Em ti
em ti me perco
em ti me encontro
nos teus braços me aninho
e é todo um oceano
que me inunda
nesse abraço infinito
nas tuas mãos
danças de afectos mil
perfumadas de afagos
extasiam-me a existência
os teus lábios
trazem o sabor de frutos maduros
e saborear-te
é sentir o verão a pulsar dentro do peito
nos teus olhos
transparentes de mel
leio e releio o amor que me ofertas
em cada gesto
em cada amplexo consentido
em ti me perco
em ti me encontro
e no turbilhão dos sentidos
bordados a pedrarias de que os sonhos são feitos
reaprendo o amor
mesmo no silêncio das palavras não ditas.
S.
despedida (opportune tempore... in fine)
hoje despedi-me de ti
ainda que o não saibas
quis olhar-te nos olhos
uma última vez
aconteceste-me um dia
e milhares deles contigo dividi
quis olhar-te nos olhos uma vez mais
- a derradeira
e vi o baço fulgor nos teus olhos
inexoravelmente rutilantes
a culpa pérfida e muda
volitando em teu redor
no teu rosto vislumbrei
esboços imprecisos das criminações
com que me mimoseaste
certezas convictas
bebidas em cálices envenenados
taças negras
erigidas no fundo do mar da vida
todo o teu corpo inquieto
denunciava a renúncia
exalava horrores quiméricos
gritava conluio cônscio
que letal veneno voluntariamente ingeriste!
milhares de instantes partilhados
bordados de sorrisos uns
outros de lágrimas deslustrados
roseirais de ilimitadas cores
e de espinhos mil aguçados
falhámos no caminho
outros - brilhantes - nos aguardam
assim saibamos merecê-los
sem mágoas nem melindres
hoje despedi-me de ti
e há um templo de memórias
que comigo habita
hoje
amanhã
sempre
S.
tempo (opportune tempore... in fine)
com o tempo
chegou o fim previsível
almejado
ficaram lágrimas e alegrias
arrependimentos talvez
e tudo o que restou
cabe agora na palma da mão
esvai-se entre os dedos
como minúsculos grãos de areia
que o vento abraça
e me rouba
tudo o que restou
- um espaço descerrado
no coração da vida
S.
Vazio
A minha vida? Nada! Vazia...
Eu?
Um bocadinho de vidro
quebrado
destruído
pelas minhas próprias mãos.
S.
eternamente
esse relâmpago no teu olhar
a ebriedade na pele impetuosa
e nos lábios de veludo desmaiado
são murmúrios incessantes
de outrora
de agora
e do odor melífluo do meu ser
emergem memórias de uma vida
no líquido oceano do meu desejo
tu navegas-me ainda
vives em mim
eternamente.
S.
S/ título
sou um cinzeiro esquecido
ao canto da mesa
cheio de cinzas por limpar...
S.
Solidão
nunca até agora
havia sentido o poder
descomunal
avassalador
de uma semente de solidão
S.
desejo
qual árvore em início de Outono
uma a uma as folhas abandonam-me
deixam-me nu
e o solo onde lentamente me acabo
é o mesmo que após longo e gélido Inverno
nutrirá minhas raízes
fortificará a doce seiva
que me há-de enverdecer de novo
e acordará em mim
o desejo de recomeçar o sonho de viver
S.
epílogo
quimeras alagaram meu peito
cioso de refúgios mansos
na vastidão oceânica da vontade
feita de marés ociosas
que se demoram na alma
atada a estultos desencantos
trajada de silêncios
depus descerrada
minha caixa de Pandora
e meus passos soaram
a vórtices serenados
por auras de assombro
só tarde demais
entrevi minha ânfora
vagando nas asas cavas
dessa doce inocência
enlodada de um ímpeto
franzino que esvaeceu
desatei a tua mão
perdi -me de ti
A.
vida
vida - tela branca onde pintamos em traços livres os instantes da nossa existência...
S.