Poemas : 

NA PRORROGAÇÃO

 
NA PRORROGAÇÃO
 
Três vezes por semana, quatro horas por seção, essa, de quem faz hemodiálise, é a dura rotina. E não adianta reclamar, não tem saída, pois a pessoa sente um mal estar tão insuportável que ela mesma fica querendo que chegue logo a hora de voltar a fazer outra seção! “Para o que remédio não há, remediado está” diz o ditado; e a hemodiálise vem remediar, uma situação que, se não fosse por ela, seria o fim do renal crônico. Certo, tem a possibilidade do transplante, mas até que se faça o transplante: coisa que não é feita num passe de mágica, de uma hora para outra, ainda que aja um doador na família, por exemplo, depende de preliminares, tais como pedidos e realização de exames de compatibilidade, depois, mesmo se compatível, tem-se que fazer outras baterias de exames; tem-se que esperar a boa vontade de equipe de transplante para marcar o seu, ou melhor, acho que não é nem uma questão de boa vontade da equipe de transplante, é por causa de procedimentos mais complexos envolvendo a cirurgia, que não é simples.
Todavia, para tudo na vida tem jeito, isso é um refrão que se ouve aos quatro ventos; e, acredite, é uma grande verdade! Por mais uma situação pareça sem saída, que chegou o fim de tudo, a vida, sabiamente, tem meios de resolver ou remediar a situação: nada, em situação nenhuma, está perdido! Lógico, estamos falando de situações em que permanece a vida, porque tem os casos de morte, mas esses, penso, estão nos desígnios de Deus e, ter fé em Deus, acreditar realmente, numa Força Superior que a tudo rege é fundamental para a saúde do Espírito! Então, esses casos, entreguemos a Deus; lógico, isso tudo é meu ponto de vista, minha crença. Mas, voltemos no caso em que a solução é permanecer vivo, lutando e tendo uma melhor “sobrevida” possível; não gosto dessa palavra, ela dá, para mim, a ideia de que acabou a vida e depois da vida vem uma “sobrevida”, que não é bem viver com plenitude e intensidade alguns momentos da vida. E isso não é verdade! Um renal crônico pode ter uma vida quase que como a de outra pessoa que não seja renal; evidente, têm-se as restrições, principalmente na alimentação, na quantidade de líquido a ser ingerida, mas, ainda assim, pode-se ser feliz fazendo hemodiálise, desde que se considere a felicidade provisório estado de espírito, em que se goze o máximo de bem estar e alegria. Quem não entende a grandiosidade da Vida, revolta-se ante uma experiência mais sofrida; e a revolta é um látego com pontas de aço: castiga, judia da pessoa e a leva ao desespero e faz que a vida feche as portas das soluções dos problemas, porque ficamos como que de olhos vendados para tudo, a revolta queima vinte e quatro horas por dia e, com ela, vem a depressão, esse monstro horroroso que nos torna fracos, vulneráveis e dependentes.
Agora, que já estou há alguns anos nesta vida de renal crônico, depois de já ter feito um transplante, no qual minha irmã foi doadora; transplante que durou seis anos e meio, quando depois disso, o rim que minha irmã doou foi rejeitado: um dos mais tristes acontecimentos na minha vida, não tanto por mim, mas por minha irmã! Queria ter ficado mais tempo com o rim dela, para que ela sentisse que valeu a pena todo sofrimento causado a ela por esse gesto da mais sublime abnegação. Mas, certas coisas, não conseguiremos nunca recompensar devidamente a quem nos ajuda nesta vida, então só resta deixar a cargo de Deus, que Ele realmente pode tudo. Depois da rejeição já vai para cinco anos que retornei a hemodiálise! Hoje, estou totalmente adaptado àquele ambiente difícil que é uma clínica de hemodiálise; para uns a adaptação é mais rápida, para outros, nem tanto. Eu, por exemplo, levei uns sete anos para me adaptar; para isso acontecer, tive de mudar de clínica, tratar com psicólogo, psiquiatra, procurar ajuda espiritual, e tratamentos alternativos tais como a acupuntura. Atualmente, levo uma vida relativamente, normal; o mais difícil para mim é a dieta! Adoro comer muito e beber água, suco, refrigerante e é-me muito duro fechar a boca, não comer certas frutas, por exemplo, ou melhor, pode-se comer de tudo, mas pouquinho demais! Um renal crônico só não pode comer carambola, de forma alguma: ela tem uma toxina fatal para quem tem problema de rim.
Muito tenho a falar sobre minha experiência desses quinze anos de vida de renal, mas, por hora, basta. Para finalizar quero dizer que acho bom e justificável todo renal crônico sermos gratos à hemodiálise, ela é aprendizado único, é como se estivéssemos no banco de uma universidade aprendo para a vida. As lições de paciência, convivência, moderação, calma respeito ao corpo são valiosos aprendizados para a alma! Hoje, graças a impressionante evolução da ciência, temos essas maravilhosas máquinas-rim: nossa salvação! Com elas, Deus concede-nos valioso tempo-prorrogação para, em nossos erros, fazermos a necessária correção. Na Vida tudo tem de ter sempre uma sábia razão: o Pai da Criação não cria pelo só gosto da destruição.




Manoel De almeida

 
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ManoelDeAlmeida
 
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