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Trapezista (2)

 
... continuação:

Cheguei ao limite desta estúpida acepção que me faz pender para um só caminho, ainda que pense no outro que deixarei ao meu lado. Sei que vou andar sobre este fino fio prestes a quebrar-se a qualquer instante... e estarei a olhar para o lado, para o outro fio que ficará esticado lado a lado com este, sem que o possa alcançar caso algo corra mal. Que fio é este?
Pé ante pé começa a digressão pela incerteza... vejo uma luz lá à frente, procuro fitá-la, tal como um fio condutor, para manter o equilíbrio. Já atravessei ¼ deste fio e até agora a viagem pareceu-me um tanto tranquila, talvez até demais para o meu gosto.
Eu sabia, estava tudo a ser excessivamente bom para ser verdade. Escorreguei... cai... estou pendurada neste limite que me limita a tudo... resta-me somente a força de braços para me manter aqui segura e não cair... sinto as mãos a cederem e os dedos cada vez mais cortados, nesta esperança de não cair para o rio lá em baixo. Sei que se cair não vou sobreviver, a altura é grande demais para fazer um mortal e mergulhar em perfeição.
“Socorro” – subitamente um grito mudo invade-me a alma e aperta-a cada vez mais e mais... Sinto os pulmões a sufocarem à medida que o tempo passa e o vento teima em me empurrar nas mais diversas direcções, sem dó nem piedade.
Olho em volta numa tentativa de tentar entender o que poderei fazer... o silencio domina por todo o lado, resto apenas eu e o meu grito mudo. Olho para baixo, as forças faltam-me cada vez mais... não sei há quanto tempo estou aqui dependurada nesta situação, mas sinto-me cada vez mais fraca. Custa-me a respirar à medida que o tempo passa e vejo a outra margem tão longe de mim. Nada posso fazer. Talvez soltar-me seja o melhor, em segundos cairia na água gelada e o martírio acabaria rapidamente.
Um pensamento louco, traz-me de volta à realidade e leva-me a pensar em tudo o que deixaria para trás, em todos aqueles que me querem bem e nos poucos que eu amo. Não, não posso desistir agora. Tenho que lutar por mim, por ti e novamente, por mim.
Sinto algo morno a cair sobre o meu rosto gelado pelo vento. Será que o tempo piorou ainda mais e a chuva agora é quente??? Um gesto impensado leva-me a olhar para cima... Não é chuva, é sangue. Tenho as mãos a sangrar... o fio parece um cabo de arame farpado, dilacera-as cada vez mais enquanto tento segurar-me à vida, à minha vida.
É agora, tem de ser agora... ou deixo-me cair de vez ou corto ainda mais as mãos para tentar subir. Será que tenho forças? Vou tentar... Dói muito, mas tenho que me esforçar. Dói-me o corpo todo e principalmente os braços... faltam-me as forças para me impulsionar a subir. Deixo-me imobilizar novamente, cansada, e mais uma gota de sangue cai, desta vez sobre o meu peito.
“Porquê?” – é a única pergunta que me ocorre. Sei que aqueles que me amam se questionarão sobre o meu fracasso, se eu me deixar cair.
“Desculpa” – é a única resposta que terei a essa pergunta pois já não tenho coragem para lutar por mim.
Subitamente, a imagem de uma amiga projecta-se no meu coração e quase que sinto uma força a empurrar-me para cima. Estou a salvo novamente, não sei como. Estou de volta a esta corda bamba e sinto-me de novo trapezista.
Tenho as mãos cortadas, não posso arriscar a cair novamente. Tenho a alma cansada, mas não posso pensar em desistir agora. Tenho o coração a morrer, mas não posso deixar que ele expire um ultimo fôlego sem alcançar aquilo a que foi destinado.
Preciso de descansar um pouco para ganhar forças... vou sentar-me... vou esperar... daqui a pouco o caminho tem que continuar.
Vou descansar um pouco...
(... continua...)
 
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Tytta
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