Freitag, 21 - Quatro dias para o Natal e dez para o final de 2018
Amanheci depressivo com a resposta do Clube de Autores que insiste em dizer que vendi apenas quatro livros, os mesmos que comprei em meu nome para os meus amigos. Senti bem baixo, o pior escritor. Tudo bem esperava por essa resposta, aos poucos absorvo a verdade. Mas não deixarei de sonhar - Dona Wanda pediu-me uns pedaços de ferro para suporte, nem me mexi.
Antes de suspender a porta e destravar os cadeados orei em latim castanho:
In nome du pater / in sprito santi e du figlio - levantando e repetindo com um mantra indiano para conclamar bons fluidos. Ao abri-la, mais orações.
Para o meu deleite ocioso trouxe dois expoentes da nossa literatura: o irônico e sacana do Oswaldo de Andrade, o homem do pau Brasil e o sério e circunspecto gaúcho Érico Veríssimo - dois estilos totalmente adversos - Uma jovem mãe fardada com umas sacolas arrastando uma filhota ainda sonolenta com a boneca no colo.
Seu Obina saudou-me como de praxe e empoleirou-se na cadeira privativa dele, posicionada no portal ao lado.
E de repente, em passos estugados ao lado do comerciante Xavier, dono de uma lojinha de confecção no mercado, ela, a prima-dona do meu coração, a grande Deusa da minha existência, a única que tatuou a ferro e fogo minha alma com sua essência amorosa, a musa maior dos meus sonhos e nem olhou para mim - Dona Van, a apetitosa Dona Van, a mãe de meu amado filhote - Confesso que fui as nuvens de felicidade ao vê-la tão bem disposta e ainda mais séria, muita séria - Foi tão rápido, como a passagem de um cometa, mais que abalou toda a minha frágil estrutura emocional. Entrei em alpha e repetia dentro de mim Van, Van, minha adorável Van - minutos depois despenquei e voltei ao meu insignificante mundinho.
Mas a grande surpresa mesmo foi a do maluquete Niu, um morador do São Benedito, que não bate bem da bola, mas é gente boa as vezes que me presenteou com sete livros que fui apanha-los imediatamente no seu exíguo pseudo escritório. Escolhi: Sidney Sheldon "O Outro lado da meia-noite"; Don Brown "Fortaleza Digital"; Alex Kershaw "Os Eleitos"; Marlene Dietrich "Marlene D" - todos ainda ensacados e com cheiro de tinta. Conan Doyle "Um estudo em Vermelho" e dois brasileiros: Rinaldo Santos Teixeira "Leo, o pardo - biografia" e "Madalena" de Cristiane Dantas. Um presentão de natal que eu não esperava.
O velho pescador aposentado amigo de Agenor contou-me estórias de cabocos valentões de um lugar chamado S.Paulo no interior do Bacuri.
Dei uma geral no visual, raspei barba e cabelo e fiquei devendo vinte reais para o barbeiro Costa.
Assisti o primeiro filme da atriz alemã Marlene Dietrich (comecei a ler sua biografia), o clássico "Anjo Azul" de 1930 - baseado num livro de Heinrich Mann, irmão do mestre Thomas Mann, celebre autor de “Morte em Veneza”. Ela tinha 29 anos - confesso que apaixonei-me por essa beldade tipicamente alemã.
Leio três livros - Marlene D, Conan Doyle e o mineiro Rinaldo -
Dois dias para o Natal
O merceeiro Cardoso subia devagar em passos firmes para a visita diária ao mercado. O tempo arrumava-se para chover. De madrugada cairá um toró daqueles que nos deixou amedrontados pelos relâmpagos e trovões que rasgavam o céu em todos os sentidos. "Que maravilha" - foi o comentário de um cidadão da cidade de Brusque em Santa Cantarina que lera o capitulo XXIV de Diários de Oficina & Pensão. Eu estava todo jururu e desmotivado para dar continuação ao ato litúrgico de digitar o cotidiano. "BUM" - explodira e acenderam todas as luzes da esperança dentro de mim, imediatamente corri os meus aposentos e apanhei o caderno e meti bronca, todo feliz.
Cheguei as oito e meia na oficina - Seu Obina reclamava que queria subir a ladeira, mas estava com preguiça, o "possante" não quis pegar nem a pau, o tanque seco. Sentou-se e ficou a perscrutar o movimento dos veículos em busca de algum conhecido que poderia dar-lhe uma carona até a praça. Eu estava de costa, a cadeira senhorial girava e avidamente lia "Os Eleitos" e suas emocionantes batalhas aéreas no canal da Mancha entre os ingleses e alemães. Confirmei com Samuca, o pedreiro a presença na residência dele para degustarmos um feijoada que preparara desde de madrugada. Ontem ganhou uma cesta básica e comprou uma carne de porco no Galo Canta e foi deixar-la para os filhotes na casa de Dona Neva.
No terraço ou melhor no futuro terraço da casa de Samuca o pedreiro nos baixios da invasão Monte das Oliveiras. O acompanhei na volta, fizemos uma caminhada básico, ele empurrando a bicicleta. Passamos pelo bar de Dona Antônia, onde o pintor Marrone mamava uma lata de Antártica. Na rua 29, mostrei-lhe a Casa Vaniana, minha antiga morada com a grande dama Dona Van.
Um dia para o Natal
I
A dorzinha chata de cabeça, assim como o enjoado torcicolo e a querida bursite do ombro direito fazem-me companhia nessa ensolarada manhã pré-natalina - A feijoada bem nutritiva de mestre Samuca, o pedreiro, bem nutritiva com todas as verduras e legumes que tinha direito, a carne tenra bem cozida que dissolvia-se na boca, requentada no fogo de lenha. repeti o prato várias vezes, sem cerimônia tudo ao natural. A bela visão do mangue abeirando o campo. As poças de água no meio da rua sem calçamento, uma bem enorme a frente da propriedade, onde os patos tentavam inutilmente alçar voo, batendo as asas nervosamente e aguaplanando numa correria louca e desenfreada, sob o olhar vigilante da silenciosa e discreta Lady, uma vistosa pata branca com porte aristocrático. Tudo regado a latas de Glacial, depois um litro de vinho Gaúcho e umas doses aperitivas de 51 - quando a cabeça pesou e antes de entrar em Alpha capei o gato rumo a pensão Vince.
Dona Maria, esposa de Seu Obina contrariada ajunta os lixos espalhados na calçada por algum cão faminto - desejei-lhe um feliz natal.
- Você poeta é convidado a participar da santa-missa de natal na Igreja N. Senhora do Povo - é hoje as dezenove e trinta. A sua presencia é bem-vinda - - convida-me Comandante La Sierra do seu carro de som com sua voz grossa de paraibano cabra macho - É hoje.
Delegado anda pra cima e pra baixo, agoniado, passando a mão na cabeça nervosamente, está de fogo e procura um parceiro para descarregar as magoas. Seu Obina também irrequieto recolheu-se cedo.
II
Levanto-me e vou comprar a última lata de Glacial no Bispo. Entro no mercado pelo portão da Maycar, jogo a lata seca no cesto de lixo da primeira viela.
Na banca da verdureira uma gata prenha esparrada sobre um papelão dormia tranquilamente alheia ao burburinho e azafama das feirantes guardando as mercadorias. Sr. K.B. Ludo deu-me quatro reais para comprar mais duas latas.
- Hello, my friend! - Sauda-me Zé Branquinho, uma figura interessante que vende bombons nos ônibus e fala um pouquinho de inglês.
- Merry Christmas! desejo-lhe.
Volto com as latas e sento-me na calçada do Adolescento, dou a do Sr. K e abro a minha.
- salut! - E brindamos a nossa saúde..
III
Na pensão, a Sra. Vince azafamada a beira do fogão preparando o mocotó para amanhã receber seus ilustres convidados.