes...
Velhas meretrizes não precisam de memórias...
E o gemido longo e feminino que vem do puteiro vai te alertar
Vai querer viver esta noite garoto...
Vai querer viver...
Quem esta drogado é o Carlo? É o Jazz ?
É você?
Já pensou em procurar a verdade nos becos?
Imunda ela fica la onde ninguém precisa dela
Ninguém mais quer a verdade inconveniente
Ela é como aquele tio retardado que a família acolhe e ignora
A verdade agora bebe e fuma em bares...
Mas não sobe palanques...não não sobe...
A cidade vomita suas coisas nas noites mais negras...
São corpos em valas...
Soa a tiros...soa a lascas...e balas...
E cortes...e óbitos
A cidade é também cemitério
E você sabe...Não sabe?
Se a cidade canta é só distorção o que ela tem...
Nada de blues nas ruas...
Nada de poesia...
Obscena a cena...
Nenhum pudor nas praças
Só crack ,vinho ,maconha e cachaça
E que mal faz?
Tanta gente por ai juntando restos...
Deixando pedaços seus...
São como a sujeira nas unhas que tem...
São como o fedor que você quer mascarar...
Ma não ha pra onde fugir garoto...
Isto é você também...
A cidade é você também...
É sua mãe sua irmã e sua puta...
É uma velha louca e suja esperando num bar...
Vai beber com ela...
Vai beber com ela.
IDADE
Idade é um lobo nas sombras,
Um salto que já não posso mais dar
Uma memória dolorida que não acaba...
Idade uivando para mim das arestas do tempo
Surfando louca nas tempestades da vida
Nas lagrimas que escondi de todos
Nos amores que sufoquei em segredo...
Incontido, impossível e inseguro
Idade me perseguindo no caminho desnudo
Nenhuma sombra me esconde...
Nenhuma ilusão me protege
Os espelhos não contam mentiras
Os espelhos... há os espelhos...
Idade enfraquecendo meus ossos
Enevoando minha visão...
Diminuindo meu ímpeto...
Trazendo cinismo a meu coração cansado
Idade esperando no amanhã
No novo dia que nem sempre é florido
Na antiga aurora que um dia eu julguei inalcançável
Idade rosnando alto lá dos restos da minha juventude
Tudo o que fui, tudo o que sou tudo o que serei...
Idade que chega num suspiro impercebido
Você não é mais o mesmo
Não sente mais o que sentia...
Idade me esperando nas ranhuras dos dias...
Vou seguindo...vou seguindo.
TINHA TETO DE ZINCO
Tinha teto de zinco
Ouviu a chuva no telhado
Tamborilar, tamborilar
Engolindo os sons da casa
Tinha teto de zinco
Ouviu o trovão La longe
Fechou os olhos assustada
Aguardou o raio...
O raio... não viu
Tinha teto de zinco
Perguntou-se se La fora agora era granizo?
Poc, poc o que seria?
Tinha teto de zinco
E paredes de madeira carcomida
Morava com os cupins que viviam nela
Dois gatos rajados na sala
Mas sem gaiolas
Nenhum pássaro
Tinha teto de zinco
E um quintal longo e estreito
Nos fundos bananeiras
Nos canteiros margaridas
Nenhuma rosa
Não tinha rosa
Queria a rosa
Tinha teto de zinco
Ouvia o vento na casa
O sentia nas frestas das paredes
O vento carregava detritos
Tinha teto de zinco
E uma enorme janela antiga
Perscrutava o céu assustada
Não via a lua
Não havia lua
Só tempestade
Tinha teto de zinco
E uma vela acesa embaixo da mesa
Como a mãe lhe ensinara
A tempestade caia La fora
Tinha teto de zinco
Ouvia o dilúvio no teto
Longa noite pra ela
Longa noite.
UM ROMANCE NOS ASTROS
Oh lua eu vi teu olho
Ouço lobos te chamando
Você entende seus recados?
Seus apelos noite após noite?
A NASA diz coisas horríveis sobre você
Que és deserta seca e sem vida
Toda rochas areia e crateras
Nenhum dragão em teu seio
Nada de são Jorge e seu cavalo
I lua eu vi você indiscreta
Espiando amantes sobre a relva
Amantes sobre a cama...
Amantes num velho carro...
Sempre os amantes
Xi lua para onde foram teus segredos?
Todo mundo fala o que sabe de você
Todo mundo conta...
PÔ lua e os lobisomens?
Que droga de piada é esta que você nos traz?
Tem homens lobo por ai na noite agora?
E se tem é você que sabe?
É você quem traz?
Conta lua o que fazes quando a nuvem te esconde?
Coisinhas safadas que não queres que eu veja?
Que ninguém veja eu presumo...
Hei lua explica este boato
Tem um boato antigo, muito antigo solto no mundo.
Fala pra mim afinal o que você e o sol fazem juntos?
São só amigos?
Enamorados?
Amantes?
Não adianta lua durante o eclipse os paparazzi astrônomos flagraram vocês
Aos beijos no crepúsculo abreviado
Negar não adianta minha cara
O lua como vocês encontram tempo?
Agendas assim tão diferentes vocês tem
Ele sempre ocupado nas horas diurnas
Você tão diligente quando a noite vem
Haaa lua entendi teu segredo
A tardezinha vislumbro o crepúsculo nascer
Antes da partida dele por traz da angulosa montanha
Sol e lua trocam olhares e beijos que ninguém mais vê.
OUTRORA BARBAROS
Pare com isto amiga ninguém se importa mais
Se teus exército derrubaram as muralhas do castelo
Ou se fracassaram...
Ninguém liga...
Pra que tantas perguntas formando-se em teus lábios rubros?
E este cenho franzido em mal disfarçada impaciência vai te levar aonde?
Não há novos lugares para ir querida
Todos os continentes já estão velhos... E já foram descobertos
As pessoas saciam sua sede de aventura no cinema
Os mais corajosos talvez ainda busquem um livro
O mundo mudou...
Aceite
O teu destino não é mais ser musa
Não podes mais impelir minha poesia por tuas curvas loucas
Ah doces e traiçoeiras curvas as tuas...
Ainda as amo...
Ainda as busco...
Mas não tenho mais versos pra elas
Ah distantes e misteriosas terras de outrora hoje já não estão mais tão distantes
Nem são tão misteriosas...
Querida o Google earth acabou de vez com os mistérios
A aviação comercial encarregou-se de tornar acessíveis nossos últimos rincões imaginários
O mundo ficou menor... mais funcional...mais simples
As descobertas estão a um clic de serem reveladas
As grandiosas e aventureiras jornadas não existem mais
Querida onde estão nossos velhos heróis?
O que o Sombra ainda sabe?
Com quem Conan da Cimeria ainda luta?
Será que o Zorro desistiu?
Eu sei que podes me apontar ainda à presença deles em pequenos bolsões de existência
Algum filme não tão antigo ou revista que ainda publica suas historias
Mas não é mais o mesmo você percebe?
Solomon Kane hoje parece tão perdido
O que são alguns fantasmas e lobisomens nestes dias em que tudo voa?
Em que a mídia esta cheia de garotinhos magos e vampiros adolescentes!
Em que tudo é super em uniformes coloridos!
Eu sei querida aqueles dias se foram...
Aceita...
Erga comigo sua taça de vinho
Brindemos ao nosso passado fantasioso e não vivido
Brindemos a nossas memórias irreais de dias mais simples
Vamos deixar a noite nos alcançar em alguma viela escura desta cidade
Só por hoje como fizemos outrora... Sejamos bárbaros.