Poemas : 

XX

 
XX

Hoje não chove porque é Verão.
Caiem-se em mim as dores do mundo
Que eu finjo já não ter;
E há sombra da noite
Iluminado à ponta do cigarro
Vejo os carros passar,
Chapinhando com as rodas no piso molhado.
É 1922, e eu não sei o que aconteceu ontem,
Porque é de madrugada e ainda não saiu o jornal;
Estou encostado a uma árvore desta cidade
Em que julgo viver.
Escrevo de pé para cair
Pela tinta deixada no papel.
Não tenho frio.
Porque é verão e não chove
Estou agasalhado, para não ficar constipado,
Se o tempo mudar
Assim de repente.
Aqui não passa gente,
Já dormem, e eu aqui a fumar.
Não consigo dormir,
Quando fecho os olhos
Fico tão só, só comigo para falar.
Não gosto de mim, vou ser sincero
Sou um tipo estranho
Que não pára de falar.
Verdadeiro, pelo menos, assim o espero…

Mas não gosto de mim!
Ninguém me pode obrigar,
Nem mesmo as minhas obrigações.
Fachadas dirão alguns ao ler,
Num prédio que ruiu
Sem preocupações,
E metáforas a fazer.
Deixo cair o último pedaço de cinza
E já tenho outro cigarro à boca;
Já não me apetece mais,
Mas ajuda a iluminar o papel
E o caminho às palavras
Que tropeçam no tédio de mim
Já estou cansado, mas não tenho sono
Já estou entediado, mas em que posição me ponho?
Quero escrever,
E largar à tinta pedaços de mim
Matar-me, reinventar-me,
Deixar-me apodrecido no papel
Para que não cheire mal
E safar-me, sem ficar igual, ao que fui
A vida tem contornos engraçados,
Desafios desvairados,
Leva aos cornos desgraçados,
Calafrios disfarçados.
Tenho à palma da mão
Controlo sobre coisa nenhuma.

É verão, mas não chove;
Nem eu estou na rua,
Estou quieto e sentado
De alma nua
A escrever o que ninguém
Na gargalhada em que me dou
Doem-me as costas e partes da vida
Está toda partida
E não sei em que ponta lhe pegar….
 
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Blackbird
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