Versos suculentos
É do gosto, sim, que me traz amor a alma tua,
da mesma cor dos olhos baços do teu vil retrato
que de ti tirou os meus, certo dia, já cansados,
em um atmo infiel de eterno tempo,
após eu ter provado os açúcares de todos os teus venenos,
como se só de dor vivesse minha alma.
Hoje o teu beijo já me é insípido e inodoro
e sou eu esse cadáver escrevinhador ou o outro homem que adormecido morre,
vagando no silêncio dos surdos ouvidos de minhas memórias.
Vivendo, recrio instantes de alegria,
driblando pesadelos escolhos lindos sonhos,
sou da carne o que pela carne me proponho:
ser cigano fixo de úmidos desertos ,
um cego que vê ou algum poeta incestuando os versos!
Inda é cedo...
E antes cedo do que tarde
dei-me ser gigante
entre cítaras cantantes,
e entre tudo e nada.
Vago e ecumênico a amar
e tudo o que encontro a olhar
são palavras cálidas
de bocas inda frias.
Mas ouço a outra voz
e santifica-me uma saudade
e sei que mesmo tarde
sou-me pequeno de novo.
Caminho de lágrimas...
Meus olhos riem
enquanto a minha dor descansa,
escondida,
despranteada.
Em minhas palavras
mora o sol dessas lágrimas
que inocentemente caem
suspirando,
acudindo-se, à espera
doutras delas,
comedidas,
desassustadas
amantes e amigas
desses mesmos olhos meus,
que choram...
Que rua é essa?
Que rua é essa?
De minha rua,
vejo a casa onde moro
pelas janelas onde os outros me vêem
na estática e presencial lembrança
que evoco de mim mesmo.
A civilização passa em festa
e há choros e há conversas
e uma multidão perdidamente só.
Olho os meus olhos então
e fingo não me ouvir o coração
que prefere ir passear nas ruas.
De minha rua,
vejo a tua, alegremente triste,
como se eu não morasse
em lugar nenhum...
É saudade mesmo!
É saudade mesmo!
O que sinto é saudade,
já me murmura a fonte límpida
jorrando os sentimentos,
descendo lágrimas.
E a face já não chora só
e convida o coração,
e a flor que aperto em minha mão
traz-me o teu jardim ao peito.
O que sentia era amor,
um zelo puro cheio de amizade
mas se foi a lugar longe,
por isso hoje sinto de ti
tanta saudade...
Recriando mares e luas
Recriando mares e luas
Uma lua lindamente disfarçada,
estranha lua,
beijou-me os olhos com o luar
diante de um poema
que fiz para um mar ciumento
que se jogava sobre penedos tristes
com seus versos violentos
afastando os meus.
E eu, poeta multicor,
versejei minha dor
nas águas vivas do que sou...
profundas águas rebebidas,
todas minhas,
nada meu,
tudo teu
onde nós somos nós nos versos!
E refiz a lua
e refiz o mar
e declamei um último verso à praia
e vi a outra lua naufragar
no outro mar que fiz e a declamar
amando oceanicamente
firmamentos distantes,
da poesia, amantes
de mim..., apenas um versejar.
Um coração e outro
Um coração e outro
Meu coração alegre,ri
e triste, nunca chora.
Olha,
olha,
olha,
nem vai,nem fica,
nem vai-se embora
apenas ama e adora!
E o outro coração que eu tenho?
Alegre, chora como menino
e triste afoga-se em lágrimas
mas depois gargalha e fica!
Minha alma possui dois
corações que choram...
Amando e amado
Amando e amado
Na arena de minha alma
há um lugar para meu coração
e um cantinho para amar.
Há sim esse lugar
tão pertinho de mim
mas mesmo assim...
tantas vezes foge...
e anda distante...
como se até para eu amar
tivesse que provar
dores mutilantes e ardores mórbidos.
Eu adoro amar sorrindo
e encontrar-me feliz em tudo que é amado,
mesmo que entre cruzes e espinhos
sofra eu crucificado.
O meu amor santifica-se
quando sempre acredita
que não se ama sem se ser amado.
Caminhos socializados
Caminhos socializados
Esperto-te na prosa da primavera
quando meus ventos forem flores
e o meu amor tiver asas.
Espero-te na força de tudo,
nas cores do mundo
em ação de graça.
Espero-te
quando não mais houver caminhos
e o teu carinho
souber que a minha estrada
é feita por tuas doces pegadas
e nada mais...
Desejos fortes
Eu vivo a respirar um amor preso à tua liberdade,
onde eu mais me sinto livre,
crendo amar-te e ser amado
e tudo crendo, crer ainda ser desacreditado
porque sem ti nada é-me o mundo.
Se compuser este poema em vão a culpa é tua,
assim culpada e bela, reticente e nua,
a desejar em mim o quase indesejável.
Amante o sou por esse amor bem diferente
onde eu posso sentir o que tu sentes
e beijar com fervor o que em ti deixar beijado.
Teço esse grande amor como se te pedisse alforria
e enxergasse o Sol à noite e a Lua ao dia
e tu e eu fôssemos de tudo o outro,
misturados em mil desejos afoitos,
sendo nós os melhores amantes do mundo,
os que sabem tudo....
os que já nasceram presos para amarem diferente e livres.