Contos : 

Discussão Doméstica

 
Às sete da noite, uma ventania causou a queda de energia naquele apartamento (e nos demais, é óbvio).
Bento desligou o seu computador, bufando. Lia largou o que estava fazendo na cozinha e gritou de lá pra Bento:
— Ei, cadê você? Me ajude a encontrar uma vela!
Bento lá do seu quarto, respondeu:
— Já peguei uma, espera que vou até você pra acendê-la.
Chegando à cozinha, Lia olhou curiosa pra Bento e lhe perguntou:
— O que você fazia na internet?
—Estava jogando. Que chato ficar sem luz! O que faremos agora?
Lia, num tom irônico, disse:
— Por que você não me conta o seu “joguinho”?
— Ora! De repente você ficou interessada em games?
— Qual é o problema querer saber o que meu marido faz quando não estou por perto?
— Mas você está por perto sempre quando estou jogando, só que não compartilha disso comigo.
— Tá bom! Você está enrolando e até agora não me respondeu!
— O quê? Já respondi sim senhora! Faço isso todos os dias e não entendo o porquê da pergunta!
— Não quer responder, ok. Mas não me enrole!
— Vamos ficar aqui discutindo?
— É. Vamos sim.
— Vou pegar mais vela e colocar no nosso quarto.
— Daqui a duas horas volta... é sempre assim! Lia desabafa.
— Você quer saber por que eu gosto tanto de ficar jogando no computador?
— Se você quiser falar...
— É porque me esqueço da minha rotina e relaxo!
— Eu faço parte da sua rotina, né?
— É. Por quê? Não ficou chateada com o que eu disse né?
— Não! Imagina! Apenas sinto que meu marido prefere jogar a ficar comigo.
— Que isso? Você está sendo injusta! Eu jogo quando você não me dá atenção ou está fazendo alguma tarefa doméstica.
— Tá bom! Não vamos começar de novo a discutir, né?
— Eu nunca começo uma discussão. É sempre você!
— Sim... porque você só quer saber de ficar na frente do computador jogando...
— Não é verdade! Quando chego do trabalho, ou você está ao telefone com uma amiga ou fazendo não sei o quê na cozinha!
— Tá Bento! Chega, ok! Vamos ficar em silêncio?
—Poxa! Estou dialogando com você... está bem, é melhor mesmo!
— Que bom!
Os dois permaneciam em pé, encostados no armário da cozinha, olhando pra chama do fogo, pensativos.
De repente, Lia olha pro relógio pendurado lá na parede e exclama:
— Afff! Ainda falta uma hora e meia!
— Pois é. Devemos ter paciência. Afirma Bento.
— Eu sou a pessoa mais paciente desse mundo, Bento! Estou casada com você há sete anos! Hahahahahah!!
— Nossa! Que declaração de amor, hein?!
— O amor é paciente. Que foi? Não gostou do que eu falei?
— Não! Às vezes, você é bem dura!
— Mas você deve gostar, já que ainda está casado comigo.
— Não é isso não, meu amor, é que também sou paciente com seus defeitos.
— Não somos iguais! Posso ter defeitos, mas sou bem mais paciente que você.
E tem outra coisa: Estou cansada de suas ironias.
— Agora eu é que sou o irônico? Você é engraçada! Gosta das coisas do seu jeito e detesta ser contrariada.
— Se eu não gostasse de ser contrariada, não teria me casado com você!
— Ah! Então você gosta?
— Não enche!
— Não agüento mais ficar discutindo a relação com você! É entediante! Parece que a hora não passa!
— Pelo contrário! Agora falta somente uma hora pra energia voltar.
— Você faz de propósito?
— Eu? O que? Não entendi.
— Impossível vencer você em uma discussão.
— Humm... você acha mesmo? Isso é um elogio?
— Não, uma crítica! Pois você sempre arruma um motivo qualquer pra brigar comigo... me criticar...me colocar contra a parede!
— Quando é que lhe coloquei contra a parede, seu idiota?
— Hoje mesmo. Há alguns minutos. Não consigo relaxar quando estou verbalizando com você!
— Espera a energia retornar e volta lá pro seu joguinho, então. Por que você não se muda pro escritório?
— Por que você não cala essa sua boca?
— Tá bom, vou calar.
— Preciso ficar em paz, estou cansado. Hoje foi um pouco estressante no trabalho.
— Mas nada como um joguinho no computador, né?! Como você é infantil!
— E como você é preconceituosa!
— Não é questão de preconceito, só queria chegar em casa e encontrar um homem e não um menino.
— Pra onde você foi? Está sempre em casa! Só sabe reclamar, e de boca cheia!
— Fui às compras à tarde. Procurei tudo do que você gosta, preparei uma sobremesa gostosa pra quando você chegasse..., mas bem na hora que eu ia pô-la no forninho, a luz escafedeu-se!
— Poxa, amor, que legal! Obrigado. Aproximando-se e beijando Lia na boca.
— De nada! Afinal, pra isso servem as esposas!
— Oh! Amor! Só que nem todas são assim como você, dedicadas e amorosas. Tascou-lhe outro beijo. Lia dessa vez, retribuiu-lhe com mais ardor.
— Te amo, Lia.
— Também.
E, por fim, fizeram amor ali mesmo, no chão da cozinha.




Daniella Caruso Gandra

 
Autor
daniquerubim
 
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