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Conversa Pessoal (I)

 
-

-Obrigada, doce desconhecida, pelo teu sorriso gentil…
Como poderia um poeta doce desvendar um pouco do teu segredo?


-Gostei das palavras… mas o segredo é a alma do poema (riso).

-O melhor do poema é sê-lo.

-(Grande verdade…) Confesso, a foto do teu perfil deixou-me curiosa. E gostei tanto da parte “acerca de mim” que quase achei tratar-se mesmo do Poeta; como sou muito (também?...) de palavras, parei e sorri.

-Sabes bem como a foto é apenas uma máscara…

-Sem dúvida. E peca-se muito, olhando uma foto, por excesso e por defeito. E reciprocamente.

-Mas, a ser verdade a intuição de FP, a máscara finge tão completamente que chega a fingir que é falsa a imagem que dá da gente.

-Gostei da reinterpretação…

-Mas reinterpretart não é viver…?
(sorrindo do meu lapso –isto de entregar aos dedos o que é da vontade tem este preço, o dos pequenos vexames ortográficos – reinterpretar).
Gosto especialmente dessa definição: reinterpretar é viver.


-Sim… descobrir. E é isso, afinal, o que é viver: descobrir o que já existia como se fosse novo, como se fosse nosso.

-Serás, então, como eu, da natureza do navegante, para quem um porto não é um local de chegada, mas a transição para a viagem seguinte…

-Creio muito que sim. E do que somos, o que fica é o movimento.

-Acho que nos interpretamos muito bem.

-Sim, ainda que às cegas (riso).

-Eu gosto de interpretar do meio da escuridão… dentro do preto. Perdoa a explicação excessiva, mas talvez a ambiguidade da frase possa estar forçada…

-É em escuridão total que melhor se vêm as estrelas…

-Menos na escuridão do cego.

-Mas os sentidos, são, para quase todos os que vêm, um dom inexplorado.

-Interessas-me… acho que, nós dois, poderíamos fazer um belo poema.

-(rindo) Talvez... quem sabe, este:

Que poema somos nós,
que nos escrevemos às cegas
salgando gritos na voz?

Diz-me do fundo,
porque negas
o artifício das marés
(mar revolto, abismo certo),
os auspícios, os véus
que percorremos do vento
ao perto,
do risco do papel à tinta infinita
dos céus.

Que poema é a nossa voz,
Que nos lê às cegas,
Regressando do silêncio… a nós.


...para te provar o meu espírito “navegante”. (riso)

-Impressionante. É teu, presumo.

-É meu, sim.

-Leio nele uma viagem de solidão, distância, cansaço…
Mas ler um poeta num poema é o mais perigoso dos exercícios, porque se está sujeito ao vício da fantasia.

-Sim, debati-me em mares de distância de mim própria, muito tempo. Mas agora cheguei ao porto – não sei ainda se seguro, se de chegada, ou de partida... (riso)

-Sejam os meus dois braços o cais…

-(sorriso)...Isso de interpretar poemas é, sim, um exercício ingrato… talvez nunca conseguido com êxito, nem sequer pelo próprio autor.

-Eu não falava de “interpretar poemas” – mas do erro em muitos incorrem de tentar adivinhar a pessoa por lhe ler os poemas.

-No meu caso, não sei se o erro seria fácil… (risos) Somos unha e carne, eu e os meus poemas – sabem mais as minhas palavras de mim, que eu mesma – sou toda eu, quando escrevo. Alma.

-Fazes nascer em mim a necessidade de partilhar contigo algum poema, também…

-Acho justo… (risos)

-...e sinto impulso de responder à tua ode marítima com espuma e sal e distância também...

Gosto do mar, que sabe ser caminho,
Amar é ser assim, descobrimento,
Pudesse eu saber o meu destino,
Soubesse eu ouvir teu chamamento…
Ousaria, num onírico partimento
Romper essa teia de mil brumas,
Levando a bom porto o sentimento
Que me é fundo, inquietude, espuma.


-Oh!... de admiração, mesmo. Instantâneo?...

-Lamento informar que ainda não consegui essa perfeição… (sorrindo, tímido)

-Quem atinge…? Eu sou muito intuitiva, nascente livre, mas não ouso afirmar que construo poemas… escrevo apenas.

-Se me permites, outro poema, sem mar, mas a propósito:

No verso, ela é mais do que eu lhe peço,
Amando as palavras mais que a mim,
E eu, sem ciúme, desmereço:
Fosse eu palavra,
Sentindo assim.


-Impressionante, digo eu agora. A sério: o teu nome é mesmo Ladislau… ou será Fernando? Porque Pessoa sei que és. (risos)

-Obrigada por confirmares a dúvida que me assalta: serei…?

-(risos) És, com certeza… a menos que estejas acima desse estágio.




(continua...)

 
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Enviado por Tópico
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Publicado: 12/12/2012 14:38  Atualizado: 12/12/2012 14:38
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 Re: Conversa Pessoal
um diálogo interpessoal repleto onde a ambivalência das personas líricas torna o texto de interesse a todos e a ninguém em particular. e assim se faz poesia, de interpretações e reinterpretações e releituras...

abs