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Vivendo & Escrevendo I

 
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O CÉU NUBLADO, o rádio na televisão, os gatos deitados sobre a mureta do terraço e o gorjeio solitário de um passarinho no alto do poste, onde fez um ninho sobre o transformador de alta-tensão. Uma moto que passa devagar sobre o improvisado quebra-molas que o PM da frente mandou erguer. Os passos arrastados no asfalto. Os raios solares iluminam as fotos dos mestres Dostoiévski e Henri Miller colados na parede abaixo do retrato de Mama Grande. Escaldo as minhas louças na lavanderia improvisada no quintal, depois bebo café e saio.

Na Praça do Bacurizeiro bem cedo antes das sete e nenhum papudinho a vista. Os gatinhos abandonados amontoados uns sobre os outros dentro de uma caixa de papelão próximo a um dos portões do mercado..

Todos os dias, a mesma rotina,dar uma ronda pelo mercado, almoçar, deitar, ler um pouco,cochilar e dormir a tarde inteira, geralmente sonhar os sonhos esquisitos, sem pé e nem cabeça, - enfim coisas que me emocionam muito, pensando em ser realidade e quando desperto deprimo-me, fico reflexivo e pensativo. A surpresa feliz de encontrar meu filhote ainda pouco, e conversarmos na Praça Sete Palmeiras (do Viva). Eu aqui no meu humilde aposento relendo o escritor sul-africano premio Nobel Coetze "O Mestre de Petersburgo" - o reggae vindo da Praça do Viva,



SÉTIMO DIA DE SETEMBRO. Domingo, dia da Independência. Ouvindo "Time" do grupo de rock psicodélico dos anos 70 Pink Floyd. Para afagar meu ego, leio algumas paginas do meu "Le Cahier Rouge Du Pére Joseph" livro publicado na França pela Edilivre.. Gostei do estilo e da estória de Coetze, semelhante a Hemingway em alguns aspectos ou até mesmo o próprio Dostoiévski -. Sintonizo no canal 2 para assistir o desfile militar direto de Brasília que acompanhei durante muitos anos aqui nesta sala com o velho e falecido Pai Vince já decrépito, atormentado pelas doenças diabete e Alzheimer e não lembrava de nada.

O arbusto da romã cobre a vista da janela, mas percebe que lá fora já é noite. O céu escuro sem nuvens e nem estrelas.. No radio-gravador o velho reggae, odor azedo das minhas axilas. A monotonia e a depressão de um começo da noite, o ranger das dobradiças da porta do banheiro. Um gato miando - coço a barba rala, não consigo coordenar os meus pensamentos e coloca-los corretamente nos papeis que pretendo escrever. Arroto baixo, quase inaudível. A estática do rádio - Uma duvida me assombra, se devo ou não sai para arejar um pouco, mas para quê, vê e sentir as mesmas tristes emoções, observar os casais felizes namorando e eu solitário sofrendo por não saber administrar meus sentimentos. Um peido barulhento e fedorento. Deito-me de bruços, a coluna dói - no meio do colchão tem um fundo, lembrei-me de Madame Rameaux entrando e saindo dos quartos da Pousada Nazaré na rua do mesmo nome, sempre reclamava dos colchões onde passávamos os finais de semana, a noite e as vezes dias. Foram momentos felizes andando pelas ruas desertas do centro namorando na Praça Benedito Leite vendo as putas velhas e travestis embonecadas fazendo ponto na calçada ao lado da lateral da Catedral da Sé disputando os seus clientes. A noite no centro sempre me fascinou desde a minha adolescência.

DIA DA FUNDAÇÃO DA CIDADE DE SÃO LUIS - Na Praça do Bacurizeiro encontrei apenas Matraquinha e Seu Valdir Pintor ambos tristes sentados cada um num banco, a espera de outros membros que aos poucos foram chegando.


Começo da tarde. Digitei mais umas folhas, ouvi as canções do mestre Jackson do Pandeiro e outros. Para levantar um pouco a minha decaída moral, enquanto assistia a um filme insosso na sessão da tarde, apanhei o antológico "Pé na Estrada" do louco Kerouac, que sempre admirei antes mesmo de lê-lo nos anos 80 - encontrei-o na Banca do Irmão, o exemplar de "Os Subterrâneos" com a apresentação do velho e bom Henri Miller elogiando a sua prosa:"ele é quente como o inferno". A historia de amor entre ele e a negra Maddox Fox foi apenas um aperitivo. Passaram-se quase trinta anos até reencontra-lo numa gôndola circulatória num box de uma editora na Feira do Livro, o que sempre procurei. E agora releio para aumentar a minha autoestima

Contos os dias para entregar os livros e apanhar outros na Biblioteca Itinerante do SESC, a minha única diversão. Aos poucos o céu vai escurecendo, as lâmpadas dos postes acendendo. Um torcedor chato e abusado do Sampaio Correia de carro com o som alto de uma versão funkeira do hino do seu clube. O Negão forte barbeiro vai para o trabalho de guarda de segurança. Kerouac animou-me a escrever como sei. A confissão de Raskolnikov para a frágil Sonia e o safado do Svidrigailov ouvindo atrás da porta no outro quarto. A sofrida Catierina e seus filhinhos amedrontados, abraçados dentro do baú chorando, a malvada da senhoria a alemã Amália quebrando as poucas coisas e expulsando-os do quarto. A realidade dura da miserabilidade de uma cidade portentosa com Petersburgo no século XIX em Crime & Castigo de Dostoievski. Uma linda lua brilhante surge por trás das casas na direção do Piancó. O vento refresca os sentimentos.



ESCANCARO AS FOLHAS DA JANELA para o sol entrar. Arrumo a minha cama, dobro o lençol e o penduro no varal ao lado de outras roupas. Ontem dei um passeio por trás do mercado, na Praça do Bacurizeiro onde Ademir preparava o jantar numa lata grande enegrecida pela fumaça da improvisada fogueira no chão próximo ao muro. A companheira Sena sentada calada numa das raízes da Barricudeira, um rapaz sentado num engradado fumava desesperadamente um cachimbo de crack. Contornando pela rua l8 bem no canto com avenida, encontrei meio-escondido o solitário Jack, um rapaz moreno com feições de índio peruano, cabelos lisos, mediano e que gosta também de Dostoievski, que sempre lhe empresto. Conversamos quase por uma hora assuntos variados de Hitler, Balzac, Hemingway (gostou de "Por que Os Sinos Dobram", mas não de "O Velho e o Mar" - Contou-me que está lendo Gilberto Freire, o sociólogo pernambucano, autor do antológico "Casa Grande e Senzala"). Pela manhã trouxe os livros que lhe emprestei há alguns meses atrás e não conseguiu ler "Ilusões Perdidas" e outros ambos do grande Balzac. Mostrei-lhe o meu humilde quarto, o meu canto, os meus livros - emprestei-lhe "As Aventuras de Nick Adams" de Hemingway e "O Grande Gatsby" do mestre Fitzgerald. Cozinhei uns ovos com caldo e verdura, que almocei e guardei o resto para jantar e comecei a reler "Ilusões Perdida", estava com saudade de Pai Sechard, e seu filho David e o belo poeta Luciano de Rubempré e a bela Senhora de Bargeton - de Angouleme - leio dois monstro sagrados da sagrada literatura o francês Balzac e o russo Dostoievski. Assisti uma comédia de l956 - "Nunca fui santa" com a exuberante Marilyn Monroe.




MANHÃ ENSOLARADA na casa estranha sem a presença atuante da Sra. Vince. Eu sentado no sofá grande o único na exígua sala de estar, além das três cadeiras de plástico; duas brancas e uma vermelha encostado ao lado da porta e a de macarrão de balanço. Uma estante de aglomerado com a televisão no meio e nas laterais com as portinholas de vidro escurecido onde repousa alguns livros, de um lado os grandes clássicos e do outro os em francês.

Na Unidade Mista do Bacanga, o Guarda impassível em pé no canto do corredor e as funcionarias em jalecos brancos transitando de um lado para outro. Não consigo escrever como gostaria, as imagens misturam-se e a linguagem desaparece. Ontem estava tão desanimado que não digitei nada, apenas corrigir e ouvi Réquiem de Mozart - chateado sem forças para enfrentar uma depressão . O momento que vivo não é dos melhores, estou no quarto mês de tratamento contra uma tuberculose.

Peguei a minha ração literária na Biblioteca Itinerante do SESC, três exemplares. Uma condensação da obra que iniciou o movimento realismo "Germinal" de Emilio Zola; "Sidarta" do mestre alemão Hesse, o mesmo autor de "O Lobo das Estepes" e uma biografia de um inglês Richard Burton (que confundi com o ator britânico) escrito por Ilia Trofanov - guardei Balzac e o drama de Lucien e viajo nessas novas vertentes.

Uma lua bonita clareia os meus enegrecidos sonhos. Encerrei a leitura de "Germinal". Todos dormindo. Um ônibus vazio passa na avenida deserta. Os latidos dos cães e a minha solidão arejada por um vento sutil.

..Continuou com o pigarro chato na garganta. Junior, neto de Seu Eriberto emprestou-me "Wood Allen - uma biografia" de Eric Lax - sempre admirei esses cineasta desde quando li o seu fantástico livro "Cuca Fundido" com suas historias hilariantes, bem engraçadas, assisti poucos os seus filmes, agora de uns tempos para cá, os vejo com um pouco de sorte na SKY no TCM - e lê a sua biografia é bem interessante, conhecer a intimidade de um gênio que sempre amou o cinema.

Na Praça do Bacurizeiro Matraquinha estava triste e sozinho sentado atrás da amendoeira, quando me viu, o rosto alegrou-se. Sentei-me ao seu lado e ficamos botando conversa fora. Enquanto esperávamos os outros chegarem. Bebera as duas primeiras doses de misturada no Mundé - é o primeiro a chegar pontualmente entre seis e meia da manhã depois de comprar os pães da vovozinha do canto. Meia hora e depois chegou Gato tossindo desculpando-se por ter chegado atrasado para a primeira rodada. Os cachorrinhos ainda de olhos fechados dormitavam encostados dentro da caixa de papelão. A cadela mãe deles os abandonou. Cachorrão sobrinho do finado Home-eletrico contribui com um real para a primeira garrafa.

Durante anos maltratei o meu estômago. Primeiro foram as pílulas (bolinhas) de Optalidon que ingeria como água no inicio da vida adulta nos anos 80 - foram cinco anos ininterruptos, todos os dias - desde o amanhecer até a madrugada. Naquele tempo era o máximo ficar dopado vinte e quatro horas - levando uma vida quase normal - trabalhando com Pai Bamba na oficina, embriagando-me nos finais de semana de cerveja e cachaça com Coca-Cola. E nos finais de tarde, eu e Tio Willi íamos felizes as compras, que comprávamos livremente nas farmácias da Praça João Lisboa, tínhamos nossos vendedores que nos atendia com maior prazer. De uma vez compramos cinco caixas com quinhentos comprimidos, que passamos quase meia-hora debulhando, que os nossos dedos doeram de tanto pressionar as cartelas e depois os colocamos naquele vidro grande de bombom que Tio Willi achou na despensa abandonada do casarão dele. Foi uma festa, ingeri tanto comprimido que perdi o rumo e amanheci ainda ébrio e vacilando e então a casa caiu. Meus pais descobriram através da deduração do cagueta do mano Biné que foi apanhar as cartelas vazias que eu escondia atrás dos meus livros numa caixa de manzana argentinas no sótão, próximo onde dormíamos. Então fiquei mais cauteloso, mas não abandonei o vicio que alternava com umas baforadas de maconha no casarão de Tio Willi na Travessa da Lapa ou na humilde casa de Tio Karl na Praia do Desterro. -.

Flashback - Noite na beira da Praia Ponta D'Areia, no dia das Bruxas. Uma lua bonita fazia uma trilha incandescente sobre a maré cheia, as ondas espumantes quebrando nas areias e eu e a minha amada Van - fumei um baseado perto dela para harmonizar com o clima romântico,um reggae ao fundo que ecoava de um dos bares. Nossa primeira noite juntinhos longe de tudo e de todos. Como posso esquecer essa divina mulher maravilhosa que esta constantemente nos meus sonhos.


LUTANDO CONTRA MIM MESMO, vim para a oficina ver como estão as coisas. Fazia uma semana que não abria, a poeira tomou conta do ambiente.. Seu Bastos trouxe uma grade, fiz o trabalho combinado e a coloquei em exposição na calçada, enquanto espero que venha busca-la. Nem tudo esta perdido, vamos devagar - esta é a minha vida e não adianta querer fugir dela. Esse é o meu oficio que orgulhosamente aprendi com o meu velho Pai Bamba. Deus escreve certo por linhas tortas. A monotonia de todos os dias, lembrando uma cidadezinha do interior

Aleluia!Aleluia! Dez reais no bolso - Gracias, muchas gracias Señor Dios! Vielen Danken, mein Gott! Grazie Mille, mio buono Dio!больше спасибо, мои Бог! Merci beaucoup Dieu!



MEU PRÓXIMO LIVRO não serão baseados nesses cadernos, farei algo diferente por exemplo dar continuidade "Notas de uma Prisão federal" - o negocio é que sou muito cabuloso, estou digitando na marra as ultimas folhas de "Crônicas de Uma Tuberculose Anunciada". Conclui "O Colecionador de Mundos" de Ilian, continuou com "Sidarta" de Hesse e acaso achei jogado sobre a televisão na sala do computador o livro "O Bispo" uma biografia autorizada do Bispo Macedo - uma figura que admiro e respeito pela sua argúcia e inteligência, que começou num coreto de uma praça em Niterói aos sábados a tarde, depois numa funerária e tornou-se líder inconteste de uma multinacional da fé, A Igreja Universal do Reino de Deus - bilionário construiu um dos maiores templos evangélicos da atualidade – "Templo de Salomão" no bairro do Bexiga em São Paulo - uma mega construção toda no mármore importado dos desertos de Israel com cinquentas apartamentos, onde num deles mora com a família, deixou a barba crescer, dando-lhe aparência de um velho profeta bíblico.

 
Autor
r.n.rodrigues
 
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