Prosas Poéticas : 

Carta à Última Abadessa de Santa Helena do Monte Calvário

 
Carta à Última Abadessa de Santa Helena do Monte Calvário
 
Évora, 7 de Setembro de 1889 do ano de Nosso Senhor Jesus Cristo.


Madre Abadessa,

muito me contrista escrever-vos esta carta. O momento é solene, falaz, melancólico. Perturba-me saber que vos encontrais em vosso leito de morte. Dói não me poder aproximar. As regras do mundo e da Santa Madre Igreja não mo permitem neste momento. Mas quantas vezes, Senhora, me confessei em oração, desabafo e poesia em vosso Santo regaço! Quantas vezes, vós, querida Maria José, Madre da minha angustia, Abadessa do meu coração me confortastes na dor de, sozinho, na solidão das encruzilhadas, não reconhecer os caminhos de Deus! Quantas vezes trouxestes de novo Cristo ao coração!

Agora, o mundo e as vozes de cruzes mal vividas e votos mal professados não me permitem sequer aproximar do vosso último instante, do vosso momento final! O ciúme, a inveja que sentiam da nossa amizade, revela-se neste acto vil e cruel. Não há limites para a maldade da mente humana quando não está alinhada com o coração! Quando apenas dá ouvidos à amargura de sentimentos parados em águas pantanosas, turvas, nauseabundas ...

Estou convosco em pensamento, Senhora, bem sabeis! Como sempre estive, como sempre estarei! O que seremos um para o outro, de hora avante, em tudo mudará, Senhora!Não mais se tocarão os nossos olhos, nem as vossas santas mãos de "Matter", voltarão a aconchegar, no vosso santo colo, os meus cabelos densos, fartos, negros ou secarão as minhas lágrimas em horas de desespero! Restar-me-à chorar sobre a vossa santa tumba...

Se antes chorava convosco por mim, Senhora, agora, não sei se chorarei por mim ou por vós que vos não tenho! Apenas não mudará esta ternura que por vós sinto. Isso, nem a vida nem a morte, nem criatura alguma me poderão arrancar. Só sei que nunca mais darei a minh'Alma àquilo que não viva para sempre! Nunca mais! Nunca mais!

Deixo, porém, inscritos em seguida, uns versos que fiz certa vez, quando vós, Senhora, me contastes a celebérrima história do Sino da Fome que pontifica, desde há muito, no campanário do convento do Monte Calvário, tocado apenas em horas de fome, desespero e solidão!

- O SINO DA FOME -

Quando se ouvem badaladas
Desse sino solitário
Fala a fome das consagradas
De Santa Helena do Calvário!

No silêncio da cláusura
Entre o dia e a penumbra
Grita o sino por ternura
Contra a fome que se apruma!

E as Trindades vão soando
E a fome vai batendo
Toca o sino de quando em quando
E à Abadessa vai morrendo!

E não há quem não pereça
Ao saber que num Sudário
Morre a última Abadessa
De Santa Helena do Calvário!

Hoje, a fome é minha, o alimento que se esgota sois Vós, Senhora, e o Sino da Fome do meu campanário é esta carta que vos deixo ... porém ... ao contrário das Consagradas de Santa Helena do Monte Calvário, ninguém me pode acudir. A fome de vós não mais terá retorno!

Hei-de sempre despedir-me, Senhora, quando cruze o adro do Calvário de Santa Helena. Hei-de reclinar a cabeça como se fora no vosso colo e recordar o perfume de rosas e gardénias do vosso regaço ...

Adeus, Senhora, despeço-me até Sempre
por ser o tempo mais certo!

O sempre só,
RICHARD MARY BAY

P.S./ Na penumbra dos meus sentidos há-de sempre pairar a vossa Santa Voz!



Richard Mary Bay
"o Último Romântico"

 
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SirRichard
 
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