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Eia Sofia! Sus!

 
Muitas e muitas vezes aquela palavra viera-lhe à mente, atormentando-a como ainda sob o troar de milhares de vuvuzelas sopradas aos ouvidos de africâneres por tantas quantos bôeres saudosos do Transvaal. Muitas e muitas vezes, pensou em vingança. Era tão jovem! Sequer havia visto ainda um arranha céus, nem sabia da utilidade dos tuneis do metrô. Nem mesmo havia porção de malícia em seus olhos virgens de emoções mais vibrantes, ignaros das nuances de um amor pecaminoso.

Há mais de três anos havia encerrado a gloriosa carreira, tão meteórica e cinegética. Nem os mármores e bronzes do exuberante mausoléu pareciam incomodar os ossos ainda crus. Exceto a própria Sofia, ninguém chorou por isso. De certo modo, estava arrependido de ter sido bem amada, amiga e amante de tantos outros cavaleiros de triste figura. Jamais tivera vocação para encarnar Dulcineia ou cofiar a pança de um certo Sancho. Polir as adagas e demais armas em cabido então, nem cogitava. Mas, de fato existia!.

Pensando bem, de sobejo bem sabia que não havia como não chorar para sempre pelo modo que fora enganada. Ludibriada e apaixonada, abandonada... Mesmo que não quisesse algodão doce, a vida fora tão cruel! Seria melhor ter ignorado toda celeuma sobre aumentos das alíquotas incidentes sobre parcelas dedutíveis. Lidar de modo mais contundente com espectros das aparições a contemporizar assim com as frustrações. Não tergiversar.

O mundo gira, a empresa de mudanças roda. Momento sequer parou para que pudesse encher bacias com pranto da alma. Eia Sofia. Levante-se. Sus! Só pode ser chamado de viúvo quem morre. O supérstite apenas se queda a lamentar destinos separados sem ninguém para lhe dar a mão. Mentalmente recordou os agudos de glória entoando odes à passageira siliconada, longos véus esvoaçantes ao vento australiano:
- “Eu sobreviverei! Pensou.

Mais uma lágrima rolou daqueles olhos doces como algodão cor de rosa a causar choque anafilático em qualquer dependente das rotinas de insulinização. Traída pela tempestade, a visão do granito escuro alegrou-lhe os olhos marejados. Cresceu mais verde e forte sob o vórtice da chuva a descobrir as raízes. A poeira dos séculos acumuladas nas folhas fez com que desaparecesse prematuramente todo acúleo restando medir a febre e contar sobre suas aventuras. Ao redor do fogo do conselho, observada silenciosamente por moais atávicos, iniciando a saga com afirmação filosófica, algo cínica, porém de alto valor sofistico:
“- Ninguém me contou. Tudo isso, eu vi! ”

 
Autor
FilamposKanoziro
 
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