Crónicas : 

Adeus ao Estádio

 
Adeus ao Estádio
(Um género de crónica)


Estamos na recta final de mais um campeonato. Que, diga-se em abono da verdade, será ganho e bem ganho pelo Benfica, e que, se o Braga o ganhasse também se deveria aceitar pela melhor época de sempre deste clube minhoto.
Mas não é isso que aqui venho divulgar, é de facto, o meu lamento, pela dura realidade de decretar o meu abandono ao estádio do meu clube de coração.
E como qualquer decisão, é sustentada pelos episódios que considero determinantes para chegar a este veredicto.
Vou expô-los, com uma ordem arbitrária, mas com a certeza que na junção de todas o adeus ao estádio é inevitável. Vejamos o que considero como os sete pecados:
Os dias dos jogos – Quando se marcam jogos do campeonato ou agora liga profissional para as sextas-feiras, segundas-feiras ou outro dia qualquer da semana de trabalho as coisas ficam condicionadas. Continuo a defender os fins-de-semana para o desporto-rei.
As horas dos jogos – Marcar os jogos para as noites, como nesta penúltima jornada em todos jogam no domingo depois das 20 horas, com uma semana de trabalho pela frente, não é o melhor que se pode dar aos adeptos.
A televisão – Outra razão para afastar os apaixonados do futebol, mesmo sabendo que ao vivo é outra coisa, a comodidade e baixo custo – se comparamos os gastos de uma deslocação ao estádio – são factores determinantes, para além, claro, de a televisão proporcionar vários jogos e resumos a qualquer hora.
O preço dos bilhetes – Numa época de crise nacional e internacional, os dirigentes portugueses ainda não interiorizaram esta realidade e continuam a pedir valores acima da realidade portuguesa, usando e abusando, da paixão lusitana por este jogo. Até quando?
A qualidade dos jogos – Onde a vitória justifica quase tudo e o evitar da derrota influência as mentalidades, ainda há um constante simular de lesões, faltas e outras peripécias dignas dos melhores actores do teatro. Onde se perde imenso tempo de jogo com estas questões, por jogadores que na sua maioria são pagos principescamente para jogarem futebol, apenas isso, jogar futebol!
As arbitragens – Elo mais fraco e mais fustigado, sobre o qual recai toda a dúvida e toda a razão que justifica a derrota que uma equipa arrecada. São, aos olhos dos adeptos, jogadores e dirigentes, os que mais falham. São, também, o epicentro da pressão.
E os dirigentes – Pela responsabilidade que têm, e que nada fazem para mudar a lógica errada das coisas, porque ainda conseguem dar maus exemplos – quer nos modelos de gestão ou nos comportamentos públicos – incendiando o núcleo que é o futebol. Porque ainda não entenderam que o futebol só faz sentido com os estádios cheios, com o povo a vibrar, e com a transparência e rigor que o desporto merece. Com mentalidades melhores e instrutivas.
São estes os meus sete “pecados” que exigem o meu adeus ao estádio. Embora saiba que a minha ausência nunca será notada, que este género de crónica será como – a voz de burro que nunca chegará ao céu – entenda-se que nunca chegará a quem a possa ler e pensar um pouco o rumo deste desporto em Portugal, não podia de deixar de a fazer, para poder sentir que fiz a minha parte, aquela que o meu poder permitia e que, neste grito de alarme, ainda há uma réstia de esperança, que ainda vamos a tempo de mudar, de salvar a paixão pelo futebol e de evitarmos a morte de muitos clubes. Será que vamos mesmo a tempo? Creio que sim, mas cada um terá que, como eu, fazer a sua parte e não deixar o destino do nosso futebol nas mãos do tempo.

Mas, contra as sete razões para abandonar o estádio, há uma mais forte que todas, que fará, em qualquer adepto, o mágico momento de voltar – se o seu clube ganhar – para se tornar campeão.

Eduardo Montepuez


Eduardo Montepuez
http://montepuez.blogs.sapo.pt/

O meu último livro:

"O Espírito Tuga" - LUA DE MARFIM (2011)


 
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EMontepuez
 
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