Por toda a dor cotidiana, que naturalmente me integra a vida
Faço-te uma emboscada para que meu poema te prenda a mim
Imerso neste subúrbio à espera da escuridão que se aproxima
Uma manobra quase infantil na esperança de ter teus suspiros
Neste final de dezembro o calor do verão irriga e inunda o ar
Sou o pássaro gravado em sua fuga e o relógio segue a pulsar
Ainda tenho nos ouvidos da memória umas cantigas de Natal
Mas a magia que irrigou todas as fantasias, só pulsa no sonho
Numa carruagem assombrada e abarrotada de quinquilharias
Onde todos os desejos antigos eram reféns de mentiras tolas
Rememoro com incômodo o que fiz e o que poderia ter feito
Reconheço que toda escolha mal sucedida, ora é irreparável
Mas o que não fui ou o que não fiz é morto não mais importa
Porque toda a escolha ficou na ilusão do tempo e do espaço
Não adianta exaltar a passagem de 365 dias, nomeados de ano
Desejando que tudo, num estalar de dedos, mude de repente
Se cada dia não fizermos brotar essa mudança dentro de nós
"Somos apenas duas almas perdidas/Nadando n'um aquário ano após ano/Correndo sobre o mesmo velho chão/E o que nós encontramos? Só os mesmos velhos medos" (Gilmour/Waters)