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3Tentativas

 
Tentativas

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Já haviam passado alguns dias, que não saia de casa. Ainda me restara um pouco de vinho e comida, então resolvi me embernar para tentar recuperar minha imaginação e tentar esquecer a minha Deusa! Mesmo sabendo que seria impossível de imediato. Escrevi muito pouco e recebia diariamente visitas da Ingrid, sempre após as 18:00, pois era o horário que saia do seu trabalho que era próximo à região oeste da “Pequena Londres”. Trabalhava como call-center, me parecia um trabalho estressante só de escutar ela contar sobre seus acontecidos naquele local. Certa vez, ela me disse que foi xingada por um tipo carioca, que a fez chegar ainda nervosa em casa, não conseguia falar corretamente e seu olhar ficou perdido enquanto se sentava em uma das almofadas que tinha em minha sala. Servi-a com um pouco de vinho e sentei encostando a ela. Ela estava tremendo um pouco, mas depois se acalmou e se entregou ao meu ombro. Naquele momento percebia novamente como vivíamos em um mundo repletos de filhos da puta como eu, mas Ingrid era especial, não era como eu. Era serena, delicada e sensível demais para um mundo como esse. Nesses tempos os dias eram outros, os criminosos não eram apenas os pais de família desempregados e oprimidos pelo sistema e que recorriam aos furtos para sobreviverem, agora eram crianças brincando de matar, eram crianças brincando de assaltar. E a policia não podia fazer muito, apenas fingia fazer algo pela população que ficava cada vez mais oprimida. Semanas atrás, estava com Ingrid passando pela região oeste, onde era o antigo lugar que trabalhava. Tínhamos ido pegar um cheque de dias proporcionais de trabalho. Para chegar lá passamos próximos de três favelas, eu cortava por entre as ruas, pois não queria que tivesse problema com bandidos ao lado de Ingrid. Cortamos por entre becos, saliências, expliquei o porque para Ingrid, mas não se importou muito. Confiava em mim. Mas nem eu mesmo confiava em mim e permaneci calado e atento a todos pelo trajeto, até chegarmos ao local. Na volta agora com o cheque em mãos, resolvemos pegar o ônibus da linha 311, que passava em frente a uma igreja algumas ruas abaixo, novamente pusemos a caminhar entre as ruas com casas sem reboques, algumas sem grades no muro e muito poucas com carros na garagem. Quando escutamos alguns sons parecidos de batidas entre duas madeiras, pareciam tiros, e vinham de muito perto, pois o som foi bem alto para nossos ouvidos. Olhamos para os lados e caminhamos agora na calçada, entre as arvores, pensamos assim que seria mais difícil de uma bala perdida nos acerta. Entramos em uma rua à esquerda e vimos uma aglomeração, pessoas correndo, chorando, gritando, brigando. Paramos na esquina e ficamos observando. Surgiram carros da policia de todos os lados possíveis, ainda esperamos um pouco. Às vezes a policia causava ainda mais tumulto, chegava violentando os moradores, os familiares do suposto morto e a população se revoltavam contra os policiais, já presenciei cenas assim e sei que o melhor é a distancia senão quiser ir para a cela. Então ainda na esquina observando a multidão, estavam calmas no possível, apenas algumas mulheres chorando próximas ao corpo. Então resolvemos pegar outro caminho. Sentia a minha mão sendo delicadamente esmagada pelas mãos de Ingrid, também não gostaria de passar por ali e sentir a dor da mãe, irmã, ou seja, lá quem fossem aquelas mulheres aos prantos.
Chegamos ao ponto enfrente a igreja e ficamos esperando o ônibus, Ingrid estava muda olhando fixamente para a igreja, percebi no seu olhar o desejo de entrar lá!
- Quer ir até lá? – perguntei
- Podemos?
- Mas temos que ser rápidos senão perdemos o ônibus – respondi e vi um brilho em seu olhar. Há anos não entrava em uma igreja, não tinha nada contra igrejas e quem as freqüentavam, mas simplesmente não gostava de ir. Entramos pelas portas laterais, havia apenas duas senhoras nos bancos da frente, enquanto eu e Ingrid preferimos os bancos dos fundos. Ela se ajoelhou colocando a cabeça sob as mãos e começou a sussurrar, enquanto eu me ajoelhei, mas fiquei de olho na rua para ver se o ônibus estava vindo, pois sabia que se perdêssemos aquele, teríamos de esperar mais um bom tempo, essas linhas eram raras de ter muitos ônibus, demoravam uma eternidade para vim outro e quando vinham tinha que torcer para não quebrarem no meio do caminho.
Quando avisto um amarelo de longe dobrando ruas abaixo, não tinha muitas casas naquela região, portanto podia olhar por ruas abaixo.
- Vamos, vamos! – disse a Ingrid e pegando-a pelo braço
- Ta! Ta! – respondeu fazendo o sinal da cruz rapidamente e saindo. Ajoelhamos novamente na saída, olhamos para o altar fizemos o sinal da cruz apressado e corremos pelo pátio da igreja até a rua, o ônibus estava vindo rápido. Tínhamos que apressar a corrida, não poderíamos perder esse ônibus, ele teve que parar em uma lombada e com isso ganhamos tempo, cruzamos o portão comigo à frente e segurando o braço de Ingrid.
Entramos no ônibus, pagamos ao cobrador e fomos embora.




CB


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Carlos Bazesko
 
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Enviado por Tópico
britoribeiro
Publicado: 02/03/2008 17:21  Atualizado: 02/03/2008 17:21
Muito Participativo
Usuário desde: 08/01/2008
Localidade: Vila Praia de Âncora
Mensagens: 51
 Re: 3Tentativas
Um cotidiano urbano, onde a sobrevivencia é uma arte não desprezivel. Gostei!

Abraço