Poemas, frases e mensagens de Moon_T

Seleção dos poemas, frases e mensagens mais populares de Moon_T

maldita forma que mato e morro

 
Morro aos poucos por cada vez que contrarío o ensurdecedor silencio que apoquenta.
Não obstante, escrevo com meu próprio vernáculo para quem ousar,ou não, entender.
Impossível resistir aos sentidos tatuados na alma e na memória. Esses sim que me envelhecem e fazem sombras nos becos dos dias de hoje...sombras que ensinam os caminhos .
E por mais que tente esquecer ou deixar de sentir, hão de sempre emergir a cada centímetro de carne que envelhece.
E sinto...e quero sentir, quer doa ou não, pois é por gosto e vontade que sou quem sou e aqui estou...vivo.

Maldito o sentir
Malditos os sentimentos
Maldito o silencio
e Maldito amar
que por quanto mais sinto mais mato e morro.


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Moon_T

http://gritos-moont.blogspot.com/
 
maldita forma que mato e morro

Ontem provei a Lua e soube-me a vinho

 
Ontem saí à rua, de noite. Andei às voltas comigo mesmo, modesta companhia. Não vi rostos nem pessoas. Não vi nada. Senti os gatos nas janelas e vi de soslaio o seu brilho dos olhos por entre arbustos no jardim. Era eu e o mundo.
Ao descer pela calçada escorregadia, ouvia o zunido das luzes dos candeeiros de rua que me cumprimentavam ao passar com a sua melodia. Uma aragem trouxe o som longínquo do comboio que passava vazio lá em baixo. Minutos depois, sentei-me num banco de jardim que ali estava, descascado pelo tempo e humedecido pelo suor da noite. Estava sozinho. Perdido no meio do jardim escuro à minha espera. Numa conversa muda, queimámos cigarros e sorrisos. Contámos sonhos e invejas e devaneios. Fazia-se tarde... Já a Lua nos sorria alto e ambos tínhamos sono. Havíamos perdido a noção das horas e o céu já estava a fechar.
Encostei o ouvido à madeira de casca verde e trocámos os segredos que nunca ninguém ouviu.
Dos céus desciam gotas e as gotas que nos acertavam eram mornas. Suaves. Desciam devagar como carícias.
O cheiro da terra molhada embalou-nos e tapou-nos com o jornal da manhã que o velho deitou fora sem ler, amachucado. O dia brotou quente. Voltaram os passos e as buzinas. Todo o barulho que dormia de noite acordou em alvoroço. O meu banco amigo tinha-se calado. Calou-se. Mudo. Mal conseguia eu abrir os olhos quando uma menina passou e me sorriu. Porquê? Porque razão iria sorrir uma criança ao avistar uma pessoa que, aos seus inocentes olhos, aparenta ser mendigo? Ao devolver-lhe o sorriso senti o sabor a vinho fugir-me da garganta. Roubado. Surripiado pelo brilho de uma criança desconhecida que sorriu sem razão. Desapareceu na dobra da esquina por trás do sol. Ao longe ainda se ouviu ecos de um tímido sorriso de menina aos pulos. E amanheceu. Nesse dia amanheceu tarde, mais tarde que de costume.
No caminho de volta para casa vi que os gatos já não estavam nas janelas. As árvores estavam nuas como se tivessem sido despidas à pressa e os candeeiros apagados, sozinhos ao longo do passeio. Nada era o mesmo. Ninguém sabia o que se tinha passado. Ninguém ouvira os segredos. Apenas eu. Ninguém ouvira o banco, ou a música dos candeeiros. Apenas eu…
Então voltei para casa a pensar: Ontem provei a Lua e soube-me a vinho. E como uma criança, sorri, sem porquê.

Moon_T
 
Ontem provei a Lua e soube-me a vinho

Fala-me

 
Fala-me do fumo
Fala-me do sono e dos sonhos
e da ausência.

Fala-me do Mundo

Enquanto sonho
Enquanto tento sonhar
Fala-me de ti
de nós...

Sonhemos juntos .

Caminhemos pelo traço de fumo
Enchamos o peito de céu
e a alma de nuvens
até que deixem de chover os olhos.

... abraça-me a paixão.
 
Fala-me

Trago-te na sombra

 
Consome-me outro cigarro ao passar este momento

Chora-me a garganta pela saudade do veneno que escorreu à pouco.
Ouve-se o silencio que não se sente
Sentem-se sorrisos mudos na pele.

Aquece o abraço escondido por baixo dos lençóis
E ouvem-se as palavras que nunca foram ditas.
Enrolam-se as silhuetas na parede à luz ténue do fraco candeeiro
Dois corpos numa só sombra tão distante.

As promessas fantasma cobertas de lágrimas
Escondem-se no cofre sem chave ou cadeado.
Soltam-se as pontas dos dedos em busca do calor
Da chama que teme morrer nos dias de inverno
Embrulha-se a alma no regaço
E trago-te oculta na minha sombra.
 
Trago-te na sombra

luta de mim

 
Morro aos poucos por cada vez que contrarío o ensurdecedor silencio que apoquenta.
Não obstante, escrevo com meu próprio vernáculo para quem ousar,ou não, entender.

Impossivel resistir aos sentidos tatuados na alma e na memória. Esses sim que me envelhecem e fazem sombras nos becos dos dias de hoje...sombras que ensinam os caminhos E por mais que tente esquecer ou deixar de sentir, hão-de sempre emergir a cada centimetro de carne que envelhece.E sinto...
e quero sentir, quer doa ou não, pois é por gosto e vontade que sou quem sou e aqui estou...vivo.

Maldito o sentir

Malditos os sentimentos

Maldito o silencio

e Maldito amar

que por quanto mais sinto mais mato e morro.
 
luta de mim

Uma carta que não foi escrita

 
Recordo os sorrisos dessas gentes que enchiam a sala. Relembro as conversas que passavam a tertúlias finando-se em monólogos de lágrimas e abraços. Filosofias pessoais e intransmissíveis que eram, no entanto, partilhadas e vividas e sentidas como se fossem próprias, como se fossem reais. Os mantos de estrelas e as lágrimas camufladas de sorrisos. A partilha. A amizade através das fronteiras e da diferença. A indiferença para com os outros porque se sabia… porque se sentia.
As manhãs de morte. As manhãs mortas. E, sem dúvida, as manhãs de morrer. O brinde dos finados. Os dias e as noites. A descoberta das palavras. A escrita. A escrita que não lês. Tudo. Tudo muda, mas continua a existir mesmo na ausência.

...e ficam as palavras que não se lêem.

Moon_T

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Uma carta que não foi escrita

Sabes-me bem

 
Sabes-me bem
O teu sabor agridoce ecoa-me na garganta
Até quando o toque é frio me queima.
Aqueces-me.
Aceleras-me.

Imagino, penso, sonho…
Passo pela linha intermitente à deriva no alcatrão,
Subo pelo mundo
E beijo-te.

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Sabes-me bem

O que escrevo sao sombras do meu pensamento

 
“ O que escrevo são sombras do meu pensamento. Ecos. Fragmentos de ecos que se soltaram pelos corredores ocos da alma obscura. Nunca perceptíveis no seu todo. Nunca o suficiente para as traduzir no papel. Nunca a sombra completa. Nunca tudo.
O que escrevo são apenas os fragmentos de sombras que a minha mente me permite entender. Sombras que são como o reflexo disforme do que é. Como um espelho distorcido num corredor de uma casa de espelhos numa qualquer, macabra, feira popular.”


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Moon_T

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O que escrevo sao sombras do meu pensamento

O teu bailado

 
Contemplo tua mente a fluir pelo teu corpo.
À medida que esta melodia invade o ambiente,
Fico estático... hipnotizado...

Balanceias a cabeça lentamente
De olhos fechados
e sorriso nos lábios
Serpenteias as tuas mãos ao som da música.
Danças como folhas ao vento numa aurora de Outono.

Sobressais do breu que nos envolve
Tua áurea rasga a escuridão do cenário
Qual estrela cadente em noite de Lua nova
Como gritos rasgam um silêncio de morte.

Tocam os tambores ao som do coração...
Rufam como exércitos de aves rumo a norte.
Em convulsões poéticas
Teu corpo copia as chamas da fogueira que nos aquece
Libertas a mente, soltas a matéria e danças...
Como se não pertencesses a qualquer parte.

Misto de desejo, paixão e arte…
Solta-se um beijo longo e apaixonado
E abraçados
Entregamo-nos à sorte.
Pára a música, cai o pano...
Retornamos deste mundo à parte.

Como é lindo o teu bailado.
 
O teu bailado

Crepusculo de pesadelo

 
Crepúsculo de pesadelo

É neste crepúsculo que decido descansar
Acalmar esta raiva que me atravessa
Sento-me, fecho os olhos e respiro
Oiço o interlúdio do vazio
Sinto as sombras entranharem-se em mim.
Revelo este grito mudo só meu
Grito que ninguém ouve, ninguém vê, ninguém …
Tiro a mascara que me cobre a face por momentos
Mas só por momentos…
Por momentos vejo com olhos só meus,
Revelo-me a mim mesmo
Sem reflexos nem complexos.
Por momentos sinto por mim,
Sinto o nada que me envolve, o nada que tenho.

Aqui só eu existo, mais nada, mais ninguém.
Aqui sou eu… só eu.

Revolto-me sozinho contra os dias
Contra tudo
Contra todos…
Afogo o pânico em veneno
E acendo mais um cigarro.
O desespero.

Não permito que a raiva se apodere novamente
Não me deixo cair na “fácil” tentação
(em qualquer esquina, ruela ou beco escuro ).
Não deixo a minha verdadeira cara, quem sou… nem eu sei quem sou,
Sei que não quero ser ninguém que não eu.
Sei que … não sei nada.
Faço o que não quero
Não vejo, não sinto, nem quero.
Grito de raiva!
É o pesadelo.
 
Crepusculo de pesadelo

Casa Vazia

 
Ecoam os silêncios na casa vazia
Segredam as madeiras às paredes
Choram os tectos
Espiam as janelas
Numa casa cheia de nada.

A distância das cadeiras é um toque
Tão perto...

O fumo do cigarro mal fumado vagueia pela casa.
Divide o toque que de tão perto não se dá.
Estendem-se os lençóis na dormência desta divisão.
Revolta a promessa que não quebra
E a ânsia alimenta a simbiose da dor e da paixão.

Moon_T
 
Casa Vazia

O homem que queria parar o tempo

 
Trancou-se em casa, longe do mundo, intocável, imperturbável.
Pendurado na parede estava um relógio antigo de cuco que de hora a hora se abria a porta e saía aquela pequena ave a anunciar mais uma hora que passou. Dirigiu-se ao relógio, abriu a portas, pegou no cuco e, sem piedade matou-o. De martelo na mão inúmeras vezes esmagou aquela “criatura” contra a bancada. Nem o pêndulo se ouvia a balançar de um lado para outro, somente as marteladas na madeira com a raiva e desespero de quem levantava o martelo bem no ar e condensava toda a sua frustração naquela martelada assassina na cabeça do cuco. Matou-o, destruiu-o até não sobrar nada. Se o cuco não saísse a anunciar as horas queria dizer que as horas não passavam.
Fechou as janelas e correu os estores para o sol não nascer. Conseguiu prender a noite dentro daquelas quatro paredes a que um dia teria chamado de casa, se os dias não mais nascessem o tempo não andava. Como um louco, empurrou a clepsidra para o chão, contemplando o estrondoso barulho do vidro a partir e sorriu ao ver a água escorrer pelos tacos de madeira, a entrar nas fendas do chão até desaparecer. Ficaram apenas os vidros, cacos de um medidor de tempo que não media mais nada, nunca mais. A água já não escorria, já não media o tempo. Sem água, o tempo não corre. Ao caminhar para a cómoda no centro da sala, pisava os vidros espalhados pelo chão. A cada passo destruía mais um pedaço de vidro que já não pode contar o tempo. De um caco fez centenas. O som do vidro a despedaçar era música para os seus ouvidos. Suspirava tremulamente por ver o seu objectivo tão perto. Chegou à cómoda, pegou na ampulheta e segurou-a com toda a força que tinha. Contemplou a areia a cair, tão límpida e serena. Ergueu o braço o mais que pôde e num só gesto arremessou-a contra a parede. Caiu primeiro a madeira que revestia o vidro, de seguida, ouviram-se os vidros que se partiram na violência com que chocaram contra a parede a caírem no chão partindo-se ainda em mais pedaços daquele frágil vidro. Ficou uma nuvem, parecendo quase parada no ar, de areia. Pareciam brilhar no escuro os grãos de areia fina no ar, a cair suave e silenciosamente no chão. A areia não iria correr mais na ampulheta. O tempo havia parado.
Com medo que o sol voltasse a nascer, permaneceu confinado aquelas paredes, no escuro, tempo sem conta, pois o tempo tinha parado. Para ele, tinha conseguido finalmente parar o tempo. Longe de tudo e todos, no escuro, esperou e esperou e esperou.
Mas o tempo não parou. O sol, embora não brilhasse lá dentro, não deixava de nascer e de se pôr, em turnos com a lua. Os segundos corriam, os minutos passavam e as horas continuavam a ser anunciadas pelos outros cucos de outros relógios e pelos outros sinos. Os dias vinham e iam, as semanas, os meses… os anos passaram.
No breu que o envolvia, rendido à inércia, que o tinha posto na posição em que o tempo não passava, interrogava-se onde estaria o sentido das coisas sem o passar do tempo. Que objectivo ou função teria ele para ficar ali, inerte, só, parado com o tempo. Os risos que não se ouviam, os beijos que não eram dados pois o tempo não passava. Não havia tempo para viver num tempo parado.
Quando decidiu abrir as janelas, a luz prateada do luar invadiu a sala desvendando o cenário de destruição que se fazia notar na sala. O sol não nasceu, pensou. Abriu a porta e saiu à rua. Uma suave brisa fresca acariciou-lhe o rosto e fez abanar ligeiramente a barba que não era desfeita há quanto tempo tinha o tempo parado. Caminhou pelas ruas desertas da cidade até que chegou ao lago. Espreitou o reflexo na água e quando viu a sua imagem espelhada tomou consciência que, afinal, o tempo não tinha parado, ele é que tinha fugido, nada mais.
Não gritou, não riu, a única reacção que teve foi, simplesmente, uma lágrima que ao cair lhe desfez a cara, o reflexo.

Moon_T
 
O homem que queria parar o tempo

Tenho tanta coisa para escrever

 
Tenho tanta coisa para escrever. Tanta coisa. Tanta coisa para contar e inventar e partilhar. Coisas como o que me aconteceu na vida. Memórias reais que marcaram. Memórias irreais que inventei e vivi e vivo todos os dias. Coisas que aconteceram. Podia contar tudo. Historias de onde nasci, por onde passei, o que faço ou gostava de fazer ou o que nunca vou fazer. Embora nunca se deva dizer nunca. Podia contar as cores e os cheiros e sentimentos e tudo o que existe e não existe mas que pode ser contado e se é contado passa a existir. Os sentimentos que já senti e os que não senti, e os que não senti e gostava de nunca os sentir, ou mesmo os que não senti e gostava de um dia me inundar deles. Podia contar historias que aconteceram ou que nunca aconteceram. Historias ou estórias . Ou pesadelos ou sonhos ou contos ou poemas. Ou nada, ou alguma coisa. Ou alguma quase coisa.
Tenho tanta coisa para escrever que nunca escrevi. Coisas que sempre tive ou que nunca tive e tenho agora. Coisas que perdi. Coisas que ainda vou ter. Nada. Tudo. Agora sim. Decidi. Vou começar a escrever. Bem ou mal quero começar a escrever. Escrever por escrever. Porque gosto. Porque quero perder o medo e deixar de sufocar por ter medo de escrever bem. Ou mal. Não interessa. Tenho tanta coisa para escrever. Tanta vida para contar. Pessoas para ser. Viver. Matar. Chorar. Rir. Foder. Morrer...
É isso. Tenho tanta coisa para escrever. Por mim. De mim. De tudo. Ao meu jeito vou começar a escrever. Porque gosto. Porque respiro. Porque escrevo. Tenho tanta coisa para escrever como gritos e sussurros e segredos e risos e choros. Respiro fundo e digo para mim sim, vou começar a escrever, e sabe-me bem e sorriu. Por isso, com tanta coisa que quero escrever, vou começar a escrever. Com tanta coisa que tenho para escrever. Com tanto por onde começar, comecei. E com tanta coisa para escrever comecei a escrever nada.
 
Tenho tanta coisa para escrever

Amolador de facas

 
 
Avisto do 5º andar a figura mítica que, como tantos sonhos, já quase não existem, o amolador de facas. Há muito que por cá não passava. Sujeito de figura modesta, sempre com a bicicleta ao lado, nunca em cima dela a não ser para fazer rodar a pedra. Pelo menos nunca que eu tenha visto. Interrogo se será respeito ou consideração. Nem aos burros antigamente o faziam, puxavam carroças e ainda tinham de carregar com os donos. Devagar, parecendo em procissão de dia de finados, caminha rua acima, com o seu tão característico pífaro, flauta de cinco tubos. Em tempos, por pura coincidência, ou não, era eu criança, precisamente na altura que me estava a portar mal lá se ouvia o apito. Era o amolador de facas. Ai ai! Vez? Estás-te a portar mal! Lá vem o homem das facas para te levar! Dizia a minha avó na tentativa de me impor algum receio para que me comportasse. Nunca o tive ,o receio. Sempre olhei para aquela figura caricata e original como uma pessoa mística sim, mas nunca como temerosa. Sempre soube que por detrás das rugas que lhe carregam o rosto, à sombra daquela boina velha, está um homem, humilde, de olhos carregados de sonhos. Quando olhado de relance talvez pareça sombrio, caso não se dêem ao trabalho de olhar com olhos de ver, mas não passa de uma pessoa com sorriso simpático e palavras amigas mesmo com a voz rouca e cansada. Solitário, só com a companheira bicicleta a caminhar a seu lado. Sempre na bicicleta está também a caixinha onde guarda as ferramentas, alicates e afins. No cesto à frente ou atrás do assento, mas sempre lá. Instrumento artesanal mas de tanta importância para por o pão na mesa. Com uma pedra de esmeril que nada tem de vulgar pois era a melhor de todas, a que melhor amolava as tesouras e facas. Laminas que mesmo depois de cansadas, postas nas mãos mágicas do Homem das facas rejuvenesciam, parecendo novas, a cortar como nunca antes cortaram.
Quem não gostava de ter esse dom? Voltar a dar vida, nem que seja a facas e tesouras. Até os guarda-chuvas ele conserta, pondo novos cabos ou mudando varetas. Mais que a simples magia de devolver a graça aos utensílios, tinha também a magia do tempo. Mais certo que a ciência lógica da meteorologia, a sua vinda era sinal de mudança do tempo. Pouco depois de se manifestar pelas ruas, atrás vinha a chuva e os vendavais, como que se o perseguissem ou seguissem ou talvez até um simples acordo com a Natureza das cousas, que humildemente sopram o pó das laminas afiadas deixado pelo chão. De verão ou de inverno, por onde passa trás a chuva. Facto curioso mas real. Rara será a vez que ele aparece que não seja precedido ou seguido de nuvens carregadas de chuva. Que quererá dizer? Qual o significado?
E lá segue ele, com a bicicleta a acompanhá-lo como a própria sombra, tocando a sua flauta de cinco tubos sempre com aquela melodia característica que não é nem alegre nem triste, que o som percorre as ruas e entra nas casas das pessoas como o canto das sereias, hipnotizando quem os ouvisse. Ninguém lhe era indiferente. Quem não sabe quem é? Ou não se lembra da melodia?
Cada vez que se ouvem aquelas notas musicais a ecoarem pelo ar fora já se sabe, vem aí o Amolador de facas.

Moon_T
 
Amolador de facas

o mundo nao é meu

 
Mar de gente. Ondulação humana. São rochas marinhas. São espuma. O mar revolto e sem sentido, sem mexer, sem nada. Ondula porque sim.
Velhas sentadas no lancil e eu no topo de um monte de pedras soltas da calçada, por calcetar, a ver do alto.
São capas negras, bordadas de vida, às cores. Remendos.

São cegos na multidão que nem sabem quando aclamar. Não sabem quando parar. Sabem apenas porque sim. Cegos que se atropelam e arrastam e se escalam para ver o que não vêem. E não vêem. Todos olham mas ninguém vê.

Chuva de Maio. Primavera invisível. Um verão gelado, vento de leste e a chuva que lá está sem cair.

Vestem meias roupas: calções e camisinhas; saias curtas e decotes; alças e carne; e a tez pálida. E depois tapam-se. Tapam-se por cima das meias roupas, com pele defunta e cobertores da moda e falsos risos e sorrisos e hipocrisias. No fim choram os crocodilos na passerelle de vaidades.
Criticam o oxigénio, como se não respirassem. Aceleram de fumo preto; escape e borracha queimada. Gritam e assobiam ao mar è espera de resposta. Coitados… nem o eco lhes responde.
E pisam o jardim ao subir. Enterram os saltos altos na erva e sobem aos tropeços. E quando chegam ao cimo, ajeitam as calças, que são demais apertadas, 2 números abaixo mas fica bem. Não respira, mas fica bem. Dizem.
Depois descem a coxear. Mancos e a doer os pés. Fica bem.

Todos sabem tudo. Mais que os outros, sabem tudo. Todos sabem tudo enquanto os outros não sabem nada. E passeiam as saias curtas de longas pernas arrepiadas. Vão subindo, mas descem a coxear, todos.
Eles sabem tudo e os outros não sabem nada. É um mar de gente na rebentação. E eu a espuma que a saltar no rochedo. É um mar de gente seca. E é no mar seco que ando molhado. Um dos outros que nada sabem.
Sei do beijo. Sei que ignoram a voz que ecoa nas paredes de pedra que me rodeia. Não grito mas também não respiro. Estou apenas. Sou. Sorrio.
O mundo não é meu

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o mundo nao é meu

Até já...

 
Várias imagens e histórias têm vindo a aparecer-me na mente, sorrateiras. Como relâmpagos de memórias sem trovões, memórias que não são minhas. Memórias minhas mas não de mim:
As mãos dadas de Outono; ideais ideias e conversas; a brisa de Leste; o cheiro de natal; os sonhos; os beijos; o cheiro de velho; os canalhas e patifes; os livros; o sotaque; as musicas; as fotos; o olhar da miúda do carro da frente, de soslaio…
De momento tenho-as deixado fugir ao lado dos dias. Tiro polaroids que guardo como negativos numa bolsa de pele escura e velha. Fecho-as bem guardadas para, em breve, as tentar revelar.

Moon_T

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Até já...

Choro Amo-te

 
A meia-luz enleia os copos suados
Paira o fumo no perfume
E com estes olhos que te anseio, molhados…
E com estes lábios que te desejo, perenes,
Choro amo-te.

De corpo cheio de nada
Na paisagem vazia
No escuro de um sentido proibido…
Perdido,
Choro amo-te

Na meia-luz que esconde o copo,
Meio vazio e cheio de nada…
No fumo e no perfume,
Choro amo-te…

E quando tudo parece tranquilo
E quando o tempo foge pelos dedos…
Quando o fica o corpo dormente… por ti,
Choro amo-te.

Choro amo-te,
Dormente,
Demente,
Sozinho…
E longe de mim.

Moon_T
 
Choro Amo-te

Perdoar é divino

 
Perdoar é divino,
Dizem.

Desafia perdoar o que não há.
Desafia o que não tem perdão.
O desafio é perder.

Está velho.
Velho e cansado.
Já não tem sangue
Agora, em vez de sangue
São memórias que lhe correm nas veias
Que se arredam das cicatrizes fundas
Que as entorpecem.
Memórias a preto e branco
De luas diurnas.
Os cabelos branqueiam a cada solavanco
do ponteiro do relógio que finge já não ver.
Firmam-se-lhe os vincos na face
E a flacidez na pele e aqueles papos nos olhos
Está velho,
Velho
Demais para perdoar.

Depois da noite se lhe abater nos olhos
E as velas do bolo se derreterem como cobertura de açúcar barato
Sem chamas, sem sopros.
Depois de os ossos deixarem de bramir,
Depois talvez.
Depois de sentir,
Talvez,
Mas agora não.

-Perdoar é divino,
Dizem.
E não será pois por um qualquer desafio que existe ou passa a existir
Que apaga ou será
O perdão.
O Falso.
O Grosseiro.
O pérfido perdão.
E não será pois pelos amores em segunda mão,
Ou pelos abraços fechados, sorrisos solitários
Nem pelos beijos corruptos,
Nem gritos nem choros ou urros…
Nem pelos pais ou filhos, sem família nem avós
Nem mães, nem irmãos,
Sem mãos, sem dó e sem voz
Não será por nada nem ninguém
Que haverá o perdão.
Não será pelas vozes ásperas
Vestidas de falas mansas
Carregadas do veneno
Que lhe dá asco
Não!
Não será pois pelo passado em que o abandonou ele
A si primeiro que todos,
Que tudo
Por uma cave,
Por uma cama feita de lixo
e por um cobertor gasto
onde se enrolou como um bicho.
-Não!
A porta que se fechou ecoou pela escadaria
Ecoou o desprezo e a solidão
Ecoou a luz,
ao fundo…no sótão.
Ecoou sozinho o peso perdido do mundo…
Perdoar?
Perdão?
Não.

-Perdoar é divino.

Está velho
E apoia agora sobre o cajado toda uma vida
Todo um pesar de uma vida.
E sofre toda uma vida.
É senhor da sua casa.
Dizem que perdoar é divino
Mas nem deus nem o diabo lá entram
A casa é sua.
É senhor
Está velho.
Perdoar?
Não.
Está velho demais para perdoar

Moon_T

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Perdoar é divino

Lex Tallionis

 
Em serena paisagem, um místico orvalho cai sobre o jardim onde modestas camas de mármore se estendem às centenas. Uma suave brisa acaricia as flores que se amontoam aos pés de tão humildes campas. Dizeres de amor e saudade são gravados já como ritual:“Descansa em paz”.
Paz… algo que esta alma cujo corpo jaz deitado dentro de um caixão de madeira em que nem as térmitas ou insectos se atrevem a entrar. Tresanda a morte, a injustiça, a violência e a raiva. Sua tez já tão pálida que quase transparente, notam-se as veias azuladas onde outrora correram litros de tépido sangue vermelho cheio de vida e paixão.
Ceifada de forma brutalmente violenta, inesperada e sem razão, a sua alma escavava o seu caminho para fora daquela campa imunda e fedorenta.
Após inúmeras tentativas, finalmente, o brilho prateado do luar furou a terra que se amontoava por cima daquela singela caixa castanha. A terra húmida e fria deu de si e abriu alas para que um sôfrego grito se soltasse. Evadiram-se vapores como géisers vulcânicos presos há anos vindos do mais escuro centro da terra.
Desconhecendo ainda a sua forma incorpórea, aquela alma penada soltou-se e desatou de correr desenfreada pelo meio da neblina. Lágrimas corriam-lhe pelo rosto, formando riscos debutados à medida que a face ganhava expressões de inconformidade, dor e raiva.
A inocência ficou na campa.
Nada senão vingança se instalava naquele ser. Em tempos fora filha, fora irmã, fora amante… e por último, vitima.
Flashes incessantes de um cenário agressivo e grotesco de gritos, de dor e sangue tomavam conta de todo o raciocínio lógico que lhe restava.
Vingança era a única coisa que prevalecia.
Instintivamente, seguiu o rasto do seu assassino. Sentia ainda as suas mãos a apertarem-lhe o pescoço, ainda mantinha o sabor salgado das gotas de suor que lhe entraram na boca enquanto a tinha aberta a berrar por ajuda, a pedir clemência.
As luz dos carros que se cruzavam na estrada encandeavam-na fazendo com que abrandasse a corrida e cambaleasse pelo asfalto, a sentir a sujidade da borracha dos pneus gastos e restos mortais de cadáveres dos animais mortos à beira da estrada em seus pés feridos e nus.
Deambulou horas sem se cansar, apenas a vingança lhe corria nas veias sobressaídas da pele, o motor que fazia aquele corpo materializar-se e mover-se de forma tão invulgar, desumana.
Sentiu-lhe o fedor finalmente. Gargalhadas sonoras ecoavam ao longe e penetravam-lhe a mente de forma hipnótica, seguiu-lhes o eco.
Os seus olhos esverdeados, já quase incolores, semi-cerraram-se e a sua respiração acelerava à medida que alargava as passadas. Consoante inspirava, ao expirar, um rosnar animalesco ia-se tornando cada vez mais forte. Inicialmente assemelhava-se a gemidos, mas à medida que se aproximava o assassino, transformava-se em gritos destorcidos vindos das entranhas de um corpo sem vida.
Nem as portas trancadas do seu lar impediram que entrasse.
Já dentro do quarto daquele ser inclassificável, parou aos pés da cama e cerrou os punhos com tanta força que as unhas, já amarelas, se cravaram na pele libertando espessas gotas de sangue vermelho-escuro no chão de madeira, deixando nódoas que jamais sairão, cravadas no soalho.
Como se tivesse premido um botão para acelerar a imagem, rapidamente se aproximou do corpo deitado sobre a cama, sem quebrar o silêncio.
Aproximou-se da cara pacífica dele, sentiu-lhe o bafo que lhe trouxe à memória as imagens inesquecíveis de quando o sentiu a violar as narinas onde se alojara até aquela data. O frio que emanava do corpo fez com que o homem que dormia sentisse um arrepio e se ajeitasse ligeiramente. Ao mover a cabeça, roçou ao de leve, face a face com a defunta. Abriu automaticamente os olhos e deparou-se com os dela, cheios de chamas de raiva a brilhar no escuro como duas estrelas polares na noite.
Sem que sequer tivesse tempo de reagir. Sentiu o terror trespassar-lhe a goela. Sentiu a barriga rasgar-se conseguindo ainda ouvir ruídos viscosos das próprias tripas a escorregarem para os lençóis. Sentiu tudo o que tinha provocado a outro ser, com juros.
Os lençóis ficaram tingidos de vermelho, e antes que soltasse o ultimo suspiro, antes do último batimento cardíaco, ainda foi a tempo de ouvir os gritos aflitivos daquela entidade que lhe sugava a vida com todo o rancor que restava e as seguintes palavras em surdina:
“Assassino!
Porque?
Responderás no inferno que lá nos encontraremos.”

A história repetir-se-á até que esta alma tenha paz… provavelmente, nunca terá, até ao fim dos dias.

O primeiro conto de terror
 
Lex Tallionis

Amo-te cansa

 
Amo-te cansa.
O amor.
O amor morre.
O amor morre sem morrer.
O amor.
Congela no tempo e vive no momento
E o momento passa.
Como uma alma. Vive morta.
Passa.
O amor gasta.
O amor.
O amor morre e continua.
O amor vive.
Vivo.
O amor mata.
Morro.
Amo-te cansa.
Mas ama.
Amo.
Amo-te cansa.

Moon_T
 
Amo-te cansa