Contos : 

Quando a realidade é o sonho

 
O dia raiou e a luz entrando pelas janelas, cobertas apenas de cortinas de voil, impediam que alguém permanecesse em seu sono.
Pois, ela acordou e abriu os olhos sem compreender muito bem o que acontecera. Entre a surpresa e a negação do que seus olhos viam, a pujante imagem que via pela janela era de impressionar.
Aquela torre de ferro que se impunha na paisagem impedia a qualquer um negar qual era aquele lugar. Era Paris.
A última cena que antecedia esse despertar e que ela se recordava era ter-se deitado em sua cama no seu apartamento modesto, onde tinha que fechar as janelas que davam de frente a uns vizinhos ruidosos e invasivos.
Chegara da festa onde estivera conversando com uma pessoa quase surreal, que falava de coisas incríveis, de viagens inacreditáveis pela força do pensamento.
É certo que bebera, talvez, uma taça de vinho a mais - o que a levou estimular que o desconhecido seguisse contando sobre teses mirabolantes de deslocar-se no espaço físico com a força do pensamento - e o assunto era tão descompromissado com a dura realidade de dias meio a uma pandemia, que se divertia com o que ouvia.
Ele de fato tinha um olhar penetrante e olhos inquisitivos e tinha respostas para todas as oposições que o grupo de amigos fazia.
Era conhecido de alguém no grupo e tomara o centro da conversa ao afirmar que era possível fazer viagens físicas apenas com a força do pensamento se acaso duas pessoas, numa exclusiva reunião de frequências mentais especialíssimas se encontrassem e assim desejassem.
Todos riam como se fosse uma brincadeira e ele, sem se importar com os gracejos, apenas narrava os métodos para fazê-lo.
Em dado momento ninguém mais o ouvia e os assuntos das conversas caminhavam como em qualquer reunião de amigos, mas ela ficara pedindo mais informações e ele a explicar.
Ela havia dito a ele que apesar de morar na bela cidade praiana, mal tinha tempo de ir à praia, mesmo gostando tanto de caminhar pelo calçadão nos finais de tarde e apreciar o pôr-do-sol; disse que seu apartamento era pequeno, próximo dali e não tinha nenhuma vista de interesse, senão da rua de pouco movimento e, em outra janela, do apartamento vizinho, onde os moradores viviam às turras e aos gritos a qualquer hora do dia.
Ele havia dito que ela poderia fazer diferente, se o quisesse de verdade, demonstrando que ele acreditava no que dizia - apesar de não haver nenhum vestígio de falta de lucidez ou fanatismo em sua voz.
Ela acabou sendo envolvida por outras conversas e ao longo do tempo que permaneceu na casa dos amigos, ela e ele voltaram a abordar assuntos diversos, do cotidiano.
Mas ela, não sabia porque, ficou com a ideia do que ele contara sobre as viagens de pensar, martelando-lhe no fundo da cabeça.
Quando ela estava de saída, já na porta, ele de repente disse: "eu posso provar". Ela riu e ele completou: você e eu temos a frequência de pensamento que te falei. O que você gostaria de olhar pela sua janela e ver?
Ela brincou e, estendendo-lhe a mão, disse: A Torre Eiffel.
Ele respondeu, despedindo-se: Comme tu préfères, belle dame. jusque-là à Paris.
Agora ela piscava os olhos repetidamente, acreditando que a imagem que via, poderia a qualquer momento se desfazer e retornar ver a janela dos vizinhos arrelientos como todos os dias.
Sem ainda se conformar, ouviu baterem à porta e ela foi abrir: Prenons le petit déjeuner, belle dame? disse ele, com aqueles olhos incisivos e um sorriso no rosto.



"Somos apenas duas almas perdidas/Nadando n'um aquário ano após ano/Correndo sobre o mesmo velho chão/E o que nós encontramos? Só os mesmos velhos medos" (Gilmour/Waters)


 
Autor
Sergius Dizioli
 
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Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 16/07/2021 16:54  Atualizado: 16/07/2021 16:54
 Re: Quando a realidade é o sonho
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Também não fui nessa conversa aí não, mas foi uma boa surpresa ele ter aparecido na porta.