Poemas : 

Pontos de Fuga

 
Desenhou mapas cor-de-rosa na humidade que alimentava o bolor dos vidros da janela.
Explorador perdido no deserto de um quarto de hotel.
Para lá da janela, a rua ao fundo, era o seu mundo.
Um candeeiro disseminava a luz a tinta-da-china numa folha de mata-borrão.
Esforçou o olhar na miopia dos anos que já não contava pelos dedos,
Enxergou um homem em passo lento,
Acompanhado por um cão encurvado
Que lhe era mais a sua sombra ao invés de um amigo de caminhos.

Esta cidade já foi um mapa cor-de-rosa nas linhas das suas mãos,
Ruas abertas de par em par,
Mas estão cerradas no estado de sítio do seu punho.
Assustava-o a ideia da chegada da manhã.
Ainda turgia em si a esperança que um cataclismo cósmico
O arremessasse para o fundo de um buraco negro.
O que vale um homem se não alimenta a sua utopia?
Mas continuava tudo no mesmo lugar
Por detrás de uma janela de um quarto de hotel.

Estava de partida.
Já tinha escrito a folha de papel que ira deixar abandonada na mesa do café,
Seria essa a sua lápide tumular.
Estava de partida.
Ninguém se dera conta que ele já iniciara alguns dias essa caminhada,
Ou então, fizeram de conta, na desculpa da pressa dos dias das suas vidas.
Afinal, agora que iria partir,
Estava consciente que o fazia da mesma forma como aqui havia chegado,
Um trapeiro da noite vagueando na tempestade dos seus pensamentos.

Resolvera voltar –pensou - quando uma vez disse nunca mais voltar.
Mas há promessas que são deixadas no calor do travesseiro.
E fica aquele cheiro de saliva, lágrimas
A fermentar na raiva e na impotência.
Noutros tempos, esta cidade fora a sua caverna,
Ele fora eremita entre o café e o coreto,
Encontrara numa mulher o sol do sorriso.
E nesse tempo acreditou que podia de novo fazer barcos de papel no seu regaço nu,
Nas sua pernas cruzadas,
No seu sexo assim exposto.

Olhava a cidade por detrás da janela anónima do quarto de hotel,
Sabia que era urgente encontrar de novo uma gruta.
E nessa urgência, o nome da cidade não lhe saiu mais da cabeça.
Temia reencontros.
Nas subtilezas da sapiência de uma psicologia de cordel,
Os encontros consigo próprios não passavam de enganos.
O homem já era uma sombra, um gato maltês, uma fenda na parede.

Ele sempre afirmara que para haver perspectiva é essencial que haja pontos de fuga.
Esta cidade, a vida, a sua vida,
Já não continham um único ponto de fuga.


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Sedov
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Enviado por Tópico
PierredaGama
Publicado: 04/09/2012 11:55  Atualizado: 04/09/2012 11:55
Da casa!
Usuário desde: 29/07/2012
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 Re: Pontos de Fuga
Gostei.
www.pierredagama.blogspot.com :UM BLOG QUE DESVENDA A ALMA HUMANA.