Prece
Prece
Assim que a noite vier
Quero encontrar no meu leito
O teu corpo de mulher
Na cama onde me deito,
Para ver o sol nascer.
A repousar do cansaço
Até ao fim da manhã,
No calor do teu regaço
Teus lábios cor de romã
Colam-se aos meus num abraço.
A viver um sonho alado,
Meu sentimento pelúcido
No teu corpo ancorado,
Faz meu sentir ser mais dúlcido
Sempre que estás a meu lado.
Tudo o que é belo perdura,
Ultrapassa o momento
Já que o amor com ternura
Fundamenta o sentimento.
Juvenal Nunes
Último Adeus
Último Adeus
Na vida que tomaste de passagem,
De agruras, de júbilos, de cadilhos,
Na caminhada se fez a mensagem
Revelada no rol de nove filhos.
Perdeu-se num sopro a vida,
Que a morte não consente,
Matéria em terra delida,
De todos se faz ausente.
Mas é tão só teu corpo que se fina,
Na crença de que a alma foi levada,
Alada pela clemência divina,
Rumo à estância da paz mais elevada.
Se Deus um dia, em seu final juízo,
Nos conceder, por divina vontade,
Entrada, nas portas do Paraíso,
Voltaremos a ver-nos nesse dia,
Vivendo para sempre em harmonia,
Nos sublimes confins da eternidade.
Juvenal Nunes
* Minha mãe faleceu no passado mês de maio,
surpreendida pela morte, no próprio dia em
que completava 92 anos de idade.
Amor (A)mar
Amor (A)mar
As águas fundas do cais
arrastam consigo
restos de murmúrios estivais.
No silêncio das dunas
sucumbem gemidos de paixão,
Almas a vogar em escunas,
Num frenesim de corpos
em explosão.
Marcas impressas na areia
Abrem caminhos secretos
Mas o mar na maré cheia
Torna os passos discretos
Apagando os leves traços
Dos corpos que, na lonjura,
Se diluem numa jura
Em incontidos abraços.
Juvenal Nunes
Idílio
Idílio
Os namorados
Caminham de braços dados
Sob o dossel dos vergeis,
Sem conter sua emoção.
Os namorados,
Pelo amor encantados,
Em juras de amor fieis,
Passeiam de mão na mão.
Juvenal Nunes
Metafisicando
Metafisicando
O tempo da nossa vida,
Que se doba sem contar,
Está longe da partida
Com mais para caminhar.
Há muitas encruzilhadas
E caminhos a seguir,
Das escolhas acertadas
Saberemos no porvir.
Aquilo que se procura,
Seja verdade ou quimera,
Torna-se sempre aventura
No longo tempo de espera.
Quando a morte sobrevém
Aos vivos fica a saudade
De quem sempre amou alguém,
Mas de lá da eternidade
`Inda não houve ninguém
Que nos desse com verdade
As notícias do Além.
Juvenal Nunes
Cavalo Alado
Cavalo Alado
Adormeço no sonho do desejo
Numa rota levado,
É então que encontro o país que almejo,
Sou um cavalo alado.
Leves flocos polvilham picadeiro,
Sem nuvens de pó,
Assim abarco o Universo inteiro
Num galopar só.
Na etérea leveza desse planar
Descubro o meu sentido,
É todo o Mundo que vejo pulsar
Com menor alarido.
A vogar no brilho da lua cheia
Desperto meus sentidos,
No trotar garboso duma hacaneia
Resfolego nitridos.
Voar sobre as pastagens é ventura
Vivida em emoção,
No dorso da hacaneia a aventura
Voa à perdição.
Se tento dirigir meu voo errante
Pelo espaço sublime,
A Terra é um lugar distante
Que meu voo define.
No espaço sideral de alva brancura,
Às nuvens em tagatés,
Agradeço o achado de quem procura
Com doces piafés.
Juvenal Nunes
Dulcilóquo
Dulcíloquo
Há no teu peito colinas
A rescender madrugadas,
No aroma das boninas
Das manhãs mais orvalhadas.
Envolve-me nos teus braços
Para sentir a doçura,
Com que aplacas meus cansaços
Nesse gesto de ternura.
A despetalar saudades,
Em completa sintonia,
Congregamos as vontades
Na mais perfeita harmonia.
Quando o amor nos seduz
Que ninguém dele se tema,
Na vida o que nos conduz
É nele que encontra o lema.
Juvenal Nunes
Estrela Maior
Estrela Maior
A noite traz o luar
No seu brilho liquefeito,
Branca toalha de altar
Em que de noite me deito.
Vejo o céu no teu olhar
E a cor azul do mar
Nesse leito consentido;
E nesse trono divido
Os tumultos desta vida
Que procuro serenar.
Os volteios dos sentidos
De dois amantes perdidos
São asas de borboletas,
Nunca param de adejar;
Puras almas inquietas
Espargem tons coloridos
Na toalha de luar.
E no dossel desse leito
Surgem mais de mil estrelas
Cada qual com sua cor;
Desse quadro tão perfeito
Não sei quem foi o pintor,
Sei que me deito e, ao vê-las,
Tu és a estrela maior.
Juvenal Nunes
Pássaro de fogo
Pássaro de fogo
Pássaro breve
sobre a seara em fogo
manto alado
sobre a alma em desafogo.
Num ápice
desfaz-se o voo --
Tudo são cinzas e nada.
E sobre a Terra
despida desse ardor,
a noite veste-se de luto
numa emoção calada,
abafada
nos gritos de cor
da madrugada.
Juvenal Nunes
O teu abraço
O teu abraço
Cheguei à tardinha
dum dia mais trabalhoso
morto de cansaço;
Sei que se avizinha
descanso mais prazeroso,
só no teu abraço.
Juvenal Nunes