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Pregões de outras épocas, na velha Lisboa

 
Temos de regressar ao início da década de sessenta, pela memória de quem por lá passou e ainda resiste, para serem recordados os últimos pregões entoados nos velhos bairros populares de Lisboa. Nesses idos anos era habitual ver circular vários vendedores, de comércio avulso, que calcorreavam todos os passeios, quando os havia, das ruas, travessas, pracetas e caminhos de locais como Alfama, Mouraria, Madragoa, Bica, Bairro Alto, Graça, Alto Pina e Penha de França, entre outros. Era a vendedora de figos, quem quer figos quem quer almoçar, o vendedor de castanhas, quem quer quentes e boas, as peixeiras de canastra à cabeça, colocada sobre a sua peculiar rodilha, vivinha da costa ou há carapau e sardinha linda, a vendedora de lacticínios, queijo saloio, o vendedor de gelados, olha o gelado, há o rajá fresquinho, o vendedor de fruta, olha a laranja, é da baía, entre vários. Mas também surgiam aqueles que vinham fazer negócio comprando, isto dentro da sucata, bugigangas, coisas usadas e jornais velhos e aí se ouviam apregoar, por exemplo, ferro velho ou quem tem trapos e garrafas para vender?
Muitos desses pregões eram esperados diariamente, pelos lisboetas de então, que ansiavam pela chegada do apregoador, com seus respectivos produtos, a fim de poderem proceder à sua aquisição, às vezes, quase sempre, com a discussão mútua dos respectivos preços de venda.
Existiam, também, os vendedores de serviços, como o limpa-chaminés, que normalmente aparecia em grupos de dois, olha o limpa-chaminés.
Tempos diferentes dos de hoje onde tudo se vende já empacotado e devidamente diferenciado, naquelas épocas muitos dos produtos alimentares e de higiene e limpeza eram comercializados de forma avulsa, os líquidos (vinho, azeite, leite, vinagre, petróleo, lixívia, etc.) pelas medidas de capacidade e os sólidos (marmelada, banha, queijo, sabão azul e amarelo, cera, etc.) ao peso, mas também “ao litro” se vendiam o grão, o feijão (de todas as variedades), a farinha, os açúcares branco e amarelo, e demais produtos similares.
Ainda me recordo, embora com certa tenuidade, de alguns desses pregões que iam ecoando por essa Lisboa de outras eras e lhe iam oferecendo uma musicalidade contínua e o regabofe sequencial, da procura e da oferta, que sempre nos traz a lume qualquer actividade comercial.
Tudo isto são coisas que se guardam na memória de quem as viveu e na história colectiva de um povo, no enriquecimento da sua própria cultura.
E já agora, por falar em riqueza, não querem comprar uma cautela?... Está quase a andar à roda!...

António MR Martins

in Suplemento h, do jornal "Hoje Macau", edição 2346, de 8 de Abril de 2011.


António MR Martins
Tem 12 livros editados. O último título "Juízos na noite", colecção Entre Versos, coordenada por Maria Antonieta Oliveira, In-Finita, 2019.
Membro do GPA-Grupo Poético de Aveiro
Sócio n.º 1227 da APE - Associação Portugues...

 
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António MR Martins
 
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Enviado por Tópico
DianaBalis
Publicado: 26/12/2013 08:31  Atualizado: 26/12/2013 08:31
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 Re: Pregões de outras épocas, na velha Lisboa
Bom dia Martins, muito interessante "causo" e história, um quase romântico jeito de : vende-se de tudo. Adorei, e vou aceitar a dica, desejo um Feliz Ano de 2014 com prosperidade, saúde e paz. Quem sabe para o ano, não tomaremos um café em Lisboa? Grande Abraço.