Poemas, frases e mensagens de Carlos Ricardo

Seleção dos poemas, frases e mensagens mais populares de Carlos Ricardo

Sabeis do que são feitos os direitos? Sentis o seu cheiro?

 
“Sabeis do que são feitos os direitos, meus jovens?

Sentis o seu cheiro?

Os direitos são feitos de suor, de sangue, de carne humana apodrecida nos campos de batalha, queimada em fogueiras!

Quando abro a Constituição no artigo quinto, além dos signos, dos enunciados vertidos em linguagem jurídica, sinto cheiro de sangue velho!

Vejo cabeças rolando de guilhotinas, jovens mutilados, mulheres ardendo nas chamas das fogueiras!

Ouço o grito enlouquecido dos empalados.

Deparo-me com crianças famintas, enrijecidas por invernos rigorosos, falecidas às portas das fábricas com os estômagos vazios!

Sufoco nas chaminés dos campos de concentração expelindo cinzas humanas!

Vejo africanos convulsionando nos porões dos navios negreiros.

Ouço o gemido das mulheres indígenas violentadas.

Os direitos são feitos de fluido vital!

Para se fazer o direito mais elementar, a liberdade,
gastou-se séculos e milhares de vidas foram tragadas, foram moídas na máquina de se fazer direitos, a revolução!

Tu achavas que os direitos foram feitos pelos janotas que têm assento nos parlamentos e tribunais?

Enganas-te! O direito é feito com a carne do povo!

Quando se revoga um direito, desperdiça-se milhares de vidas …

Os governantes que usurpam direitos, como abutres, alimentam-se dos restos mortais de todos aqueles que morreram para se converterem em direitos!

Quando se concretiza um direito, meus jovens, eterniza-se essas milhares de vidas!

Quando concretizamos direitos, damos um sentido à tragédia humana e à nossa própria existência!

O direito e a arte são as únicas evidências de que a odisseia terrena teve algum significado!”

Não resisti a publicitar este texto da Juíza Federal Raquel Domingues do Amaral.
 
Sabeis do que são feitos os direitos? Sentis o seu cheiro?

O maior inimigo das artes

 
A arte, qualquer que seja, é incompatível com a pressa. Os nossos tempos elegeram o maior inimigo das artes, a velocidade, como vector determinante, de tal modo que o que quer que seja que não seja veloz, passa ao lado, passe a expressão, não merece que se "perca" tempo. É assim, mormente, desde que o tempo passou a significar, ou a ser considerado, e não apenas a valer, materialmente, dinheiro "Time is money".
Até o pensamento, se não for rápido, que fosse. Ninguém espera por um pensamento ou uma ideia. Tudo tem de estar preparado e embalado. Pré-fabricado.
Com o tempo dinheiro, também o espaço sofreu uma incrível contracção.
Mas tudo se agravou mais para as artes e as contemplações.
E para as plantas, que parece que não crescem e não podem voar, senão quando um vendaval as arranca e as transporta para algum chão em que, por sorte, criem raízes.
Uma vida já não se mede em dias, meses ou anos, mas em quantidade de moeda equivalente ao tempo "gasto" para a sustentar, que é considerado "perdido" se não der retorno.
E é assim tanto com a vida dos bichos, como com a vida das pessoas.
Criar riqueza hoje tem um significado muito retorcido. Um incendiário pode ser um criador de riqueza. E um consumidor de combustíveis também, assim como um vírus mortífero.
 
O maior inimigo das artes

O mais revolucionário ateu

 
“Deus é o silêncio do universo, e o ser humano o grito que dá sentido a esse silêncio”. Ao ler esta frase, atribuída a José Saramago, diria que ele, a pensar assim, não era ateu.
Ao criar Deus, o homem não pode crer que está a parir e não propriamente a criar, mas está a parir um "filho" do pensamento indomável, uma espécie de alma sem contornos, nem qualidades, que habita esse pensamento e que está tão presa a ele como ele está preso ao corpo.
E nesta génese de Deus o homem foi significando a religião, as religiões, com os mais variados objetivos, práticos e teóricos, tornando-as em caldos de superstições e de contradições e de sistemas políticos e normativos.
Jesus Cristo parece ter tido uma visão muito clara de que as religiões, incluindo a judaica, eram uma espécie de pseudociências de Deus. Quem soubesse a cassete do "jargão" religioso, sentia-se habilitado a falar disso como um sábio.
Infelizmente, Jesus Cristo não foi devidamente compreendido. Ele era o mais revolucionário ateu numa cultura de pseudociências de Deus. Ele foi o mais lúcido, contundente e demolidor adversário e inimigo dessa cultura.
Mas os próprios cristãos, o cristianismo, os poderes políticos, a igreja católica, trataram de o interpretar e de o integrar no velho sistema de pseudociências de Deus, como se ele fosse mais um, embora diferente e melhor.
E, mais grave do que isso, endeusaram Jesus Cristo. Ao endeusá-lo estavam a endeusar a própria Igreja, o que veio a revelar-se catastrófico, e a destruir, desvirtuando-a e deturpando-a, a grande mensagem de Jesus Cristo contra as religiões enquanto pseudociências de Deus.
O que poderia ter sido um imenso movimento de iluminismo antecipado e fulgurante, verdadeiramente libertador, acabou por ser absorvido em sistemas de mais pseudociências de Deus.
 
O mais revolucionário ateu

Tento explicar a beleza

 
Ainda tento explicar a tua beleza
E o cheiro de chuva
Que parou depois
De me encostar a ti
Como ser a árvore
Para construires os teus barcos
Sem que as aves desamorem
A tua respiração
No meu queixo
Enquanto fechava os olhos
Para desenhar janelas
Na nossa roupa
Com as mãos
No agasalho do teu corpo
Confirmava
Que não eras fantasia.
 
Tento explicar a beleza

Versos que não escrevo

 
Declinam as horas
e o relógio insone
às voltas
em círculos fechados
sem horizontes
nos lugares mais altos
colocados
declinam
os ladrões da alegria
os sentidos
o dia
o que sinto
o que existe
a fantasia
e o olhar desce
de cada ausência
do que parece
aguardar
surgir
da sua clausura
como uma prece
com vontade
futura
tempos passados
que já não são
o silêncio
em que julgo ouvir
uma oração.
 
Versos que não escrevo

Na febre do amor

 
O remo fende a aquática densidade funda
o teu ventre
balança
à deriva
na sombra
quente
a minha mão
alcança
margens
e afugenta
faunos acoitados
que a paz contempla
alvoroçados
mas a serpente
é somente
a febre do amor.
 
Na febre do amor

Eu nunca te disse adeus

 
Eu nunca te disse adeus
Não saberia fazê-lo
Alguma vez
Parti
Como parto sempre
Triste
E sem esperança
Por necessidade
Muito mais
Do que por vontade
Na morte
Tropeço
Na vida
Não há regresso.
 
Eu nunca te disse adeus

Vazio de tudo e cheio de nada

 
Dizer amo-te
É como metal que tine
Um brilho na névoa
Que decalca os braços
De árvore despida
No esplendor matinal
A bravura dos gorjeios
De mil pássaros ao frio
De uma cidade infernal
Os versos que enfio no tempo
São lâmpadas de festa
E pavilhões na gávea
Ao vento
É fácil dizer amo
Mas dizer-to a ti
É difícil como inventar
Um fruto.
 
Vazio de tudo e cheio de nada

Porque o amor deslumbra

 
Qualquer hora
tem eternidade
dentro
do indistinto dia
da noite
indistinta
tem esfinges que admito
serem
da minha idolatria
te sinto
na vastidão do sempre
aonde a memória
se perde
algum mar
começa
naquela lua
das palavras a nos esperar
ou nós a elas
tudo é
sem janelas
e nós o lugar.
 
Porque o amor deslumbra

O poema

 
Independentemente dos significados, que em poesia pode ser o menos importante ou o menos interessante, o poema toma o leitor por alguém que se vê, inopinadamente, diante de verdades e cenários que se lhe escondiam e que ele, em sonhos, sempre soube que existiam.
 
O poema

Precisas de ter algo mais do que razão

 
O pragmatismo e o realismo aconselham a que analisemos os problemas em escalas adequadas, concedendo a cada realidade a respectiva representação relativa.
Ainda não vi um método, que urge criar, de "elaboração de mapas à escala dos problemas e das soluções...".
Sem isso, andamos à deriva, como tontos, uns que colocam o problema do álcool no centro do universo, outros que colocam o centro do universo no álcool e por aí adiante.
O que me faz estar aqui a escrever, em vez de estar numa manifestação contra o governo?
E que seria melhor? Para mim ou para os outros?
Enquanto estou aqui a escrever, morre gente que outras pessoas tentam acudir, mesmo depois de mortas, com orações...
São poucas as pessoas que têm predisposição para a razão.
Na realidade, nem os crentes/praticantes da religião estão sequer tentados a interrogar-se e, muito menos, discutir, seja o que for.
Ninguém vai à igreja por uma razão que seja a de ter razão, do mesmo modo que um político não quer ouvir falar em razão, nem precisa de ter, nem esse é o seu negócio. São os interesses, o nepotismo, as alianças, os compadrios, a corrupção, os apoios, os votos, as aclamações, que valem.
Ter razão não vale nada.
Ninguém está interessado em algo que vale nada.
Alguém está interessado na morte de Deus e, mais ainda, na suspensão da morte de Deus de Nietzsche?
Os nossos governantes (a quem tudo devemos, excepto a razão) têm horror à razão e, com razão.
 
Precisas de ter algo mais do que razão

Não me ensines a chorar

 
Tenho um respeito profundo
por quem morre de desgosto
não me ensines a imaginar
como se sobrevive
a tanta tragédia
a solidão tem contornos inimagináveis
nessa parte do mundo
que fica oculta
cá dentro de nós
onde ninguém vê
já me senti perdido
mas a maior tragédia não sei qual é
embora suspeite que seja
a dos outros
dos que morrem
e dos que vivem sós.
 
Não me ensines a chorar

 

podia ser
um laivo
do que nasce

a palavra
como o sol
nascente

a memória
iluminasse
o presente
podia ser
um laivo
de saudade.
 
Só

O que fazem mortos

 
Sobre o vale nada
ecoa
uma distância
os horizontes
uma luz
antiga
como a espera
um crepúsculo
de recolher
os gados derradeiros
Camões
é primavera
está a chover
uma chuva que a nós
visita do que era
eternidade que é
agora
sabemos que há mortos
por todo o lado
mais vivos
que a própria saudade
e vivos sem liberdade
mais mortos
do que era de esperar
neste tempo
de venalidade
atroz
que rouba sonhos
como quem rouba ouro
que não derrete
e o que pode acontecer
é o que mais promete.
 
O que fazem mortos

Perdi-me nas tardes de Verão

 
Desiste de procurar-me
Nem eu sei
Onde me perdi
Nas tardes de Verão
Onde perdi o livro
Que andava a escrever
Sobre as tardes de Verão
Em que me perdi
Antes de te encontrar
Se fosse numa ilha
Era fácil partir do princípio
De que só podia estar lá
Mas foi num continente
Que não existe
E nisto nunca irás acreditar.
 
Perdi-me nas tardes de Verão

Poema adiado

 
A minha vida
tem sido uma tentativa
de poema
que dissipe o que houver
entre o olhar
e a cegueira
não transforme
ao ser
poema seja
inteligência
de quem não sabe
e não mente
seja
audível
para surdos
ao que gera silêncios
por onde o pensamento
se evade
o corpo
alguma vez
triunfe
do inenarrável
das prisões
de palavras
como a aurora
se erga
e ilumine
este vasto cemitério.
 
Poema adiado

Ainda podes ser acusado de não teres nada

 
Na realidade, o problema da burocracia, da corrupção, do nepotismo, dos compadrios, dos complôs, das arbitrariedades do poder e todo o tipo de abuso, é que, apesar das queixas gritantes e embora plenas de razão, os cidadãos não são tidos em conta senão para obedecer, trabalhar, votar e respeitar a estrutura política que são obrigados a pagar, sem escolha.
E quando alguém apresenta alternativas e soluções para os problemas é visto e considerado como uma ameaça. Logo tratam de ignorar ou desdenhar para não terem de reconhecer que muito pode e deve ser feito para bem de todos (excepto daqueles que deixariam de ter as vantagens que indevidamente têm).
Não falta quem seja capaz de revolucionar com melhores leis e procedimentos e práticas. Não falta quem tenha competência para fazer melhor do que aquilo a que temos assistido (pior era difícil).
O problema, insisto, é que ter razão é pouco e pode ser nada.
Aqueles de quem nos queixamos, com razão, não têm razão mas têm e fazem o que querem.
Os outros, aqueles que têm alternativas e soluções, com razão, só têm isso, não têm o poder.
E podem até estar cansados de ter razão, ao ponto de já não terem vontade, nem determinação para a acção.
É preocupante e alarmante que o poder da razão continue a ser vilmente (para não dizer democraticamente) derrotado e suplantado pelas razões da força.
Mesmo quando tens razão, se não tiveres algo mais, ainda podes ser acusado de não teres nada.
 
Ainda podes ser acusado de não teres nada

Nem tudo pode ser dito por palavras

 
Nem tudo pode ser dito por palavras
quando os teus olhos partem
o meu coração
para dizer-te quanto me agradas
bastasse um poema
bastasse esta canção

de amor
paixão
mas o silêncio às vezes diz
melhor
aquilo que nos vai na alma

nem tudo pode ser dito por palavras
quando o sentimento é mais
que uma ilusão
para dizer-te adeus

tropeço
nas palavras
e caio à espera que me dês a mão

meu amor
meu amor
não estou a dizer nada que não soubesses
e posso dar-te tudo o que mereces.
 
Nem tudo pode ser dito por palavras

O que não é possível a Deus

 
Se a vida não fosse maior do que nós e nós não fossemos maiores do que a vida, ter-me-ia por certo esquecido, ou nem sequer teria ouvido, ou entendido, ou dado importância, a uma tentativa do professor de português, do Básico, de explicar para crianças o significado de absurdo.
O facto é que ficaram gravados na minha memória, o professor, o que ele disse, o contexto e a sala de aula.
Provavelmente, nem esse professor voltou a pensar no assunto.
E, dessa aula, apenas recordo esse momento.
Achei incrível que um padre (esse professor era padre) dissesse, sem subterfúgios, que absurdo é o que nem Deus pode fazer.
E deu como exemplo que, se a caneta caísse ao chão, nem Deus era capaz de fazer com que ela não tivesse caído.
Fiquei deslumbrado, porque isso punha em causa o que sempre ouvira dizer, que a Deus nada era impossível.
Mas o que não é possível a Deus, felizmente, é possível aos cientistas, aos músicos, aos pintores, aos filósofos, aos professores e aos poetas.
 
O que não é possível a Deus

Homem sem fé e sem religião

 
Não acredito que Deus tenha comunicado com aqueles que disseram que "sim, subimos ao monte e ele falou connosco, porque somos especiais, mais ninguém tem esse privilégio..." e que, com base nisso, falaram e/ou escreveram em nome de Deus.
As religiões que tiveram um grande sucesso, com base nisso, são uma ousadia política que funcionou, apesar de tudo, mas isso é colateral ao facto de serem falsas.
Se acredito que existe Deus, sem saber o que isso seja, é no que está por detrás, oculto, que manobra, o relojoeiro que fez o relógio.
Mas não compreendo por que é que ele não diz nada e nunca se manifesta a favor de nada, ou contra nada.
E, assim, não acredito no Deus das religiões, não acredito que a palavra que dizem ser de Deus seja a palavra de Deus.
Deus não tem palavra. E não me venham com a Arca da Aliança.
Acredito num Deus que não conheço e que não comunica com a humanidade, mas que tem todo o poder e todo o saber, ignorando nós porque não os usa da forma que nós compreenderíamos.
É estranho, tão estranho, que não acho racional crer que exista.
Sou, assim, um homem sem fé e sem religião.
 
Homem sem fé e sem religião