Mais um dia e o inesperado aconteceu:
a noite veio, pegou-se em mim.
Faz tempo que eu caí nesta vala —
       sem razões à frente
       ou motores à popa, 
tanto faz se é dia, se é noite;
na vala, toda espera é sem nexo.
Mas, indiferente aos arranjos de palavras —
pois o mundo é, e palavras não são —,
é noite, enfim... Enfim?! Não; enfim não, 
pois o enfim é um poste apagado na ansiosa,
e agora ex-distante, extremidade de uma espera.
E eu já disse: eu não espero mais!
Sob qualquer ângulo de visada,
é a noite espalhada, coalhada no mundo...
Torna-se impossível negar: é noite!
E dentro do meu armário absurdam-se
       os meus sapatos, as roupas antigas,
       as camisas e as cuecas brancas;
       os cintos pretos separados do marrons;
       as pastas de velhos documentos...
São evidências de que eu tinha o vício de esperar,
e agora, curado, eu apenas vivo nessa vala do não;
amanhã, eu não quero e não espero nada, ninguém...
Nunca, nunca, eu pude fruir tanta liberdade!
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[Desterro, 10 de janeiro de 2015]