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A Capital Nacional da Literatura prepara-se para a 13ª Jornada Nacional de Literatura

 
Paulo Monteiro


De 24 a 28 de agosto de 2009 será realizada a 13ª Jornada Nacional de Literatura e a 5ª Jornadinha Nacional de Literatura. O evento nasceu como 1ª Jornada Sul-Rio-Grandense de Literatura, em agosto de 1981, numa promoção da Universidade de Passo Fundo, com a colaboração da 7ª Delegacia (hoje Coordenadoria) Regional de Educação, órgão do Governo do Estado.
Como a maioria das grandes coisas teve uma origem modesta: a conversa entre uma apaixonada professora de Literatura (Tania Rösing) e um escritor militante (Josué Guimarães). Todo esse processo está fartamente documentado nos dois volumes de “Jornadas Literárias de Passo Fundo: 25 anos”, organizados por Lourdes Canelles e Tania Rösing (Ed. Da Universidade de Passo Fundo, 2006).
De início, participaram apenas escritores sul-rio-grandenses. Foram eles: Antônio Carlos Resende, Armindo Trevisan, Cyro Martins, Sérgio Caparelli, Carlos Nejar, Deonísio Silva, Josué Guimarães, Moacyr Scliar e Mário Quintana, o homenageado da Jornada. Desses, dois chegaram e estão na Academia Brasileira de Letras (Carlos Nejar e Moacyr Scliar); outro (Mário Quintana), que sempre sonhou uma cadeira na “Casa de Machado de Assis”, morreu sem consegui-la.
O auditório da antiga reitoria da UPF, em frente ao Hospital São Vicente de Paulo, encheu-se de professores para ouvirem e debaterem com os escritores. O sucesso foi estrondoso. Dois anos depois, a II Jornada Sul-Rio-Grandense de Literatura era, também, a I Jornada Nacional de Literatura. Além de gaúchos como Luis Fernando Veríssimo, Luiz Antônio de Assis Brasil, Lya Luft e Josué Guimarães, apareciam ao lado de autores de outras paragens: Antônio Callado, Orígenes Lessa, Lygia Fagundes Telles, Otto Lara Rezende e Millôr Fernandes. Era a consagração. O evento adquiria foros nacionais.
O imortal Moacyr Scliar, que participa desde 1981, assim depõe sobre o evento: “Desde então, tenho participado das Jornadas. E tenho acompanhado o trabalho de Tania Rösing. É um trabalho admirável, comovedor pela dedicação, entusiasmante pela criatividade. A cada ano a Jornada cresce, a cada ano ela inova. O princípio básico, contudo, permanece o mesmo, e, se eu tivesse de sintetizá-lo, faria numa frase: a Jornada de Passo Fundo é a literatura como exuberante experiência de vida. Ali, a erudição dá lugar a, ou se acompanha de, uma enorme alegria, de uma fraterna convivência. O resultado disso é que a Jornada cresce sem cessar e repercute no Brasil inteiro, e até em outros países. Disso posso dar um testemunho pessoal. Tenho amigos escritores em vários lugares deste país e em outros países. Todos já ouviram falar da Jornada. E não são poucos os que querem participar”.
Luis Fernando Veríssimo testemunha o espanto de sua primeira participação. “Na primeira vez em que participei da Jornada – acho que era a número 2 – fui com a Lya Luft, o Fernando Sabino, o Otto Lara Rezende, o Millôr Fernandes, o Orígenes Lessa e outros que certamente estou esquecendo, nenhum dos quais tinha a menor idéia do que iria encontrar em Passo Fundo e, em alguns casos, que diabo era Passo Fundo. E nenhum dos quais sabia o que era ser ovacionado por um ginásio lotado, como atletas ou pop-estrelas, talvez a primeira vez na história em que um escritor teve esta experiência só por ser escritor – e não um escritor eventual, como o Hitler ou o José Sarney. E todos estavam lá por uma única razão: a amizade com o Josué. Persuadido pela Tania, o Josué nunca deixou de apoiar a Jornada, participando ou ajudando a organizar, até sua morte em 1986. O sucesso atual da cria da Tania se deve, em grande parte, às persistentes atenções do padrinho, como a mãe é a primeira a reconhecer”.
Joel Rufino dos Santos, com a experiência de escritor e de homem público, vê desta maneira, as jornadas nacionais de literatura: “Será possível – e eu mesmo já tentei, como Supervisor de Cultura do Rio de Janeiro, em Casimiro de Abreu – reproduzir as Jornadas pelo Brasil a fora, mas como a de Passo Fundo nenhuma. Seu formato difere, basicamente, de festivais literários, como o de Paraty, voltado para o livro pronto, o escritor consagrado, a celebridade, o cenáculo das grandes editoras, a patota intelectual. Até onde observei, o público das Jornadas é principalmente a professora gaúcha que leu o seu Erico Veríssimo, o seu Mário Quintana e anseia por passar a seus alunos, meninos e meninas mais ou menos distantes, esse gozo estranho que os especialistas chamam de fruição literária. É o que dá às Jornadas o seu alcance social. Os organizadores das Jornadas, desde Josué Guimarães a Tania Rösing, que, evidentemente, representam um grande número de trabalhadores da cultura da sua terra, não dão prego sem estopa”.
A Jornada ganhou amplitude internacional. Para documentar o espanto dos escritores estrangeiros basta o relato de Charles Kiefer sobre a experiência vivida ao lado do alemão Bernd Cailloux. Vendo um ginásio de esportes lotado, Bernd não cessava de repetir: “Mas não é possível, tanta gente para ouvir falar de literatura, não é possível!”. Esta é a primeira parte da história. Eis a segunda: “Algum tempo depois, encontrei em Berlim o escritor alemão. Ele não havia se recuperado do espanto. Levou-me, de bicicleta, a conhecer a cidade. Em cada bar em que chegávamos, ele me apresentava aos seus amigos e falava da Jornada. Depois, já no hotel, na madrugada, me dei conta de que ele tinha contado aquela história a seus compatriotas. Como eles não acreditavam, levou-me até eles, para que eu confirmasse que aquilo não era história de viajante!”.
Em 2001 foi realizada a 1ª Jornadinha Nacional de literatura. A partir daí, milhares de crianças passaram a ler, ouvir e debater com os autores. Seguem o padrão assentado desde 1981, a leitura antecipada das obras, num período chamado de Pré-Jornada, o que possibilita ao público o conhecimento das obras e dos autores com os quais se encontrarão.
A partir de 1997 foi criado o Prêmio Passo Fundo de Literatura, no valor de R$ 100.000,00, para o melhor romance da Língua Portuguesa, com o apoio da prefeitura. Hoje, o patrocínio é da empresa Zaffari & Bourbon. Em 2005 ocorreu mais uma façanha: o Encontro Nacional da Academia Brasileira de Letras: revisitando os clássicos. Os imortais saem do Rio de Janeiro para discutirem integrantes do cânone literário, como Machado de Assis e Euclides da Cunha.
As Pré-Jornadas, movimento que se espraia pelos municípios e escolas de diversos Estados, diferenciam as Jornadas. Quando chegam a Passo Fundo, professores e estudantes conhecem obras e autores. Não vão apenas para sessões de autógrafos e lançamentos de livros, vão para discuti-los. Ocorre a formação de leitores privilegiados. Pessoas que conhecem as obras lidas e estão preparados para discuti-las com os próprios autores. Esse é o grande diferencial das Jornadas nacionais de Literatura.
Tudo isso foi possível porque Passo Fundo é uma terra com uma rica história cultural. Na década de 1880, foi fundado o Clube Amor à Instrução, que dispunha de uma rica e variada biblioteca, à disposição dos passo-fundenses. O movimento teatral é forte desde aquela época. Há mais de setenta anos a cidade dispõe de dois diários. Pululam as publicações alternativas. A formação de professores começou no dia 3 de abril de 1929, com a criação da Escola Complementar, hoje Curso de Magistério da EENAV, num pioneirismo que passa pela organização de faculdades destinadas às mais diferentes áreas da educação. Desde 7 de abril de 1939 a Academia Passo-Fundense de Letras funciona ininterruptamente, o que é uma raridade em termos nacionais.
Toda essa tradição de ativismo cultural tem seu ápice, a partir de 1981, com a I Jornada Sul-Rio-Grandense de Literatura, logo transformada em Jornada Nacional, e encontraria seu reconhecimento pleno, através da Lei Federal Nº 11.264, de 2 de janeiro de 2006, com a declaração do município de Passo Fundo, sede da Jornada Nacional de Literatura, “Capital Nacional da Literatura”.
Uma das características dos homens e mulheres que plasmaram a formação cultural passo-fundense é a determinação. E a determinação continua nos dias de hoje é, para usar um termo de Moacyr Scliar, “o segredo” de tantas iniciativas vencedoras. No caso das Jornadas Nacionais de Literatura, “O segredo é este verdadeiro dínamo cultural que se chama Tania Rösing. Tania é uma fonte inesgotável de energia. O seu entusiasmo é qualquer coisa de comovedor. Mais do que isso, ela enfrenta qualquer obstáculo para divulgar sua Jornada. Uma vez veio a Porto Alegre o ministro da Cultura do governo FHC, Francisco Weffort. Foi-lhe oferecida uma recepção na Fiergs, à qual compareceram centenas de notáveis. Tania estava lá. Perguntou-me se eu conhecia o ministro, eu disse que sim, e ela, então, pediu-me que a levasse até ele: queria falar sobre a Jornada. O momento não era o mais adequado, estava difícil chegar até onde estava o Weffort, mas o jeito era encarar. Conseguimos nos aproximar do ministro, apresentei a Tania, e ela disse que tinha projetos para submeter ao ministério. Weffort, visivelmente impressionado com o entusiasmo dela, disse que sim, que depois poderia conversar a respeito.
“– Depois, não – disse Tania. – Agora.
“Surpreso, o ministro não teve outra alternativa senão concordar. E, note, esta foi apenas uma das muitas vezes em que vi Tania batalhando pela Jornada, em Porto Alegre, em Brasília, em outras cidades”.



poeta brasileiro da geração do mimeógrafo pertence a diversas entidades culturais do brasil e do exterior estudioso de história é autor de centenas de artigos e ensaios sobre temas culturais literários e históricos

 
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PAULOMONTEIRO
 
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Enviado por Tópico
Henricabilio
Publicado: 07/04/2009 18:18  Atualizado: 07/04/2009 18:18
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Eventos que engrandecem a nobre de arte de dar vida - e voz - à palavras. Os espíritos poéticos bem agradecem. Um abraçooo luso! Abílio