O FAZER DE ALGUNS
O FAZER DE ALGUNS
Alguns dentre nós moldam o ferro,
E dele fazem surgir esculturas.
Por vezes vergam o pinho,
E fazem brotar amuletos.
Outros há que se apossam, de variadas matérias.
Edificam templários ou casebres,
Lapidam jóias ou feitiços,
Ardem no frio ou no fogo, sua humana semeadura.
A mim, dentre alguns,
Coube-me outra quimera:
A de esculpir o sentir,
Numa árdua arquitetura:
- Não me aprendi estrada reta,
Fui-me pontes carregadas de atalhos.
Enxerguei partidas, mais cedo que pulsar chegadas.
Vejo-me assim:
Do afeto sou inteiro ou recomeço.
E só o sentir construído, como a palavra viva, me afaga.
Carlos Daniel Dojja
DO APRENDIZADO
Reflexão do Aprendizado
A vida nos ensina amares.
Mel que desliza como neve nos sulcos do chão estendido.
Entrelaçamos as mãos com a doçura da alegria construída.
Colhemos o facho de luz como fruto da semente nova que se principia.
A vida nos ensina desvelar o olhar de quem enxerga para dentro.
Como se o afeto fosse feito minúscula gotícula, que mansamente se entorpece e vai se estendendo do céu em ritmo compassado, fixando-se na ramagem esverdeada da planta, até cuidadosamente novamente cair sobre a terra e começar a possuí-la.
Então uma pequena gota torna-se capaz de amadurecer a mais profunda raiz.
A vida nos ensina que o afeto é um apreender de profundidades reveladas.
Carlos Daniel Dojja
OUSADIA
OUSADIA
No meu intimo, uma desnecessidade se aguça.
Creio descomplexa, de nada ter a desdizer.
Já me levo inteiro de indagações a juntar atalhos,
De quem bem sabe o quanto custa o desviver.
Mas não existo o bastante se deixar de aspirar.
Assim espio manhãs. Não graduo conjuras.
Apraz-me compreender que uma reta contém variáveis.
Meus poros se aguçam de humana envergadura.
Minhas inquietações desfiam-se visíveis.
Confesso-me indisciplinado com as formalidades do risco.
Em quase tudo me arde, o que suponho merecer.
E se não o sentir, não me impele o fio a tecer.
Tenho dificuldades com prognósticos do viver pré-definido.
Não uso decifrador de tempo, para embeber-me do instante.
Declaro-me avesso, em não desfrutar, o que o momento instaura.
E quando me chega, pousa em minhas mãos, como se vindo da alma.
Carlos Daniel Dojja
LUZ DAS ESTRELAS
LUZ DAS ESTRELAS
Certa feita estive numa aldeia.
Lá me deparei com uma menina,
Sua fome me olhava atentamente.
Tinha o nome de luz das estrelas.
Seu pai não se sabia e sua mãe não vinha.
Perguntei-lhe se sonhava. Disse-me que não.
Mas que quando deixasse de ser miúda,
iria ser médica para cuidar das pessoas e dos que vão nascer.
Você sabe o que é poesia?
Não, não a conheço, interpelou-me rapidamente.
Poesia é feita pra gente?
Passei a visitá-la.
Numa manhã que chovia, nova indagação.
Do que você gosta? Prontamente me disse:
Gosto de comida, de escola e de brincar de casinha quando faz frio.
E vou lhe confessar algo.
- Também brinco de agarrar nuvens com as mãos
Carlos Daniel Dojja
Para Luz das Estrelas, em Angola.
DA UTOPIA
DA UTOPIA
Quero encravar minhas mãos,
A terra habitada pelo labor,
E dela retirar, sulcos e raízes,
E o fazer germinado.
E em cada manhã, em que se debruça o dia,
Celebrar o brilho do olhar,
Que percorre o sonhar dos homens,
E urrar e gestar as dores do parto.
Para assim embeber-me,
De todas as esperanças,
Que se agarram aos pés dos andantes,
Para me engravidar de utopias.
Carlos Daniel Dojja
* Imagem de heblo por Pixabay
Em homenagem a mulher refugiada com seu filho entre os braços num Acampamento da França, buscando um lugar para viver.
DAS ASAS QUE ME VOEI
DAS ASAS QUE ME VOEI
Quando cresci em altura, estatura de homem e coração feitio de flor se desbotando, contaram que o mundo era imenso, mais extenso que tudo o que havia e pouco visível depois que se perde o horizonte.
Disseram para observar que com cautela, os pés podem nos levar com segurança aos destinos já percorridos.
Eu que era cheio de ruas e afetos não visitados, intriguei-me.
Se tudo é tão repleto de amplitude, como haverei de agarrar-me a vida e habitar essa longínqua esperança, para saber-me andante de tardes que não conheço e de noites amanhecidas de claridade.
Interroguei-me tanto, que nem conseguia desacordar o desânimo das pernas, nem vestir-me com as roupagens da ousadia.
Deveria aceitar que só cabia-me reivindicar passos e trajetos com chegadas previsíveis.
Nesse tempo, me era tardio o vento, que se esgotava por baixo dos montes e perdia-se na planície.
O vento que a tudo varre, não leva o receio do desconhecido e às vezes traz as poeiras que embaraçam a vista.
Saía a esmo. Tentava colher certezas. Queria compreender o absoluto do tudo ou nada.
Apanhar as tochas de ventania e verter água na terra ressequida.
Ser o protagonista que sabe os finais não proscritos.
Tudo era de fato longínquo, para o além do perceber a frente.
Mas decide insistir-me, pois houve uma ponderação.
Se por acaso tivesse o êxito de me alçar para além do nevoeiro, encontraria um espaço ainda maior, após a condensação aquática das nuvens.
Nesse dia, diante de tanto desalento de nada poder desver. Enxerguei um pássaro.
Ele saiu da terra, cruzou o mar, planou nas alturas e no mais alto do alto que se via, arriscou-se a pousar num raio de luz imensa, recoberto em tons amarelados e ocres.
Espantados não sabiam como aquele pequeno ser havia chegado às proximidades do sol, mas houveram por bem adverti-lo, pois caso se fosse para mais além, certamente iria deparar-se com um movimento em expansão inalcançável, que nem de chão se fazia.
Diante de tantas e severas advertências. Tornei-me desde então, bebedor desta sabença.
Às vezes me empresto vôos. Vou-me indo, com a percepção de que posso lançar-me a descoberta.
Nunca sei o que virá depois que o passado do vento e o presente das nuvens se fundem.
Teimo em fingir-me capaz de atingir infinitudes, parir-me de acontecimentos.
Desde isso, quando posso, ponho-me asas estradeiras e olhares para o mais além do ver.
Carlos Daniel Dojja
*Imagem de enriquelopezgarre por Pixabay