Crónicas : 

O desacordo

 
Há sempre um instante em que o mundo nos aparece torto. Pode ser um caminho que não leva aonde desejamos, um olhar que não corresponde, um trabalho que não compensa, um corpo que não obedece. O ser humano nasce condenado a essa fratura: enxerga o que existe e, ao mesmo tempo, o que gostaria que existisse.
É nesse vão que mora a frustração. Alguns chamam de dor, outros de incômodo, outros, ainda, de vazio. Mas é ela quem empurra a roda. Não fosse esse desgosto íntimo, ainda estaríamos deitados sob as árvores esperando a queda dos frutos.
No entanto, a frustração também é fértil campo de resignação: muitos desistem de transformar e passa a se adaptar, criando filosofias de contentamento. Outros, ao contrário, fazem do desgosto uma centelha infinita de rebeldia.
Uns se levantam para transformar o mundo à sua própria imagem, movidos pelo ego que grita: "quero mais". Outros seguem a chama do ideal, tentando costurar realidade ao tecido dos sonhos. E assim, entre um desajuste e outro, a humanidade constrói suas catedrais e suas ruínas.
No fundo, talvez não sejamos movidos pelo amor, pela fé ou pela razão, mas por essa amarga inquietude: a incapacidade de aceitar que o mundo nunca é exatamente como gostaríamos que fosse.
E é nesse desacordo permanente que, paradoxalmente, encontramos o impulso de continuar vivendo.


Inconstante...

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MarySSantos
 
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