Flores do campo
Trono de cristal à rosa,
Água fresca à sede pura
E à flor silvestre e mimosa
O chão simples da candura
Assimcumassim
Assim como assim
Lavo aí as minhas mãos
nessa água que não bebo
mas recomendo ao mancebo
ao menino e ao ancião.
Assim como assim
Não lá vou nem faço minga
que o desfaça quem lá for
estou cansado, por favor:
-Pra mim... uma boa pinga!
Assim como assim
O hábito não faz o monge,
mas o uso torna a lei...
por não querer ir mais longe,
escusem o que falei!
tranças D'ouro e vestido de chita
Ainda os rios eram inalcançáveis
e as colinas, o mar tão perto
...
Ainda o chocolate quente sabia a doce
e os sincelos a maçãs de junho antigo
...
Ainda eu
pequena e tímida
tinha a inocência efémera das boninas
...
Ainda eu
aqui e agora
cabendo no meu vestido de menina.
TINO CERTO
Já não preciso esquecer-te,
pois me lembrei que esqueci
há muito tempo esta arte
de guardar o que sofri.
Já não preciso lembrar-me
que o amor tem volta e ida,
pois comigo tenho a arma
do esquecer próprio da vida.
Recordar é estar desperto,
se o passado adormeceu,
concordar que o tino certo
é o que a exp'riência nos deu.
Já nem preciso esquecer-me
que de ti ainda lembro,
passa a lição por saber-me
que nasço em cada Dezembro...
HOJE NASCI...
Hoje nasci...
filha de um tempo
de outros tempos,
rosa em aberto
ao vento incerto,
pétala solta
e aqui me volto
nas flores que invento
rosa-dos-ventos...
passei em brisas
e chorei risos,
do sol a pique
roubei despiques
e fui outono,
caí dos sonhos
folha à deriva
em dança d'uivos
de ares agrestes...
e o que me reste
que venha brando,
em neve branca
de flocos frios,
os curtos dias
que não vivi...
(ainda)
DESAFINAÇÃO
A sonhar dedilho acordes
Que imitam risos felizes,
Mas, ai!, sempre qu'acordo
A música perde matizes!...
Soneto pirraça
Faço poemas a eito,
A direito e a torcido,
Quero lá saber se é jeito
O que me empurra o umbigo!
Escrevo o que sei e quero,
Quero lá saber se caio
No goto dos que não espero
Que me leiam o que valho!
Mas sei que escrevo direito
'Inda que por linhas tortas,
À língua tenho respeito.
E mesmo casa sem portas
O que escrevo é mais bem feito
Que os teus palácios que abortas!
Se passardes à mansarda...
(ainda de donzelas e dulcineias...)
'Se passardes á mansarda'
Ó mui nobre trovador,
S’ eu fizera d’alegria
Pão nosso de cada dia,
Fome me seria a dor!
Pois que de ver-vos não sei
A fartura que me alegra,
E é por esta dura regra
Que à vã tristeza me dei…
Ó mui nobre trovador,
Se passardes à mansarda
Onde o meu canto já tarda…
Pelejai por meu amor,
Que me querem já senhora
De quintais d'um outro amo…
Mas até morrer vos chamo -
Não vos vades já embora!...
parece que fiquei contagiada... isto cura-se com quê?...
DEZ-A-FIO
J'amassaste o pão há horas,
Está pronto a meter ó forno,
Bê lá tu se não demoras,
Que estou a ficar com sono!
J'amassei o pão há horas,
Mas ainda num está lêbado,
Chegas a casa a desoras,
E inda por cima bens bêbado!?...
Ó mulher, num benho nada!,
Com esta já lá bão três,
Faz lá tu a quarta quadra,
Qu'inda consigo ir às dez!...
Ó homem, num faço nada,
Qu'o pão cresce na gamela,
Ajuda-me aqui co'a fornada,
Que tenho mãos de donzela...
Pra isso tens que tender
A broa bem 'farinhada,
Depois ajudo-te a meter
A pá bem endireitada.
Pra isso tens qu'aquecer
O forno no ponto certo,
Põe mas é lá isso a arder,
Gosto do forno desperto!
Ai, mulher, num aguento,
Já lá bai longa a faina,
Já trabalhei tanto tempo,
E tu inda queres mais lanha!?...
Ai, homem, num t'aguento!
Queres ou não ca côdea estale?
O pão cozido no ponto,
Dize lá, quanto num bale?...
Tás-me a ficar entendida,
Sim, senhor, lucro teria,
Se te montasse, querida,
Uma bela padaria!...
Tás-me a ficar atrebido!...
Olha, já queimaste a pá!
E agora?... o pão tendido...
E metê-lo...já num dá!!!
(Num te queixes, ó mulher,
A seguir ó dez bem onze,
Bou já outra pá fazer
E começamos no doze!...)
Voltar...
(ao fundo, o Marão, aos pés, a barragem do Varosa, e, escondido nas pregas do vale da Régua, o Douro líquido...)
Voltar...
lembra-me as cores das manhãs
em festejos musicados
pelas alegrias sãs
dos pássaros já em alerta
e p'los sinos embalados
de avé-marias despertas.
lembra-me o cheiro da terra
ao calor do meio dia
e o ecoar lá na serra
dum chamado às redondezas,
avisando que a Maria
já tem o comer na mesa.
lembra-me a brisa que vinha
do Marão à minha rua,
saltando rios e vinhas,
para acalmar os suores
d'estafas de sol a lua
em beijos reparadores.
lembra-me ouros de sol-pôr,
no Douro a derreter-se,
a jusante de um amor
amealhado às trindades
num recolher de uma prece,
pelo anoitecer das tardes.
(foto de Eduardo Cândido em http://olhares.aeiou.pt/em_frente_o_marao_foto1855272.html) - O olhar da minha terra