Poemas : 

Leia e depois sugira o Título

 
E há o sol e as montanhas levantando-me questões
E há o senhor da loja dizendo-me: hoje não!
E há a palavra destruida contra o peito aquando experimento o salto mortal
E há a fotocopiadora eternamente parada no canto sujo da cabeça

Só pelas mulheres escancaradas nas pinturas de Monet eu me tornaria pecador profissional
Só pela mala do carteiro que leva recados divinos eu serei acrobata esta noite
E porque desejar é o menos Eu tenho o desejo de ser alguém:
Um homem que tem ossos para plantar pelos beirais
Uma Maria que traz em seu ventre o documento assinado pela salvação
O carpinteiro que na sua paciência faz crescer uma barata

E há o telefone que me ausculta o peito como o lavrador avalia o bom melão
E há a moto-serra em jejum que adormece a meu lado
E há um dedo que diz: os museus não são para dormir puto!
E ainda o terrível medo a engarrafar todos os desejos não-classificados Sobejamente estrangulados por mãos delicadas

Não sei se no céu continua a haver divisas
Não se adivinha se o silêncio é coisa que se pense
Ou que pese no corpo
Ou se o grito de dor é a reprodução de um disco riscado

Entre a vida e a morte um rapaz bonito não tem tempo de se pentear
Os amigos chegam atrasados
E eu lembro-me
Que morri antes de mim
Os pássaros eram vagas ideias
As nuvens eram velhas adoecidas
As casas tinham asas Que eu bem as vi voar neste meu quarto planetário
Com vista para os frickes no jardim

O amor é um problema da 4ª classe
Que os doutores não sabem resolver
Eu na minha solidão japonesa cá vou aprendendo

Raul Seixas ensinou-me a não ter medo de pensar
A gostar de palavras cruzadas na sopa
Disse-me: não tenhas medo das vacas de fogo
O mundo ainda o há-de vir a ser
Carlos Drummond de Andrade disse-me que o amor não se importa com as varizes
Fernando Pessoa no dia em que inventaram o amor deitou-se nas palhinhas e foi verificar o sal do mar
Rimbaud deu a desculpa que o universo foi gerado por urtigas

Depois deste cansaço apetece-me mudar de canal
Destronar todos os imperadores com um poema dos meus
O mais fraco que seja

Posso ir à Grécia num pensamento-a-jacto
E desafiar a gravidade lógica
Posso ser pai de uma partícula de vento
Ou filho de um filho que é neto
Mas nunca o Sol me há-de derreter
E não uso capa de super-homem
Apesar de ele me ter dito que funciona tal qual uma sereia
Que desagua no quarto por volta das três

Tenho lençóis por mudar Uma fronha para beijar
Mas não há quem me vença nesta derrota
Tenho astrolábios que ganhei numa rifa
E um cristo num porta-chaves
Por isso deixai-me ser bengaleiro por momentos!
A Raponzel falar-me-á da sua solidão

Entre o fogo e a água não sinto diferenças
Bebo fogo
Queimo os lábios quando bebo
Vou falar de um facto que apesar de ser morte não é espanto
Um homem inventou outro homem
Alguém que amava com tronco e membros
Retocou-lhe todas as partes do corpo com mil mulheres a beijá-lo
Mas o novo homem mal se ergueu tombou de fresco
Tal como Madre Teresa de Calcutá que se ofereceu toda aos vivos
Que lhe perderam respeito e morreram-lhe nos braços

Depois das baleias estarão os poetas em risco de extinção
E os banqueiros aplaudindo nas suas poltronas veludas
Os arqueólogos chuchando ossos do artista
Que descobriu que entre a carne e o osso havia caviar em forma de verso
Os matemáticos urinando contra as paredes da universidade
Que é a melhor forma de equacionar um grito ao quadrado

E há os meus livros sendo levados à força para a lavandaria
E há a andorinha que aceitou posar para um retrato
E há a ignorância e a estupidez na mesma moldura
E há certas revelações que não nos deixam perguntar porquê

Admito que sou inútil quando beijo por vinte paus
Que o amor é total quando vem sem facturação
E enquanto não pisarmos um teatro não nos sabemos ver ao espelho

Tenho um piano encostado a uma parede em que nele faço tudo
Até mesmo sexo e a cesta consequente
Mas nunca me esqueço de primeiro apagar o cigarro

Sei que em cada boulevard se formam partidos com sabor a limão
Há um suicídio sempre que o semáforo muda para verde
E o senhor do talho sorri mais uma vez
Que é a quinta vez nestes sessenta segundos
E ainda há quem o defenda dizendo que é defeito congénito

Se eu me despedir sem um bye bye quem me recordará?
E se à porta da biblioteca me revistarem e acharem este texto?
Que eu lhe chamo de poema xaropado?!
E se os meus amigos tiverem bola neste dia em que me vou?
Se ao menos inventassem uma versão latina desta dor que é maioral
Dançariamos Trocariamos pestanas e Sorriamos como o militar que está a chegar

Ó homem que finges ser homem Quem foi o charlatão que falsificou teu corpo Tua carne Teu pensamento?! Quem foi o Aladino que não deu mais que uma hipótese para pensarmos no que queremos ser?!

Arre todo este cortejo de idealistas profanos! Quero sentar-me na mesa dos futuristas! Embedar-me de seivas orientais e purpurinas acesas
Trincar amendoins numa pose filosófica
E ser criticado por não ter pose
Quero lá saber se depois disto não me renovarem o alvará!
Estou-me marimbando para aqueles que se reunem em mesa redonda!

Sabem uma coisa?
Alguém me chama
Numa voz doce como limão
Num grito de quem não abre a boca
Num pretérito-imperfeito-mais-que-perfeito

Vou contar até três
Se acaso ficar calado
Não me convidem para nada
Não me enviem mais pombas mensageiras
É porque aceitei que por detrás daquela colina
E da outra que se segue
Há um novo estilo de procriar: com amor-de-fogo-e-rosas-à-espera-de-um-novo-dia.


com as sugestões de títulos - este poema vai assim - continue...

Sou um sushi na mesa de um carnívoro com vontade de mudar de condição, Voando sobre um ninho de abutres
Tenho um intruso no canto do dedo que me quilha o juízo, Tenho muitas dúvidas sobre as certezas...

palavras abortadas?!
Em voo, todos os abutres são magnos
palavras abortadas?!
em queda livre os abutres são magnos

Há um Deus Profano Dentro de Mim
...
 
Autor
flavio silver
 
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Enviado por Tópico
MariaSousa
Publicado: 30/08/2008 13:47  Atualizado: 30/08/2008 13:47
Membro de honra
Usuário desde: 03/03/2007
Localidade: Lisboa
Mensagens: 4038
 Re: Leia e depois sugira o Título
Este li com atenção

Desesperos, revoltas, esperanças, sonhos. Um pouco de tudo escrito com arte. A habitual "loucura" do Flavio Poeta. Gosto dela.

Um título
"Voando sobre um ninho de abutres"

Bjs



Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 30/08/2008 13:47  Atualizado: 30/08/2008 13:50
 Re: Leia e depois sugira o Título
"Sou um sushi na mesa de um carnívoro com vontade de mudar de condição"

Ocorreu-me este na difusa beleza das mil e umas imagens com que me pincelaste os olhos. Ocorreu-me por te saber necrófago de todos os momentos e idealista de um tempo sem tempo.
Amanhã decidirás quem entra na arca.

Nota: Não foi a Maria Cura quem escreveu isto. Fui eu distraído.


Enviado por Tópico
Carolina
Publicado: 30/08/2008 14:17  Atualizado: 30/08/2008 14:17
Membro de honra
Usuário desde: 04/07/2007
Localidade: Porto
Mensagens: 3422
 Re: Leia e depois sugira o Título
Li, sabes que leio e gosto de te ler, este não é excepção.

Gostei das pinceladas em jeito de um novo estilo de procriar, sei que o tens eu também,

"Tenho um intruso no canto do dedo que me quilha o juízo"

beijos


Enviado por Tópico
João Marino Delize
Publicado: 30/08/2008 14:58  Atualizado: 30/08/2008 14:58
Membro de honra
Usuário desde: 29/01/2008
Localidade: Maringá-
Mensagens: 1910
 Re: Leia e depois sugira o Título
Título: - TENHO MUITAS DÚVIDAS SOBRE AS CERTEZAS.

Gostei de todas as afirmações do texto, apesar de não chegar a nenhuma conclusão.

Grato:


Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 30/08/2008 18:04  Atualizado: 30/08/2008 18:04
 Re: Leia e depois sugira o Título
Flávio,

Vesti-me com os pensamentos e sentimentos do autor, e, em meio a uma revoada títulos com asas das cores mais angelicais as mais demoníacas conclui:

Há um Deus Profano Dentro de Mim

Bjins, Betha.

Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 30/08/2008 18:35  Atualizado: 30/08/2008 18:35
 Re: Leia e depois sugira o Título
na rudeza que se encerra, o que deu a intender ao meu olhar é que; esse escrito inteligente foi extraído à 'forceps'.

Título: "Palavras abortadas'


Abraço fraterno.
Silveira


Enviado por Tópico
HorrorisCausa
Publicado: 31/08/2008 15:07  Atualizado: 31/08/2008 15:09
Administrador
Usuário desde: 15/02/2007
Localidade: Porto
Mensagens: 3595
 Re: Leia e depois sugira o Título
Hail!

A minha sugestão:

" Em voo, todos os abutres são magnos "
ou
" em queda livre os abutres são magnos"

Beijo