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LUA DE MEL

 
Digo para todo mundo que Pituca é a cadelinha mais maravilhosa do mundo. Seu único defeito é que, se dorme em qualquer outro lugar da casa que não o banheiro do quarto de empregada, invariavelmente faz xixi e cocô atrás da porta da cozinha. Mas Pituca não tem nenhum outro defeito não.
Pituca é dócil, dorme a noite inteira sossegada, acorda depois de todo mundo, brinca feliz com a nossa gatinha Maria Chica e com os meninos, quase não late, quase nunca morde (só se alguém mexe nela enquanto ela está comendo) e tem as pernas curtas, o que a impede de subir em cima da minha cama e da cama dos meninos (mas não a impede de subir no sofazinho ao lado do piano).
Sempre sonhei em cruzar a Pituca. Quando estava prestes a proporcionar o matrimônio para minha cadelinha, no segundo semestre do ano passado, chegou aqui em casa a nossa gatinha Maria Chica que, de novembro a junho, foi o centro das nossas atenções por conta dos diversos acidentes e problemas de saúde que apresentou (mas esta é uma outra e antiga longa história). Agora que Maria Chica tinha vingado na face da Terra, tinha chegado finalmente a hora da Pituca namorar.
Nos últimos meses procurei e procurei por um poodlezinho preto de boa família, que fosse um pouquinho menor que a Pituca, para o matrimônio. Conversa vai. Conversa vem. Uma funcionária do INSS me disse que tinha duas poodles fêmeas e que a filha tinha um poodlezinho cinza (metricamente compatível). Aline é muito simpática e resolvi fazer negócio com ela.
Agora só faltava Pituca entrar no cio. E a gente reparar. Pituca tem um tipo de cio chamado cio silencioso. Ela se lambe tanto quando entra no cio que não pinga uma gotinha sequer de sangue pelo meio da casa. Eureca! Comprei dois panos de chão brancos e passei a colocar sempre um, sobre o tapetinho do banheirinho de empregada (onde a Pituca costuma dormir). Um belo dia Pituca entrou no cio.
Este final de semana inventei esta história. Peguei a babá dos meninos, a Cláudia, os meninos e a Pituca. Coloquei todo mundo dentro do meu carro e rumamos para o Andaraí. Para buscar o noivo. Como estava preocupada de a Pituca comer o noivo antes da noite de núpcias, liguei para a veterinária dela e perguntei se podia dar Maracujina para a Pituca para aliviar a minha tensão. Meu filho mais velho desceu para comprar o remédio na farmácia (com uma pequena ajuda da Claudinha para atravessá-lo na nossa rua (que não tem sinal). Vinte e cinco reais. Toda paz tem seu preço.

Para a confusão ficar mais engraçadinha, liguei para minha mãe e falei que do Andaraí seguiria para a casa dela, para ela conhecer o noivo da Pituca.
Quando fui buscar o Mike no Andaraí não quis nem tirar a Pituca do carro. A minha idéia era pegar o cachorrinho antes que a Aline visse que ele corria risco de ser devorado, mas a Aline pediu para entrar primeiro com a Pituca na vila onde ela morava.
Segurei a Pituca no colo enquanto o Mike se aproximava pensando que ela poderia querer mordê-lo. Aline falou para que eu demonstrasse confiança e deixasse Pituca conhecê-lo no chão.
Foi amor a primeira vista. Pituca e Mike se enroscaram e tentaram namorar várias vezes. O jovem cachorrinho estava afoito (Pituca é linda!) e babava (e como) em cima dela, mas não conseguiu completar a tarefa (se é que você me entende...).
Peguei entaum o noivinho, um saquinho de ração e rumamos para a casa de minha mãe. Para um segundo tempo.
Minha mãe não tinha gostado muito dessa idéia, mesmo quando falei que iríamos deixar os pombinhos namorando e iríamos todos almoçar fora. Minha mãe não queria que a casa dela virasse Motel. Mas fomos para lá com os cachorrinhos mesmo assim.
Como minha mãe é muito fofoqueira, tinha contado para a minha cunhada que estávamos indo para lá. Então no pequeno apartamento da mamãe estávamos: Minha mãe, minha cunhada, eu, Cláudia, meus dois filhos, meus sobrinhos, Pituca (a noiva) e Mike (o noivo). O "namorido" de minha mãe não foi (até porque não cabia mais ninguém), mas falou para minha mãe colocar um edredon novo na cama dela, para receber os pombinhos.
Saímos para almoçar e deixamos Mike e Pituca aos cuidados da Claudinha. Mike exausto. Tentando. Suado. Babando. Pituca cada vez mais esnobando o pobre coitado.
Quando voltamos do almoço, a casa de minha mãe estava tão cheia que nem um coelho haveria de conseguir concentração para se reproduzir naquele tipo de cativeiro. Mas Mike continuava tentando.
Minha mãe insistia em chamar Mike de Miguel. Eu, por minha vez, chamava o de Tyson (para não esquecer que o nome dele era Mike). Depois achei que o Mike tinha mesmo era cara de Xavier (falando assim: RRRRavier). E Mike não estava nem aí por qual nome estávamos o chamando: só pensava em namorar Pituca.

Pituca em poucas horas já tinha se desiludido completamente com o Mike. Estava irritada com a falta de preliminares e resolveu ficar mesmo é com dor de cabeça. Mike, inconformado, vinha latir para o meu lado, como que solicitando que intercedesse a seu favor. Engraçadíssimo. Mike foi absolutamente expressivo. Aquele cachorrinho é muito inteligente, apesar de não ser tão bonitinho quanto a nossa Pituquinha. Mike é cinza, tem as pernas compridas e uma cara de fuinha. Não troco um pelo outro não.
No final da tarde resolvi voltar para casa: com meus bípedes e meus quadrúpedes. Aqui em casa os cachorrinhos haveriam de ter mais privacidade.
Pituca resolveu não dar mais confiança para o pobre do Mike a partir de então. Estava a fim mesmo era de discutir a relação. Mas Mike é brasileiro: Não desiste nunca. Passou a noite inteira atrás da Pituca e a Pituca rosnando e avançando nele. Passei a noite de orelha em pé, com medo da Pituca machucar o Mike ou do Mike machucar a Maria Chica - que, por sua vez, não saiu de baixo da minha cama depois que constatou que existia no seu mundinho outro cachorro além da Pituca.
Domingo amanheceu e tinha passado outra noite sem dormir direito. Uma hora levantava para soltar os cachorrinhos pelo meio da casa. Outra hora prendia um na área e soltava outro (ou prendia o outro e soltava o um). Tentei até prender os dois: um cárcere do amor. Nenhuma combinação deu certo. Mike estava sempre insatisfeito. Passei a noite limpando xixi do Mike pela casa inteira. E cocô também. E sangue da Pituca que agora pingava pelo chão.
Pituca não ficava mais em pé. Resolveu o problema. Passou o resto do tempo sentada. Com cara de pobrezinha. Queria definitivamente o divórcio. Custasse o que custasse.
Acho que dessa vez desse mato não sai mesmo coelho, muito menos cachorrinhos...
No final do domingo devolvi o Mike, desolado, desencorajado e frustrado. Vou esperar o cio da Pituca acabar e pegá-lo novamente no final do dia. Disse a veterinária que a cachorrinha costuma aceitar melhor o cachorrinho no finalzinho do cio ou assim que o cio acaba de acabar. Disse também que não é normal a cachorrinha cruzar logo que conhece o cachorrinho. Não é normal e certamente não seria típico de uma moça de boa família, não é mesmo!?
Estive pensando melhor... Deveria ter dado a Maracujina é para o Mike. Pituca deveria ter tomado uma taça de Champagne.

Quando deixei Mike na vila onde mora, aos cuidados da irmã da Aline, ela colocou o pequenino no chão e falou para ele ir para casa. Mike (sem brincadeira) deu uns passos em direção a sua casa e voltou correndo para mim, se enfiando entre as minhas pernas. A irmã da Aline ficou meio constrangida. Estava segura de que ele estaria feliz em estar de volta. Daqui a pouco Mike vai esquecer esta aventura amorosa (já deve até ter esquecido). Mas quando chegamos em casa Pituca bem tinha posto a vassoura atrás da porta.

Ana Heide (19/10/08)


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AnaFláviaHeide
 
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Enviado por Tópico
augustocola
Publicado: 22/10/2008 10:56  Atualizado: 22/10/2008 10:56
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 Re: LUA DE MEL
Gostoso de ler. Por favor não deixe de dar outra oportunidade ao pobre Mike, percebi que o pobre ficou apaixonado! rs
Abraço!
Augusto