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O princeso desencantado (2ª parte)

 
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Apesar dos meus fracos progressos em termos de relacionamentos sociais e sexuais, encontrava-me a frequentar o curso de engenharia com relativo sucesso e tinha finalmente uma aparência não apenas aceitável, como até acima da média. Os familiares deixaram de olhar para mim com um ar tão combalido, tendo optado por um optimismo moderado e prudente, não fosse este um sol de pouca dura. O espectro do tio Edgar continuou assim a pairar sobre mim, indiferente à minha notória evolução.
Os complexos de inferioridade são tramados, principalmente no relacionamento com o sexo feminino, e contribuem para que nada funcione como deve de ser, desde a cabeça de cima até à cabeça de baixo. A minha falta de experiência levou-me a evitar ambientes masculinos onde o tema sexual pudesse ser abordado (quase todos) e a minha falta de naturalidade e à vontade levaram-me a fugir de qualquer mulher minimamente interessante. Esta segunda parte não foi particularmente complicada, considerando que as minhas raras colegas de faculdade aparentavam ter mais testosterona do que eu. Foi assim que cometi a proeza de chegar virgem e imaculado aos 24 anos.
A família, desconhecendo toda a dimensão da tragédia mas reconhecendo que algo estava mal, começou a revelar a sua inquietação através de perguntas discretas e demonstrações de profundo tacto e sensibilidade, do tipo: “então, quando é que nos apresentas a tua namorada?” (versão comedida), ou “coitadinho, deve ter algum problema” (versão descarada).
Como quando Maomé não vai à montanha, a montanha vai a Maomé, os meus pais resolveram passar à acção e empreenderam uma heróica missão de salvamento digna de qualquer família nobre do séc. XVIII desesperada por casar a filha solteirona. A táctica adoptada consistiu na organização de uma série de jantares, almoços e actividades conjuntas com casais amigos, desde que devidamente acompanhados por uma ou mais filhas casadoiras. Como sou um bocado ingénuo, demorei algum tempo a aperceber-me das reais intenções de uma vida social tão agitada e aplaudi a iniciativa dos meus pais, a qual pensei estar associada a uma necessidade súbita mas legítima de combater a inércia da reforma através do estímulo do convívio. Quando percebi o que realmente se passava tentei opor-me vigorosamente, mas o vigor periclitante do meu espírito inseguro sucumbiu ingloriamente perante o carácter inflexível e tendencialmente despótico da minha mãe (o meu pai limitava-se a estar sempre do lado do mais forte, que não era eu, o filho que por acaso lhe saira na rifa, mas ela, a mulher com quem se casara sem que o acaso tivesse tido nada a ver com isso). E assim aconteceu que de hermita a quem só faltavam as barbas e os morcegos no tecto me transformasse num princeso encantado (é suposto os príncipes terem destreza suficiente, e tomates, para resolverem estes problemas sozinhos, sem o apoio dos pais).
Num destes gloriosos acontecimentos em que os meus dotes eram expostos, e exagerados, ostensivamente em frente a um monte de estranhos, o tão esperado milagre finalmente aconteceu. [continua]

 
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camila75
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