Último Adeus
Último Adeus
Na vida que tomaste de passagem,
De agruras, de júbilos, de cadilhos,
Na caminhada se fez a mensagem
Revelada no rol de nove filhos.
Perdeu-se num sopro a vida,
Que a morte não consente,
Matéria em terra delida,
De todos se faz ausente.
Mas é tão só teu corpo que se fina,
Na crença de que a alma foi levada,
Alada pela clemência divina,
Rumo à estância da paz mais elevada.
Se Deus um dia, em seu final juízo,
Nos conceder, por divina vontade,
Entrada, nas portas do Paraíso,
Voltaremos a ver-nos nesse dia,
Vivendo para sempre em harmonia,
Nos sublimes confins da eternidade.
Juvenal Nunes
* Minha mãe faleceu no passado mês de maio,
surpreendida pela morte, no próprio dia em
que completava 92 anos de idade.
A Mensagem
A Mensagem
Pobre Menino inocente,
Rei numas palhas deitado
Recebe de boa gente,
Nesse trono desolado,
Uma singela homenagem
Em jeito de vassalagem.
Dos montes vêm pastores,
Lavradores com o seu gado,
Chegam também mercadores
Para saber o recado
Que na lapa se anuncia,
Nessa noite escura e fria.
Os magos do oriente
Abrem ao Rei seu tesouro
Cada qual com seu presente
De mirra,incenso e ouro,
Pois um caminho de luz
À manjedoura os conduz.
Numa vida peregrina
De amor, tenção indulgente,
Jesus prega sua doutrina
Por terras da Galileia;
Sua palavra é semente
Que deixar ao Mundo anseia.
Foi na vida incompreendido
Nem todos viram a luz,
Tratado como arguido
Morreu pregado na cruz.
A semente da palavra
Fez germinar sua messe,
É grande o campo para a lavra
A mensagem permanece.
Juvenal Nunes
Haicai de amor
Haicai de amor
Amor é sonhar
No seio fresco de Vénus
Num êxtase mudo.
JUvenal Nunes
Certeza
Certeza
O planeta não corre,
O planeta gira
E faz os homens correr
Na girândola dos dias
Numa corrida infrene
Duma vida sofrida.
O homem discorre
Com o peso da pena,
Em pena incorre
Por não ver garantida
A meta a alcançar
Apenas interrompido
O fio da vida
No cansaço do lar.
Deixa então de correr
E ao perder a corrida
É que gira na vida
Para não mais voltar.
Juvenal Nunes
Sinfonia
Sinfonia
Pelo teu corpo caminho
Meus dedos silenciosos,
Guitarra a gemer baixinho
Os acordes maviosos,
Em sonata de carinho.
Nas vibrações musicais,
Das almas em harmonia,
Faz-se a noite estrelada
De afinados madrigais
A dar luz à madrugada
Em completa sintonia.
E o canto da alvorada,
Que nova luz anuncia,
A voz confunde em teu peito
Pois canta do mesmo jeito
Que a alegre cotovia.
Juvenal Nunes
Dia dos Namorados
Dia dos Namorados
No dia dos namorados,
Pelos bosques chilreados,
As alcovas da ramagem
São baldaquinos virentes
Dos pares que nessa romagem
Deles os tornam confidentes.
Nos froixéis desse dossel
Há o som duma sonata,
Percutindo pela mata
Onde corre o leite e o mel.
Pelas encostas dos montes
Ecoa essa tocata,
Que até à água das fontes
Faz suspirar em cascata.
Juvenal Nunes
Cintilação
Cintilação
Duns olhos há, na fundura,
Uma chama que rutila
Como fogo num crisol.
Numa ânsia de procura
Meu coração não vacila
Na guia desse farol.
Juvenal Nunes
Labor
Labor
Flui mansa a água
para lá da cachoeira
Inerte, agora, a azenha
na paz branca da farinha.
No abrigo calmo
o pão se amassa,
em alimento que satisfaça
de manhã, até à noitinha.
Juvenal Nunes
Alma Cativa
Alma Cativa
Sou o náufrago à deriva,
Numa cerração de breu,
Minha alma voga cativa
Sob o negrume do céu.
Há promontórios a pique
E serenas enseadas;
Reboa o mar, num despique,
No alvor das madrugadas.
É longo o tempo de espera,
Que só minha alma macera.
A noite descerra o véu,
Que alivia a inquietude;
Um facho brilha no céu
Luzente de mansuetude.
Nesse farol busco a lira
Em cujas cordas harpejo
O som que ao mundo atira
A toada do desejo,
Que não cessa na procura
De ver vencida a refrega,
De voar nessa aventura
Da mais estreita entrega,
Mas só encontro a desfeita
Que meu intento sujeita.
Na alma em fogo despida
Em cinzas fátuas vencida
Faz-se dum jeito vidonho
O desenlaçar do sonho,
E só em sonhos revejo,
Nas tintas com que bosquejo,
O frescor dessa nascente
Do teu bosque florescente.
Juvenal Nunes
Saudação à Primavera
Saudação à Primavera
Depois dum ano de espera
Eu saúdo a primavera:
No azul do firmamento,
No sopro quente do vento,
No trisso da andorinha,
Na vergôntea da gavinha,
Na frescura da mulher,
Nas flores do malmequer,
No lilás da violeta,
No voar da borboleta,
No verde tenro dos prados,
Nos casais enamorados,
Nos ermos cantos alpestres,
Nas belas flores silvestres,
No abrir dum novo dia,
No canto da cotovia.
Nas asas da primavera,
Poder eu voar quem dera,
E cantar eterno trilo
Num viver mais tranquilo.
No seu caminho finito,
Próprio da evolução,
Falta ao homem esse rito
De eterna renovação.
Por esse imutável fado
Da humana condição,
Num anseio angustiado
Apelo com emoção:
__ Leva-me contigo, primavera,
Leva-me, como em sonhos de meninas,
A paragens longínquas de paz
Povoados só os campos de boninas!
Juvenal Nunes